História da Redenção

CAPÍTULO 43

Martírio de Paulo e Pedro

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Por muitos anos, os apóstolos Paulo e Pedro estiveram bastante distanciados em seu trabalho, sendo que a atividade de Paulo era levar o evangelho aos gentios, enquanto Pedro trabalhava especialmente pelos judeus. Contudo, na providência de Deus, ambos deviam testemunhar de Cristo na metrópole do mundo, e sobre seu solo ambos deviam derramar o sangue, como semente de uma vasta colheita de santos e mártires.

Cerca do tempo do segundo aprisionamento de Paulo, também Pedro foi preso e encerrado na prisão. Tinha se tornado especialmente odioso às autoridades pelo seu zelo e sucesso em expor os enganos e desfazer a trama de Simão Mago, o encantador, que o seguira a Roma a fim de opor-se e impedir a obra do evangelho. Nero, que era crente em magias, patrocinava Simão. Ficou assim grandemente exasperado contra o apóstolo, e dessa maneira prontamente ordenou sua prisão.

A maldade do imperador contra Paulo foi fortalecida pelo fato de que membros da casa imperial, e também outras pessoas de distinção, haviam sido convertidas ao cristianismo durante sua primeira prisão. Por esta razão, fez a segunda prisão mais severa do que a primeira, permitindo-lhe pouca oportunidade para pregar o evangelho, e determinou tirar sua vida tão logo um pretexto plausível pudesse


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ser achado. A mente de Nero ficou tão impressionada com a força das palavras do apóstolo em seu último julgamento, que protelou a decisão do caso, nem o absolvendo nem o condenando. Todavia, a sentença foi apenas protelada. Não muito tempo depois, foi pronunciada a decisão que condenava Paulo à morte de mártir. Sendo cidadão romano não podia ser torturado, sendo, portanto, sentenciado a ser decapitado.

Pedro, como um estrangeiro judeu, foi condenado a ser açoitado e crucificado. Na perspectiva desta terrível morte, o apóstolo lembrou seu grande pecado em haver negado a Jesus na hora de Seu julgamento, e seu único pensamento foi que era indigno de morrer da mesma maneira que seu Mestre. Pedro havia-se arrependido sinceramente daquele pecado, e tinha sido perdoado por Cristo, como se pode ver pela alta missão a ele dada para alimentar as ovelhas e cordeiros do rebanho. Ele, porém, nunca pôde perdoar a si mesmo. Nem mesmo o pensamento das agonias da última e terrível cena puderam diminuir a amargura de sua tristeza e arrependimento. Como último favor, rogou de seus algozes que fosse pregado na cruz de cabeça para baixo. O pedido foi atendido, e desta maneira morreu o grande apóstolo Pedro.

O Testemunho Final de Paulo

Paulo foi levado reservadamente ao lugar da execução. Seus perseguidores, alarmados com a extensão de sua influência, temiam que fossem ganhos conversos para o cristianismo por meio das cenas de sua morte. A poucos espectadores se permitiu estar presentes. Mas os empedernidos soldados que o acompanhavam ouviram suas palavras e, com espanto, o viram animado e mesmo alegre à vista de semelhante morte. Seu espírito de perdão para com os assassinos e sua inabalável confiança em Cristo até o derradeiro momento, mostrou ser um cheiro de vida para


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vida para alguns que testemunharam seu martírio. Mais de um logo aceitaram o Salvador que Paulo pregava, e selaram destemidamente com o sangue a sua fé.

A vida de Paulo, até o último instante, testificou da verdade de suas palavras aos coríntios: "Porque Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo. Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós. Em tudo somos atribulados, mas não angustiados: perplexos, mas não desanimados; perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos; trazendo sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também em nossos corpos." II Cor. 4:6-10. Sua competência não estava em si mesmo, mas na presença e na operação do divino Espírito que lhe enchia a alma, e levava cativo todo o entendimento à vontade de Cristo. O fato de que sua própria vida exemplificava a verdade que proclamava dava convincente poder tanto a sua pregação como a sua conduta. Disse o profeta: "Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti; porque ele confia em Ti." Isa 26:3. Foi esta paz celestial expressa no semblante de Paulo que ganhou muitas almas para o evangelho.

