Educação

CAPÍTULO 7

Vida de Grandes Homens

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"O fruto do justo é árvore de vida." Prov. 11:30.

A história sagrada apresenta muitas ilustrações dos resultados da verdadeira educação. Apresenta muitos nobres exemplos de homens cujo caráter foi formado sob direção divina; homens cuja vida foi uma bênção a seus semelhantes, e que estiveram no mundo como representantes de Deus. Entre estes se acham José, Daniel, Moisés, Elias e Paulo - os maiores estadistas, o mais sábio legislador, um dos mais fiéis reformadores, e o mais ilustre instrutor que o mundo já conheceu, com exceção dAquele que falou como nenhum outro.

No princípio de sua vida, exatamente quando passavam da juventude para a varonilidade, José e Daniel foram separados de seus lares, e levados como cativos a países pagãos. José esteve sujeito especialmente às tentações que acompanham grandes mudanças na sorte. Na casa paterna, uma criança mimada; na casa de Potifar, escravo, depois confidente e companheiro, homem de negócios, educado pelo estudo, observação e contato com os homens; no calabouço de Faraó, prisioneiro do Estado, condenado injustamente, sem esperança de reivindicação ou perspectiva de libertamento; chamado em uma grande crise para dirigir a nação - que o habilitou a preservar sua integridade?

Ninguém pode ficar em uma altura preeminente sem correr perigo. Assim como a tempestade deixa intacta a


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flor do vale e desarraiga a árvore no topo das montanhas, as terríveis tentações que deixam ilesos os humildes da vida, assaltam os que se acham nos altos postos de êxito e honras. José, porém, suportou a prova da adversidade, e da prosperidade, de modo semelhante. A mesma fidelidade que manifestou nos palácios de Faraó, manifestou na cela do prisioneiro.

Em sua infância, a José havia sido ensinado o amor e temor de Deus. Muitas vezes, na tenda de seu pai, sob as estrelas da Síria, contava-se-lhe a história da visão noturna de Betel, da escada do Céu à Terra e dos anjos que por ela desciam e subiam, e dAquele que do trono, no alto, Se revelou a Jacó. Fora-lhe contada a história do conflito ao lado do Jaboque, quando, renunciando a pecados acariciados, Jacó se tornou conquistador e recebeu o título de príncipe com Deus.

A vida pura e simples de José, como um pastorzinho guiando os rebanhos de seu pai, favorecera o desenvolvimento não só da capacidade física mas também da mental. Em comunhão com Deus por meio da Natureza e do estudo das grandes verdades transmitidas como um sagrado legado de pai a filho, adquiriu ele vigor mental e firmeza de princípios.

No momento crítico de sua vida, quando fazia aquela terrível viagem do lar de sua infância em Canaã, para o cativeiro que o esperava no Egito, olhando pela última vez as colinas que ocultavam as tendas de sua parentela, José lembrou-se do Deus de seu pai. Recordou-se das lições da infância e sua alma fremiu com a resolução de mostrar-se verdadeiro - agindo sempre como convém a um súdito do Rei celestial.

Na amargurada vida de estrangeiro e escravo, entre as cenas e os ruídos do vício e das seduções do culto pagão, culto este cercado de todas as atrações de riquezas,


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cultura e pompas da realeza, José permaneceu firme. Tinha aprendido a lição da obediência ao dever. A fidelidade em todas as situações, desde as mais humildes até as mais exaltadas, adestrou toda a sua capacidade para o mais elevado serviço.

Na ocasião em que ele fora chamado à corte de Faraó, o Egito era a maior das nações. Em civilização, arte, saber, era inigualado. Através de um período de máxima dificuldade e perigo, José administrou os negócios do reino; e isto fez de maneira a captar a confiança do rei e do povo. Faraó fez dele "senhor da sua casa e governador de toda a sua fazenda para, a seu gosto, sujeitar os seus príncipes e instruir os seus anciãos". Sal. 105:21 e 22.

A Bíblia nos apresenta o segredo da vida de José. Jacó, na bênção pronunciada sobre seus filhos, assim falou, em palavras de divino poder e beleza, daquele dentre eles que mais amava:

"José é um ramo frutífero,

Ramo frutífero junto à fonte;

Seus ramos correm sobre o muro.

Os flecheiros lhe deram amargura,

E o flecharam, e o aborreceram.

