Logo que Davi se estabeleceu no trono de Israel, começou a procurar um lugar mais apropriado para a capital de seu reino. A trinta quilômetros de Hebrom, foi escolhido um lugar para a futura metrópole do reino. Antes que Josué tivesse guiado os exércitos de Israel pelo Jordão, chamava-se ele Salém. Perto deste lugar, Abraão tinha provado sua fidelidade a Deus. Oitocentos anos antes da coroação de Davi, fora a residência de Melquisedeque, o sacerdote do Deus Altíssimo. Ocupava uma posição central e elevada no território, e era protegida por inúmeras colinas. Estando nos limites de Benjamim e Judá, encontrava-se muito próxima de Efraim, e era de fácil acesso a todas as outras tribos.
A fim de conseguir este local, os hebreus tinham de desapossar um resto de cananeus, que mantinham uma posição fortificada nas colinas de Sião e Moriá. Esta fortaleza era chamada Jebus, e seus habitantes eram conhecidos por jebusitas. Durante séculos, Jebus fora considerada inexpugnável; mas foi sitiada e tomada pelos hebreus sob o comando de Joabe, que, como recompensa de seu valor, foi feito comandante-geral dos exércitos de Israel. Jebus tornou-se então a capital nacional, e seu nome pagão foi mudado para Jerusalém.
Hirão, rei da magnificente cidade de Tiro, no Mediterrâneo, procurou agora uma aliança com o rei de Israel, e ajudou a Davi na obra de construir um palácio em Jerusalém. Foram enviados de Tiro embaixadores, acompanhados de arquitetos e operários, e longas caravanas carregadas de valiosa madeira, troncos de cedro e outros materiais de valor.
A força crescente de Israel em sua união sob o governo de Davi, a aquisição da fortaleza de Jebus e a aliança com Hirão, rei de Tiro, provocaram a hostilidade dos filisteus, que invadiram de novo o território com uma grande força, tomando posição no vale de Refaim, a pequena distância de Jerusalém. Davi
e seus homens de guerra, retiraram-se à fortaleza de Sião, para esperar a direção divina. "Subirei contra os filisteus? Entregar-mos-ás nas minhas mãos? E disse o Senhor a Davi: Sobe, porque certamente entregarei os filisteus nas tuas mãos." II Sam. 5:17-25.
Davi avançou contra o inimigo imediatamente, derrotou-os e destruiu-os, e tomou deles os deuses que tinham trazido consigo a fim de assegurarem a vitória. Exasperados pela humilhação da derrota, os filisteus ajuntaram uma força ainda maior, e voltaram ao conflito. E novamente "se estenderam pelo vale de Refaim".(II Sam. 5:18) De novo Davi procurou ao Senhor e o grande EU SOU tomou a direção dos exércitos de Israel.
Deus instruiu a Davi dizendo: "Não subirás; mas rodeia por detrás deles, e virás a eles por defronte das amoreiras. E há de ser que, ouvindo tu um estrondo de marcha pelas copas das amoreiras, então te apressarás, porque o Senhor saiu então diante de ti, a ferir o arraial dos filisteus." II Sam. 5:23 e 24. Se Davi, como Saul, tivesse escolhido seu próprio caminho, o êxito não o teria acompanhado. Mas ele fez conforme o Senhor mandou, e "feriram o exército dos filisteus desde Gibeom até Gezer. Assim se espalhou o nome de Davi por todas aquelas terras; e o Senhor pôs o seu temor sobre todas aquelas gentes". I Crôn. 14:16 e 17.
Agora que Davi estava firmemente estabelecido no trono, e livre da invasão de adversários estrangeiros, volveu à realização de um acariciado propósito: trazer a arca de Deus a Jerusalém. Durante muitos anos a arca permanecera em Quiriate-Jearim, distante treze quilômetros; mas cumpria que a capital da nação fosse honrada com o sinal da presença divina.