O apóstolo estava a olhar para o grande além, não com incerteza ou terror, mas com jubilosa esperança e anelante expectativa. Ao encontrar-se no lugar do martírio, não viu a luzente espada do carrasco nem a verde relva que tão logo lhe havia de receber o sangue; olha, através do calmo céu azul daquele dia de verão, para o trono do Eterno. Sua linguagem foi: Ó Senhor, Tu és o meu conforto e galardão! Quando poderei tocar-Te? Quando poderei ver-Te


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por mim mesmo, sem um véu obscuro de permeio?

Paulo levou através de sua vida terrena a atmosfera do Céu. Todos os que com ele se associavam sentiam a influência de sua união com Cristo e a companhia com os anjos. Nisto reside o poder da verdade. A influência espontânea e inconsciente de uma vida santa é o mais convincente sermão que se pode fazer em prol do cristianismo. O argumento, mesmo quando seja irrespondível, pode só provocar oposição; mas o exemplo piedoso tem um poder a que é impossível resistir completamente.

Ao passo que o apóstolo perdia de vista os seus próprios sofrimentos que se aproximavam, sentia uma profunda solicitude pelos discípulos que estava prestes a deixar a lutar contra o preconceito, o ódio e a perseguição. Ele se esforçou para fortalecer e encorajar os poucos cristãos que o acompanharam ao local da execução, repetindo as inexcedíveis e preciosas promessas feitas àqueles que são perseguidos por causa da justiça. Assegurou-lhes que nada falharia de tudo aquilo que o Senhor falara com respeito a Seus filhos provados e fiéis. Eles se levantarão e brilharão; pois a luz do Senhor estará sobre eles. Eles vestirão suas belas vestes quando a glória do Senhor lhes for revelada. Por pouco tempo poderão estar sob a opressão de multiformes tentações, poderão estar destituídos de conforto terrestre; mas devem animar seu coração dizendo: Eu sei em quem tenho crido. Ele é capaz de guardar o meu depósito. Os sofrimentos terão fim e a alegre manhã de paz e dia perfeito virá.

O Capitão da nossa salvação preparou Seu servo para o último grande conflito. Resgatado pelo sacrifício de Cristo, lavado do pecado em Seu sangue, e revestido de


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Sua justiça, Paulo tem o testemunho em si mesmo de que sua alma era preciosa à vista de seu Redentor. Sua vida está escondida com Cristo em Deus, e ele está persuadido de que Aquele que conquistou a morte é capaz de guardar o seu depósito. Seu espírito se apega à promessa do Salvador: "Eu o ressuscitarei no último dia." João 6:40. Seus pensamentos e esperanças estão centralizados na segunda vinda de seu Senhor. E quando a espada do carrasco desce e as sombras da morte envolvem a alma mártir, seu último pensamento se eleva, do mesmo modo que o primeiro quando ressuscitar, para encontrar o Doador da vida, que o há de convidar para a exaltação dos santos.

Quase vinte séculos se passaram desde que o idoso Paulo derramou seu sangue em testemunho da Palavra de Deus e para testificar de Jesus Cristo. Nenhuma mão fiel registrou para as gerações vindouras as últimas cenas da vida desse santo homem; a inspiração, porém, nos preservou seu testemunho ao morrer ele. Como o clangor de uma trombeta, sua voz tem repercutido através de todos os séculos, enrijando com sua coragem milhares de testemunhas de Cristo, e despertando em milhares de corações, feridos pela tristeza, o eco de sua alegria triunfante: "Porque eu já estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo da minha partida está próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a Sua vinda." II Tim. 4:6-8.

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