O seu arco, porém, susteve-se no forte,

E os braços de suas mãos foram fortalecidos

Pelas mãos do Valente de Jacó, ...

Pelo Deus de teu pai, o qual te ajudará,

E pelo Todo-poderoso, o qual te abençoará

Com bênçãos dos Céus de cima,

Com bênçãos do abismo que está debaixo. ...

As bênçãos de teu pai excederão

As bênçãos de meus pais,

Até à extremidade dos outeiros eternos;

Elas estarão sobre a cabeça de José

E sobre o alto da cabeça do que foi separado

De seus irmãos." Gên. 49:22-26.


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Lealdade para com Deus, fé no Invisível - foram a âncora de José. Nisto se encontrava o segredo de seu poder.

"Os braços de suas mãos foram fortalecidos

Pelas mãos do Valente de Jacó." Gên. 49:24.

Daniel, um Embaixador do Céu

Daniel e seus companheiros, em Babilônia, foram aparentemente mais favorecidos da sorte, em sua juventude, do que o foi José, nos primeiros anos de sua vida no Egito; não obstante, estiveram sujeitos a provas de caráter quase tão severas como as suas. Vindo de seu lar judeu, de relativa simplicidade, esses jovens da linhagem real foram transportados à mais magnificente das cidades, para a corte de seu maior rei, e separados a fim de ser instruídos para o serviço especial do palácio. Fortes eram as tentações que os cercavam naquela corte corrupta e luxuosa. O fato de que eles, os adoradores de Jeová, eram cativos em Babilônia; de que os vasos da casa de Deus tinham sido postos no templo dos deuses de Babilônia; de que o próprio rei de Israel era um prisioneiro nas mãos dos babilônios, era orgulhosamente citado pelos vitoriosos como evidência de que sua religião e costumes eram superiores aos dos hebreus. Sob tais circunstâncias, e por meio das próprias humilhações ocasionadas pelo afastamento de Israel dos mandamentos de Deus, Ele apresentou a Babilônia evidências de Sua supremacia, da santidade de Seus mandos, e do resultado certo da obediência. E este testemunho Ele deu - como unicamente poderia ter dado - por meio daqueles que ainda mantinham firme sua fidelidade.

A Daniel e seus companheiros, logo ao princípio de sua carreira, sobreveio uma prova decisiva. A ordem de que seu alimento deveria ser suprido da mesa do rei foi uma


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expressão do favor real, bem como de sua solicitude pelo bem-estar deles. Mas, sendo uma parte oferecida aos ídolos, o alimento da mesa real era consagrado à idolatria; e, participando da generosidade do rei, estes jovens seriam considerados como se estivessem unindo sua homenagem aos falsos deuses. Sua fidelidade para com Jeová proibia-lhes participar de tal homenagem. Tampouco ousavam eles arriscar-se aos efeitos enervantes do luxo e dissipação sobre o desenvolvimento físico, intelectual e espiritual.

Daniel e seus companheiros tinham sido fielmente instruídos nos princípios da Palavra de Deus. Haviam aprendido a sacrificar o terrestre pelo espiritual, a buscar o mais alto bem. E colheram a recompensa. Seus hábitos de temperança e seu senso de responsabilidade como representantes de Deus, requeriam o mais nobre desenvolvimento das faculdades do corpo, da mente e da alma. Ao terminar o seu preparo, sendo examinados com outros candidatos às honras do reino, "não foram achados outros tais como Daniel, Ananias, Misael e Azarias". Dan. 1:19.

Na corte de Babilônia estavam reunidos representantes de todos os países, homens dos melhores talentos, dos mais abundantemente favorecidos com dons naturais, e possuidores da mais alta cultura que o mundo poderia conferir; no entanto, entre todos eles os cativos hebreus não tinham igual. Na força física e na beleza, no vigor mental e preparo literário, não tinham rival. "E em toda matéria de sabedoria e de inteligência, sobre que o rei lhes fez perguntas, os achou dez vezes mais doutos do que todos os magos ou astrólogos que havia em todo o seu reino." Dan. 1:20.