Davi convocou trinta mil dos principais homens de Israel; pois era seu intuito tornar aquele ato um espetáculo de grande regozijo e imponente manifestação. O povo correspondeu alegremente ao convite. O sumo sacerdote, juntamente com seus irmãos no ofício sagrado, e os príncipes e homens principais das tribos, reuniram-se em Quiriate-Jearim. Davi estava radiante de santo zelo. A arca foi trazida da casa de Abinadabe, e colocada em um carro novo puxado por bois, enquanto dois dos filhos de Abinadabe a acompanhavam.
Os homens de Israel iam em seguimento, com exultantes aclamações, e com cânticos de regozijo, unindo-se melodiosamente
uma multidão de vozes com o som de instrumentos músicos; "Davi, e toda a casa de Israel, alegravam-se perante o Senhor, ... com harpas, e com saltérios, e com tamboris, e com pandeiros, e com címbalos". Fazia muito tempo que Israel não via uma cena de triunfo como aquela. Com alegria solene o vasto cortejo serpeava por entre colinas e vales em direção à santa cidade.
Mas, "chegando à eira de Nacom, estendeu Uzá a mão à arca de Deus, e teve a mão nela; porque os bois a deixavam pender. Então a ira do Senhor se acendeu contra Uzá, e Deus o feriu ali por esta imprudência; e morreu ali junto à arca de Deus". II Sam. 6:6 e 7. Um súbito terror caiu sobre a multidão jubilosa. Davi ficou espantado e grandemente alarmado, e intimamente pôs em dúvida a justiça de Deus. Ele estivera procurando honrar a arca como símbolo da presença divina. Por que, pois, havia sido aquele terrível juízo enviado para mudar a ocasião de alegria em dor e lamentação? Entendendo que não seria de bom aviso ter a arca perto de si, resolveu Davi deixá-la ficar onde estava. Foi encontrado perto, para ela, um lugar, na casa de Obede-Edom, o geteu.
A sorte de Uzá foi um juízo divino pela violação de um mandado explícito. Por meio de Moisés o Senhor dera instrução especial com relação ao transporte da arca. Ninguém, a não ser os sacerdotes, descendentes de Arão, devia tocá-la, ou mesmo olhar para ela, estando descoberta. A instrução divina era: "Os filhos de Coate virão para levá-lo; mas no santuário não tocarão, para que não morram." Núm. 4:15. Os sacerdotes deviam cobrir a arca, e então os coatitas deviam carregá-la pelas hastes, as quais eram colocadas em argolas de cada lado da arca, e nunca se removiam. Aos gersonitas e meraritas, que tinham a seu cargo as cortinas, as tábuas e as colunas do tabernáculo, Moisés deu carros e bois para o transporte daquilo que lhes era confiado. "Mas aos filhos de Coate nada deu, porquanto a seu cargo estava o santuário e o levavam aos ombros." Núm. 7:9. Assim, no trazer a arca de Quiriate-Jearim, houve uma desatenção direta e indesculpável às determinações do Senhor.
Davi e seu povo tinham-se congregado para efetuar uma obra sagrada, e à mesma entregaram-se com coração alegre e disposto; mas o Senhor não podia aceitar o serviço, porque não era efetuado de acordo com Suas orientações. Os filisteus, que não tinham
conhecimento da lei de Deus, haviam colocado a arca em um carro quando a devolveram a Israel, e o Senhor aceitou o esforço que fizeram. Mas os israelitas tinham em suas mãos uma declaração compreensível da vontade de Deus em todas estas questões, e sua negligência a tais instruções desonrava a Deus. Em Uzá recaía a maior culpa de arrogância. A transgressão à lei de Deus diminuíra a intuição que ele tinha da santidade da mesma, e, tendo sobre si pecados não confessados, atrevera-se em face da proibição divina a tocar no símbolo da presença de Deus. Deus não pode aceitar uma obediência parcial, uma maneira frouxa de tratar os Seus mandamentos. Pelo juízo sobre Uzá, era Seu intuito impressionar todo o Israel quanto à importância de dar estrita atenção aos Seus requisitos. Assim a morte daquele homem, levando o povo ao arrependimento, poderia impedir a necessidade de infligir juízos sobre milhares.
