Cada indivíduo que se propõe vencer terá de lutar primeiramente contra as próprias fraquezas; e como é muito mais fácil descobrir erros em outros do que em si mesmo, importa haver muito mais cuidado e mais rigor no julgamento dos atos próprios do que nos alheios.
Todos os membros da igreja, se são filhos e filhas de Deus, terão de se submeter a um processo de disciplina, antes que possam constituir-se luzes neste mundo. Deus não fará condutos de luzes a pessoas que, estando em trevas, se contentam de nelas permanecer, sem fazer nenhum esforço especial para pôr-se em comunicação com a fonte da luz. Os que sentem as suas necessidades, nelas meditam seriamente, oram diligentemente, com fervor, e desenvolvem atividade, obterão auxílio de Deus. Há muito a desaprender no que respeita à própria pessoa, como também há muito a aprender. Velhos hábitos e costumes precisam ser renunciados e é somente mediante um esforço sério e persistente para corrigir esses erros, e a prática dos princípios da verdade, que, pela graça divina, a vitória pode ser obtida.
Desejava encontrar expressões adequadas para incutir em vosso espírito o fato de que a nossa única esperança como indivíduos está em manter ligação com Deus. Importa conseguirmos pureza de alma; e há ainda muito a fazer no sentido de um escrupuloso exame individual, da renúncia do amor-próprio e da obstinação, para o que necessitamos sem dúvida orar muito e com persistência.
Calma e Domínio Próprio
Pessoas severas e propensas a censurar, desculpam-se às vezes ou procuram justificar a sua falta de cortesia cristã, alegando que muitos reformadores manifestaram esse mesmo espírito e afirmam que a obra do presente tempo exige espírito idêntico, mas tal não é o caso. Um espírito manso e com perfeito
domínio de si mesmo melhor se ajusta a qualquer meio, e mesmo à gente mais rude. Um zelo imprudente não beneficia a ninguém. Deus não escolheu os reformadores porque fossem homens apaixonados e ávidos de domínio. Aceitou-os tal qual eram, a despeito de seus defeitos de caráter; ter-lhes-ia, porém, imposto responsabilidades muito maiores, se tivessem sido humildes e subordinado sempre o espírito ao controle da razão. Ao passo que cabe aos ministros de Cristo denunciar o pecado e a impiedade, a impureza e hipocrisia, sendo algumas vezes chamados a condenar o pecado tanto entre as classes altas como entre os humildes, expondo-lhes a indignação que de Deus há de cair sobre os transgressores de Sua lei, por outro lado não lhes compete ser imperiosos ou tirânicos, devendo antes manifestar um espírito de bondade e mansidão, uma disposição para salvar e não para destruir.
A longanimidade de Deus conosco deve ensinar aos pastores e membros da igreja que aspiram a ser cooperadores de Cristo, lições positivas de paciência e amor. Cristo associou a Si a Judas e o impulsivo Pedro, não porque Judas fosse cobiçoso e Pedro apaixonado, mas para que dEle, seu grande Mestre, aprendessem a fazer-se semelhantes a Ele: desinteressados, mansos e humildes de coração. Jesus descobriu traços bons em ambos esses homens. Judas possuía talento financeiro e podia ter sido de grande utilidade à igreja, se tivesse aceito a lição que lhes dava Cristo, repreendendo o egoísmo, a fraude e a avareza, mesmo nos negócios de pouca importância. Esta lição foi muitas vezes repetida: "Quem é fiel no mínimo, também é fiel no muito; quem é injusto no mínimo, também é injusto no muito." Luc. 16:10.
Estrita Integridade
Nosso Salvador procurou deste modo convencer os ouvintes de que, se alguém tirasse proveito em defraudar o próximo nas coisas mínimas, também faria o mesmo em negócios mais importantes, se tivesse oportunidade. O menor deslize da estrita retidão destrói os obstáculos de ordem moral e predispõe o
coração para injustiças maiores. Cristo nos ensinou, pela palavra e pelo exemplo, que nosso procedimento com nossos semelhantes se deve caracterizar pela mais perfeita integridade. "Tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós." Mat. 7:12. Cristo constantemente destacava e reprovava a conduta errônea dos fariseus. Professavam guardar a lei de Deus, contudo os seus atos de cada dia denunciavam a sua iniqüidade. Muitas viúvas e órfãos foram despojados do pouco que possuíam, a fim de satisfazer-lhes a avareza. Judas poderia ter aprendido essas lições, se no seu coração houvesse o desejo de ser reto; mas a avareza venceu e o amor ao dinheiro tornou-se poder dominante. Carregava a bolsa que continha os meios para serem usados em levar avante a obra de Cristo e da qual, de vez em quando, retirava pequenas quantias para as empregar em proveito próprio. Seu coração egoísta se enfadou com a oferta de Maria, ao trazer esta um vaso de alabastro cheio de nardo puro para com ele ungir a Jesus, a ponto de repreendê-la por sua imprudência. Em vez de observar a atitude de discípulo, considerou-se como mestre, propondo-se persuadir a Jesus da inconveniência daquele ato.