Inabalável em seu concerto com Deus, intransigente no domínio de si próprio, a nobre dignidade e delicada


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deferência de Daniel ganharam para ele em sua juventude o favor e terno amor do oficial gentio a cargo do qual ele se achava. As mesmas características assinalaram a sua vida. Rapidamente galgou ele a posição de primeiro-ministro do reino. Durante o império de sucessivos reis, a queda da nação e o estabelecimento de um reino rival, tal era a sua sabedoria e qualidades de estadista, tão perfeitos o seu tato, cortesia e genuína bondade de coração, combinadas com a fidelidade aos princípios, que mesmo seus inimigos eram obrigados a confessar que "não podiam achar ocasião ou culpa alguma; porque ele era fiel". Dan. 6:4.

Apegando-se Daniel a Deus com inabalável confiança, o espírito de poder profético veio sobre ele. Sendo honrado pelos homens com as responsabilidades da corte e os segredos do reino, honrado foi por Deus como Seu embaixador, bem como instruído a ler os mistérios dos séculos vindouros. Reis pagãos, mediante a associação com o representante do Céu, foram constrangidos a reconhecer o Deus de Daniel. "Certamente", declarou Nabucodonosor, "o vosso Deus é Deus dos deuses, e o Senhor dos reis, e o revelador dos segredos." Dan. 2:47. E Dario em sua proclamação "a todos os povos, nações e gente de diferentes línguas, que moram em toda a Terra", exaltou o "Deus de Daniel" como "o Deus vivo e para sempre permanente, e o Seu reino não se pode destruir"; que "livra e salva, e opera sinais e maravilhas no céu e na Terra". Dan. 6:25-27.

Homens Fiéis e Honestos

Pela sua sabedoria e justiça, pela pureza e benevolência de sua vida diária, pela sua dedicação aos interesses do povo - e este era idólatra - José e Daniel mostraram-se fiéis aos princípios de sua primeira educação,


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fiéis para com Aquele de quem eram os representantes. A tais homens, tanto no Egito como em Babilônia, a nação toda honrou; e neles, um povo pagão, assim como todas as nações com que entretiveram relações, contemplaram uma ilustração da bondade e beneficência de Deus, uma imagem do amor de Cristo.

Que considerável obra foi a que executaram estes nobres hebreus durante sua vida! Quão pouco sonhariam eles com seu alto destino, ao se despedirem do lar de sua infância! Fiéis e firmes, entregaram-se à direção divina, de maneira que por intermédio deles Deus pôde cumprir o Seu propósito.

As mesmas grandiosas verdades que foram reveladas por estes homens, Deus deseja revelar por meio dos jovens e crianças de hoje. A história de José e Daniel é uma ilustração daquilo que Ele fará pelos que se entregam a Ele, e que de todo o coração procuram cumprir o Seu propósito.

A maior necessidade do mundo é a de homens - homens que se não comprem nem se vendam; homens que no íntimo da alma sejam verdadeiros e honestos; homens que não temam chamar o pecado pelo seu nome exato; homens, cuja consciência seja tão fiel ao dever como a bússola o é ao pólo; homens que permaneçam firmes pelo que é reto, ainda que caiam os céus.

Mas um caráter tal não é obra do acaso; nem se deve a favores e concessões especiais da Providência. Um caráter nobre é o resultado da disciplina própria, da sujeição da natureza inferior pela superior - a renúncia do eu para o serviço de amor a Deus e ao homem.

Os jovens precisam ser impressionados com a verdade de que seus dotes não são deles próprios. Força, tempo, intelecto - não são senão tesouros emprestados. Pertencem a Deus; e deve ser a decisão de todo jovem pô-los no mais elevado uso. O jovem é um ramo do


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qual Deus espera fruto; um mordomo cujo capital deve crescer; uma luz para iluminar as trevas do mundo.

Cada jovem, cada criança, tem uma obra a fazer para honra de Deus e reerguimento da humanidade.

Eliseu, Fiel em Coisas Pequenas

Os primeiros anos da vida do profeta Eliseu passaram-se na quietude da vida campesina, sob ensino de Deus e da Natureza, e na disciplina do trabalho útil. Em um tempo de quase universal apostasia, a casa de seu pai estava entre o número dos que não haviam dobrado os joelhos a Baal. Na sua casa Deus era honrado, e a fidelidade ao dever era regra da vida diária.

Filho de um abastado fazendeiro, Eliseu havia assumido o trabalho que mais perto estava. Conquanto possuísse capacidade para ser um dirigente entre os homens, recebeu ensino nos deveres usuais da vida. A fim de dirigir sabiamente, ele devia aprender a obedecer. Pela fidelidade nas coisas pequenas, preparou-se para os encargos maiores.

Dotado de espírito meigo e gentil, possuía Eliseu também energia e firmeza. Acariciava o amor e temor de Deus, e na humilde rotina do trabalho diário adquiria força de propósito e nobreza de caráter, crescendo na graça e no conhecimento divinos. Enquanto cooperava com seu pai nos deveres domésticos, aprendia a cooperar com Deus.

O chamado profético veio a Eliseu, quando com os servos de seu pai arava o campo. Quando Elias, divinamente guiado na procura de um sucessor, lançou sua capa sobre os ombros de Eliseu, reconheceu este jovem aquele chamado e lhe obedeceu. Ele "seguiu a Elias, e o servia". I Reis 19:21. Não era uma grande obra


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a que se requeria a princípio de Eliseu; deveres usuais ainda constituía a sua disciplina. Fala-se dele como o que despejava água nas mãos de Elias, seu senhor. Como ajudante pessoal do profeta, continuou a mostrar-se fiel nas coisas pequenas, enquanto com um propósito cada dia mais firme se dedicava à missão a ele designada por Deus.

Ao ser chamado, sua resolução foi provada. Ao volver-se para acompanhar a Elias, recebeu ordem do profeta para voltar para casa. Ele devia avaliar por si as dificuldades - decidir-se a aceitar ou rejeitar o chamado. Eliseu, porém, compreendeu o valor de sua oportunidade. Por nenhuma vantagem mundana desprezaria ele a oportunidade de se tornar mensageiro de Deus, ou sacrificar o privilégio da associação com o Seu servo.

À medida que passava o tempo, e Elias se preparava para a trasladação, Eliseu se aprontava para se tornar seu sucessor. E de novo sua fé e resolução foram provadas. Acompanhando a Elias em seu trabalho de costume, e sabendo a mudança que logo ocorreria, era em cada lugar convidado pelo profeta para voltar. "Fica-te aqui, porque o Senhor me enviou a Betel", disse Elias. II Reis 2:2. Mas, nos seus primeiros trabalhos de guiar o arado, Eliseu tinha aprendido a não fracassar nem desanimar; e agora que ele havia posto a mão ao arado para os deveres de outra natureza, não se desviaria de seu propósito. Tantas vezes quantas lhe era feito o convite para voltar, sua resposta era: "Vive o Senhor, e vive a tua alma, que te não deixarei." II Reis 2:2.

"E assim ambos foram juntos. ... E eles ambos pararam junto ao Jordão. Então Elias tomou a sua capa, e a dobrou, e feriu as águas, as quais se dividiram para as duas bandas; e passaram ambos em seco. Sucedeu, pois, que, havendo eles passado, Elias disse a Eliseu: Pede-me


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o que queres que te faça, antes que seja tomado de ti. E disse Eliseu: Peço-te que haja porção dobrada de teu espírito sobre mim. E disse: Coisa dura pediste; se me vires quando for tomado de ti, assim se te fará; porém, se não, não se fará. E sucedeu que, indo eles andando e falando, eis que um carro de fogo, com cavalos de fogo, os separou um do outro; e Elias subiu ao Céu num redemoinho.

"O que vendo Eliseu, clamou: Meu pai, meu pai, carros de Israel e seus cavaleiros! E nunca mais o viu; e, tomando das suas vestes, as rasgou em duas partes. Também levantou a capa de Elias, que lhe caíra; e voltou-se e parou à borda do Jordão. E tomou a capa de Elias, que lhe caíra, e feriu as águas, e disse: Onde está o Senhor, Deus de Elias? Então, feriu as águas, e se dividiram elas para uma e outra banda; e Eliseu passou. Vendo-o, pois, os filhos dos profetas que estavam defronte em Jericó, disseram: O espírito de Elias repousa sobre Eliseu. E vieram-lhe ao encontro e se prostraram diante dele em terra." II Reis 2:6-15.

Desde então Eliseu ficou em lugar de Elias. E aquele que fora fiel no mínimo, mostrou-se também fiel no muito.