Esses dois homens desfrutaram igualmente das oportunidades e do privilégio que ofereciam as lições e o exemplo de Jesus, para se corrigirem dos seus defeitos de caráter. Ouvindo a Jesus acusar e denunciar severamente a hipocrisia e a corrupção, podiam ao mesmo tempo presenciar como os indivíduos visados por essas censuras constituíam o objeto da mais incansável solicitude desenvolvida por Jesus pela sua regeneração. O Salvador chorou por causa de sua ignorância e dos seus erros. Movido de infinita compaixão e amor para com eles, exclamou para Jerusalém: "Quantas vezes quis Eu ajuntar os teus filhos, como a galinha os seus pintos debaixo das asas, e não quiseste!" Luc. 13:34.
A Paciência de Jesus
Pedro era ativo e zeloso, firme e intransigente, e Cristo viu nele um elemento útil para a Sua igreja. Por isso tomou a Si a
Pedro buscando cultivar nele o que tivesse de prestável e valioso, e atenuar pelo Seu ensino e exemplo o que tinha de ríspido, amenizando-lhe as asperezas do trato. Quando o coração está verdadeiramente transformado pela graça divina, isto se manifestará também por uma transformação do exterior, traduzindo-se este por atos de bondade, simpatia e delicadeza. Jesus nunca Se mostrou frio e inacessível. Os aflitos muitas vezes O iam buscar no Seu retiro, tomando-Lhe o precioso tempo, de que precisava para descansar e restaurar-Se; contudo, eram sempre recebidos com um olhar bondoso e com palavras de conforto. Jesus foi o modelo da verdadeira cortesia. Pedro negou seu Senhor; arrependeu-se, porém, depois, e sentiu-se profundamente humilhado pelo seu grande pecado. Cristo, entretanto, mostrou que perdoara ao discípulo a falta cometida, fazendo menção especial de seu nome depois da ressurreição.
Judas cedeu às tentações de Satanás e traiu seu melhor Amigo. Pedro aprendia e aproveitava as lições de Cristo, e assim levou adiante a obra de reforma que foi deixada aos discípulos depois de o Senhor ir para o Céu. Esses dois homens representam as duas classes de indivíduos que Cristo associa a Si pelo Seu evangelho, dando-lhes as oportunidades de suas lições e o exemplo de Sua vida desinteressada e compassiva, para que dEle possam aprender.
Quanto mais o homem atentar em seu Salvador e estreitar o seu conhecimento com Ele, tanto mais Lhe imitará o exemplo e operará as Suas obras. A época em que vivemos está reclamando uma ação reformadora. A luz da verdade que nos dirige requer homens de decisão e verdadeiro valor moral, a fim de diligente e perseverantemente operarem em prol da salvação de todos os que atendem ao convite do Espírito de Deus.
O amor que devia reinar entre os membros da igreja freqüentemente cede lugar à crítica e censura, aparecendo isto até nas reuniões por meio de observações desamáveis e ataques pessoais. Essas coisas não devem ser admitidas pelos pastores, anciãos ou pelo povo. As reuniões da igreja devem ser
celebradas em honra exclusiva de Deus. Quando, numa igreja se ajuntam pessoas de caráter diferente, acontece, toda vez que a verdade não conseguir amenizar as asperezas de caráter e subordiná-las, ficar a igreja prejudicada e ser a paz e a harmonia sacrificadas a esses traços egoístas e não santificados do crente. Muitos, movidos pelo zelo de descobrir as faltas dos irmãos, negligenciam o exame do próprio coração e a purificação da própria vida. Isto lhes acarreta o desagrado de Deus. Os membros devem zelar, individualmente, pela própria alma, vigiar com cuidado as próprias ações, a fim de não agirem com motivos egoístas e se tornarem pedra de tropeço para os fracos.
Deus aceita os homens tais quais são, com seus naturais traços de caráter, e os prepara para o Seu serviço, contanto que estejam dispostos a deixar-se educar e a aprender dEle. Os sentimentos de amargura, inveja, desconfiança e ódio, que têm raízes no coração de muitos membros da igreja, são a obra de Satanás. Esses elementos têm influência deletéria sobre a igreja. "Um pouco de fermento faz levedar toda a massa." I Cor. 5:6. O zelo religioso que se manifesta em ataques aos irmãos é sem entendimento. Cristo nada tem que ver com esses testemunhos.