Elias, homem dotado de poder, tinha sido o instrumento de Deus na subversão de males gigantescos. Fora destituída a idolatria que, mantida por Acabe e pela gentílica Jezabel, havia seduzido a nação. Os profetas de Baal tinham sido mortos. Todo o povo de Israel tinha sido profundamente abalado, e muitos estavam voltando ao culto a Deus. Como sucessor de Elias era


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necessário alguém que por meio de instrução cuidadosa e paciente pudesse guiar Israel nos caminhos seguros. Para tal trabalho o primitivo ensino de Eliseu, sob a direção de Deus, o havia preparado.

A lição é para todos. Ninguém pode saber qual haja de ser o propósito de Deus em Sua disciplina; mas todos podem estar certos de que a fidelidade nas pequenas coisas é a evidência do preparo para maiores responsabilidades. Cada ato da vida é uma revelação do caráter, e somente aquele que nos menores deveres se mostre "obreiro que não tem de que se envergonhar" (II Tim. 2:15), será honrado por Deus com encargos de mais responsabilidade.

Moisés, Poderoso Pela Fé

Mais jovem que José ou Daniel era Moisés quando foi removido do protetor cuidado do lar de sua infância; não obstante, as mesmas influências que haviam moldado a vida daqueles, tinham já modelado a sua. Apenas doze anos passara ele com os parentes hebreus; mas durante estes anos lançou-se o fundamento de sua grandeza; lançara-o a mão de alguém que não deixou nome memorável.

Joquebede era mulher e escrava. Sua porção na vida era humilde e seus encargos pesados. Mas, com exceção de Maria de Nazaré, por intermédio de nenhuma outra mulher recebeu o mundo maior bênção. Sabendo que seu filho logo deveria sair de sob seus cuidados, para passar aos daqueles que não conheciam a Deus, da maneira mais fervorosa se esforçou ela por unir a sua alma ao Céu. Procurou implantar em seu coração amor e lealdade para com Deus. E fielmente cumpriu esse trabalho. Aqueles princípios da verdade que eram a preocupação do ensino de sua mãe e a lição de sua vida, nenhuma influência posterior poderia induzir Moisés a renunciar.


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Do humilde lar em Gósen, o filho de Joquebede passou ao palácio dos Faraós, à princesa egípcia, e por meio desta veio a ser bem-recebido como filho amado e acariciado. Nas escolas do Egito, Moisés recebeu o mais alto preparo civil e militar. De grande atração pessoal, distinto na aparência e estatura, de espírito culto e porte principesco, e de fama como chefe militar, tornou-se o orgulho da nação. O rei do Egito também era membro do sacerdócio; e Moisés, apesar de se recusar a participar do culto pagão, era iniciado em todos os mistérios da religião egípcia. Sendo ainda nessa época o Egito a mais poderosa e mais altamente civilizada das nações, Moisés como seu provável soberano era herdeiro das mais altas honras que este mundo podia conferir. Sua escolha, porém, foi mais nobre. Por amor da honra a Deus e livramento de Seu povo oprimido, Moisés sacrificou as honras do Egito. Então, de maneira especial, Deus empreendeu sua educação.

Moisés ainda não estava preparado para a obra de sua vida. Tinha ainda de aprender a lição de confiança no poder divino. Ele havia compreendido mal o propósito de Deus. Era sua esperança libertar Israel pela força das armas. Para isto arriscou tudo e fracassou. Derrotado e decepcionado, tornou-se fugitivo e exilado em terra estranha.

Nos desertos de Midiã, Moisés passou quarenta anos como pastor de ovelhas. Aparentemente afastado para sempre da missão de sua vida, estava recebendo a disciplina essencial para o seu cumprimento. A sabedoria para governar uma multidão ignorante e indisciplinada deveria ser ganha pelo domínio de si próprio. No cuidado das ovelhas e dos tenros cordeiros deveria obter a experiência que faria dele fiel e longânimo pastor para Israel. Para que pudesse


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tornar-se um representante de Deus, deveria dEle aprender.

As influências que o haviam cercado no Egito, a afeição de sua mãe adotiva, sua própria posição como neto do rei, o luxo e o vício que o seduziam de dez mil maneiras; o refinamento, sutileza e misticismo de uma religião falsa, tinham produzido certa impressão em seu espírito e caráter. Na rude simplicidade do deserto tudo isto desapareceu.

Na solene majestade da solidão das montanhas, Moisés estava a sós com Deus. Em toda parte estava escrito o nome do Criador. Moisés parecia achar-se em Sua presença, e protegido por Seu poder. Ali a sua presunção foi afugentada. Na presença do Ser infinito ele se compenetrou de quão fraco, quão ineficiente e quão curto de vista é o homem.

Ali Moisés adquiriu aquilo que o acompanhou durante os anos de sua vida trabalhosa e sobrecarregada de cuidados - a intuição da presença pessoal do Ser divino. Não olhava meramente através dos séculos para Cristo a manifestar-Se em carne; via a Cristo acompanhando o exército de Israel em todas as suas viagens. Quando era malcompreendido, ou difamadas suas ações, ou quando tinha de suportar a ignomínia e o insulto, e enfrentar o perigo e a morte, estava ele habilitado a resistir "como vendo o Invisível". Heb. 11:27.

Moisés não pensava simplesmente acerca de Deus; ele via a Deus. Deus era a constante visão diante dele. Nunca perdeu de vista a Sua face.

Para Moisés, a fé não era uma conjetura, era a realidade. Ele cria que Deus dirigia sua vida em particular, e em todos os seus detalhes ele O reconhecia. Para obter a força a fim de resistir a todas as tentações, confiava nEle.

A grande obra que lhe era confiada, desejava fazê-la


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com o maior êxito possível, e pôs sua confiança toda no poder divino. Sentiu sua necessidade de auxílio, pediu-o, adquiriu-o pela fé, e saiu na certeza de manter a força.

Tal foi a experiência que Moisés alcançou com os quarenta anos de preparo no deserto. Para comunicar tal experiência, a Sabedoria Infinita não considerou demasiado longo o período nem excessivamente grande o preço.

Os resultados daquele preparo, e das lições então ensinadas, ligam-se intimamente, não só à história de Israel, mas a tudo que desde aquele tempo até hoje tem contribuído para o progresso do mundo. O mais elevado testemunho da grandeza de Moisés, ou seja, o juízo feito de sua vida pela Inspiração, é: "Nunca mais se levantou em Israel profeta algum como Moisés, a quem o Senhor conhecera face a face." Deut. 34:10.

Paulo, Alegre no Serviço

Com a fé e experiência dos discípulos galileus que haviam feito companhia a Jesus, encontraram-se reunidos na obra do evangelho a intrepidez e o poder intelectual de um rabi de Jerusalém. Cidadão romano, nascido numa cidade gentílica, e judeu não somente por descendência mas por ensinos recebidos em toda sua vida, por patriotismo e religião; educado em Jerusalém pelo mais eminente dos rabis, e instruído em todas as leis e tradições dos pais, Saulo de Tarso participava no maior grau do orgulho e dos preconceitos de sua nação. Ainda jovem, tornou-se honrado membro do Sinédrio. Era considerado homem promissor, zeloso defensor da antiga fé.

Nas escolas teológicas da Judéia, a Palavra de Deus tinha sido desprezada pelas especulações humanas; tinha sido destituída de seu poder pelas interpretações e tradições dos rabis. Exaltação própria, amor ao domínio,


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cioso exclusivismo, fanatismo e orgulho desdenhoso, eram os princípios e motivos que regiam estes ensinadores.

Os rabis gloriavam-se em sua superioridade não somente sobre o povo de outras nações, mas também sobre a multidão de seu país. Com ódio feroz a seus opressores romanos, acariciavam a resolução de recuperar pela força das armas sua supremacia nacional. Aos seguidores de Jesus, cuja mensagem de paz era tão contrária a seus ambiciosos planos, odiaram e mataram. Nesta perseguição, Saulo era um dos atores mais atrozes e implacáveis.

Nas escolas militares do Egito, foi ensinada a Moisés a lei da força, e tão fortemente se apegou este ensino a seu caráter que foram precisos quarenta anos de sossego e comunhão com Deus e a Natureza para habilitá-lo à chefia de Israel pela lei do amor. A mesma lição Paulo teve de aprender.

Às portas de Damasco a visão do Crucificado mudou todo o curso de sua vida. O perseguidor tornou-se discípulo, o mestre, aluno. Os dias de trevas passados em solidão em Damasco foram como anos em sua experiência. As Escrituras do Antigo Testamento, entesouradas em sua memória, foram o seu estudo, e Cristo o seu mestre. Para ele também a solidão da Natureza se tornou uma escola. Para o deserto da Arábia foi ele, a fim de estudar ali as Escrituras e aprender acerca de Deus. Esvaziou a alma dos preconceitos e tradições que lhe haviam moldado a vida e recebeu instruções da Fonte da verdade.

Sua vida posterior foi inspirada unicamente pelo princípio do sacrifício de si mesmo - o ministério do amor. "Eu sou devedor", disse ele, "tanto a gregos como a


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bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes." Rom. 1:14. "O amor de Cristo nos constrange." II Cor. 5:14.

Como o maior dos ensinadores humanos, Paulo aceitava os mais humildes deveres assim como os mais elevados. Reconhecia a necessidade do trabalho tanto para as mãos como para a mente, e trabalhava num ofício para a manutenção própria. Prosseguia com seu ofício de fazer tendas ao mesmo tempo que diariamente pregava o evangelho nos grandes centros da civilização. "Estas mãos me serviram", disse ele, ao despedir-se dos anciãos de Éfeso, "para o que me era necessário, a mim e aos que estão comigo." Atos 20:34.

Conquanto possuísse altos dotes intelectuais, a vida de Paulo revelava o poder de uma sabedoria mais rara. Princípios do mais profundo alcance, princípios a respeito dos quais os maiores espíritos do seu tempo eram ignorantes, desdobravam-se em seus ensinos e exemplificavam-se em sua vida. Ele possuía a maior de todas as sabedorias - a que proporciona prontidão para discernir e simpatia de coração, e que põe o homem em contato com os homens, e o habilita a suscitar sua melhor natureza e inspirá-los a uma vida mais elevada.

Escute-lhe as palavras diante dos pagãos de Listra, quando ele os dirige a Deus, revelado na Natureza, fonte de todo o bem, "dando-vos chuvas e tempos frutíferos, enchendo de mantimento e de alegria o vosso coração". Atos 14:17.

Veja-o na masmorra em Filipos, onde apesar de ter o corpo dolorido pelas torturas, seu cântico de louvor quebrava o silêncio da meia-noite. Depois que o terremoto abre as portas da prisão, sua voz é de novo ouvida em palavras de ânimo ao carcereiro pagão: "Não te faças nenhum mal, que todos aqui estamos" (Atos 16:28) - cada um em seu lugar, constrangido pela presença de um companheiro de prisão. E o carcereiro, convicto


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da realidade daquela fé que sustinha a Paulo, inquire acerca do caminho da salvação, e com toda a sua casa se une ao grupo perseguido dos discípulos de Cristo.

Veja Paulo em Atenas perante o conselho do Areópago, defrontando ciência com ciência, lógica com lógica, filosofia com filosofia. Notai como, com aquele tato oriundo do amor divino, aponta a Jeová como o "Deus desconhecido" (Atos 17:23), ao qual os seus ouvintes têm ignorantemente adorado; e com palavras citadas de um poeta deles mesmos, descreve-O como um Pai de quem eles próprios são filhos. Ouvi-o, naquela época de diferenças sociais em que os direitos do homem, como tal, não eram absolutamente reconhecidos, a apresentar a grande verdade da fraternidade humana, declarando que Deus "de um só fez toda a geração dos homens para habitar sobre toda a face da Terra". Atos 17:26. Então mostra como, à maneira de um fio de ouro, se desenrola o propósito divino da graça e misericórdia através de todo o trato de Deus com o homem. Ele determinou "os tempos já dantes ordenados e os limites da sua habitação, para que buscassem ao Senhor, se, porventura, tateando, O pudessem achar, ainda que não está longe de cada um de nós". Atos 17:26 e 27.

Ouça-o na corte de Festo, quando o rei Agripa, convencido da verdade do evangelho, exclama: "Por pouco me queres persuadir a que me faça cristão!" Atos 26:28. Com que gentil cortesia, apontando para a sua cadeia, Paulo responde: "Prouvera a Deus que, ou por pouco ou por muito, não somente tu, mas também todos quantos hoje me estão ouvindo se tornassem tais qual eu sou, exceto estas cadeias." Atos 26:29.

Assim passou a vida, como a descreve em suas próprias palavras - "em viagens, muitas vezes; em perigos de rios, em perigos de ladrões, em perigos dos


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da minha nação, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos; em trabalhos e fadiga, em vigílias, muitas vezes, em fome e sede, em jejum, muitas vezes, em frio e nudez". II Cor. 11:26 e 27.

"Somos injuriados", disse ele, "e bendizemos; somos perseguidos e sofremos; somos blasfemados e rogamos" (I Cor. 4:12 e 13); "como contristados, mas sempre alegres; como pobres, mas enriquecendo a muitos; como nada tendo e possuindo tudo." II Cor. 6:10.

Encontrava ele a alegria no servir; e ao terminar a vida de trabalho, olhando para trás às lutas e triunfos, podia dizer: "Combati o bom combate." II Tim. 4:7.

Estas histórias são de interesse vital. A ninguém são elas de maior importância do que aos jovens. Moisés renunciou a um reino em perspectiva; Paulo, às vantagens da riqueza e honra entre seu povo, para levarem uma vida de pesados encargos no serviço de Deus. A muitas pessoas a vida destes homens parece ser de renúncia e sacrifício. Foi realmente assim? Moisés considerava a injúria de Cristo maiores riquezas do que os tesouros do Egito. Ele assim considerava porque assim era. Paulo declarou: "O que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo. E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas e as considero como esterco, para que possa ganhar a Cristo." Filip. 3:7 e 8. Ele estava satisfeito com sua escolha.

A Moisés era oferecido o palácio dos Faraós e o trono do rei; mas os prazeres pecaminosos que fazem com que os homens se esqueçam de Deus, prevaleciam naquelas cortes senhoris, e em lugar deles escolheu


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"riquezas duráveis e justiça". Prov. 8:18. Em vez de se ligar às grandezas do Egito, preferiu unir a vida ao propósito divino. Em vez de dar leis ao Egito, por direção divina deu-as ao mundo. Tornou-se o instrumento de Deus em transmitir ao homem aqueles princípios que são a salvaguarda tanto do lar como da sociedade, e que são a pedra fundamental da prosperidade das nações - princípios hoje reconhecidos pelos maiores homens do mundo como o fundamento de tudo que é melhor nos governos humanos.

A grandeza do Egito jaz no pó. Passaram-se seu poderio e civilização. Mas a obra de Moisés jamais poderá perecer. Os grandes princípios de justiça para estabelecer os quais ele viveu, são eternos.

A vida de Moisés, de trabalhos e de cuidados que pesavam sobre o coração, foi iluminada com a presença dAquele que "traz a bandeira entre dez mil", e é "totalmente desejável". Cant. 5:10 e 16. Com Cristo na peregrinação do deserto, com Cristo no monte da transfiguração, com Cristo nas cortes celestiais, foi a sua vida abençoada na Terra e honrada no Céu.

Paulo também era em seus múltiplos trabalhos protegido pelo poder mantenedor de Sua presença. "Posso todas as coisas", disse ele, "nAquele que me fortalece." Filip. 4:13. "Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada?" Rom. 8:35. "Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por Aquele que nos amou. Porque estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar


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do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor!" Rom. 8:37-39.

Havia, contudo, uma alegria futura para a qual Paulo olhava como a recompensa de seus trabalhos - a mesma alegria por causa da qual Cristo suportou a cruz e desdenhou a ignomínia - alegria esta de ver o fruto de Seu trabalho. "Qual é a nossa esperança, ou gozo, ou coroa de glória?" escreveu ele aos conversos de Tessalônica. "Porventura, não o sois vós também diante de nosso Senhor Jesus Cristo em Sua vinda? Na verdade, vós sois a nossa glória e gozo." I Tess. 2:19 e 20.

Quem poderá calcular os resultados dos trabalhos de Paulo, para o mundo? De todas estas benéficas influências que aliviam o sofrimento, que confortam a tristeza, que restringem o mal, que erguem a vida de sua condição egoísta e sensual, e a glorificam com a esperança da imortalidade, quanto se deve aos trabalhos de Paulo e de seus cooperadores, quando, com o evangelho do Filho de Deus, fizeram sua silenciosa viagem da Ásia às praias da Europa?

Qual o valor de uma vida que serviu de instrumento de Deus para colocar em ação tais influências abençoadoras? O que não valerá na eternidade testemunhar os resultados de um tal trabalho?

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