Sentindo que seu próprio coração não era inteiramente reto para com Deus, Davi, vendo o golpe desferido em Uzá, temera a arca, receoso de que algum pecado de sua parte acarretasse juízo sobre si. Mas Obede-Edom, embora se regozijasse com temor, acolheu gratamente o símbolo sagrado como a garantia do favor de Deus aos obedientes. A atenção de todo o Israel dirigiu-se agora ao geteu e sua casa; todos estavam vigilantes para ver o que lhes aconteceria. "E abençoou o Senhor a Obede-Edom, e a toda a sua casa." II Sam. 6:12.
A reprovação divina cumpriu a sua obra em Davi. Foi levado a compenetrar-se, como nunca dantes, da santidade da lei de Deus, e da necessidade de obediência estrita. O favor manifesto à casa de Obede-Edom levou Davi novamente a esperar que a arca pudesse trazer uma bênção a ele e a seu povo.
No fim de três meses, resolveu fazer outra tentativa para mudar a arca, e dispensou agora cuidadosa atenção à execução das instruções do Senhor, em todo pormenor. De novo foram convocados os homens principais da nação; e uma vasta congregação se reuniu em torno da residência do geteu. Com reverente cuidado a arca foi agora posta sobre os ombros de homens divinamente designados, a multidão pôs-se em linha, e, com corações a tremer, o grande séquito partiu novamente. Depois de caminharem seis passos, a trombeta deu sinal de parada. Por determinação de Davi deveriam ser oferecidos sacrifícios de "bois e carneiros cevados". II Sam. 6:13. O júbilo então tomou o lugar do tremor e terror. O rei depusera suas vestes reais, e vestira-se com um
simples éfode de linho, como o que era usado pelos sacerdotes. Não dava a entender por este ato que assumira as funções sacerdotais, pois que o éfode era algumas vezes usado por outros além dos sacerdotes. Antes, neste serviço santo ele queria, perante Deus, tomar lugar igual ao de seus súditos. Naquele dia, Jeová devia ser adorado. Devia Ele ser o único objeto de reverência.
Outra vez pôs-se em movimento o longo séquito, e a música de harpas e cornetas, trombetas e címbalos, ressoava em direção ao céu, misturada com a melodia de muitas vozes. "E Davi saltava. ... diante do Senhor" (II Sam. 6:14), acompanhando em sua alegria o ritmo do cântico.
A dança de Davi em júbilo reverente, perante Deus, tem sido citada pelos amantes dos prazeres para justificarem as danças modernas da moda; mas não há base para tal argumento. Em nosso tempo a dança está associada com a extravagância e as orgias noturnas. A saúde e a moral são sacrificadas ao prazer. Para os que freqüentam os bailes, Deus não é objeto de meditação e reverência; sentir-se-ia estarem a oração e o cântico de louvor deslocados, na assembléia deles. Esta prova deve ser decisiva. Diversões que tendem a enfraquecer o amor pelas coisas sagradas e diminuir nossa alegria no serviço de Deus, não devem ser procuradas por cristãos. A música e dança, em jubiloso louvor a Deus, por ocasião da mudança da arca, não tinham a mais pálida semelhança com a dissipação da dança moderna. A primeira tendia à lembrança de Deus, e exaltava Seu santo nome. A última é um ardil de Satanás para fazer os homens se esquecerem de Deus e O desonrarem.
O triunfal cortejo aproximou-se da capital, acompanhando o símbolo sagrado de seu Rei invisível. Então uma explosão de cânticos exigiu dos guardas sobre os muros que as portas da santa cidade se abrissem amplamente:
"Levantai, ó portas, as vossas cabeças;
Levantai-vos, ó entradas eternas,
E entrará o Rei da glória."
Um grupo de cantores e instrumentistas respondeu:
"Quem é este Rei da glória?"
De outro grupo veio a resposta:
"O Senhor forte e poderoso,
O Senhor poderoso na guerra."
Então, centenas de vozes, unindo-se, avolumaram o coro triunfal:
"Levantai, ó portas, as vossas cabeças,
Levantai-vos, ó entradas eternas,
E entrará o Rei da glória."
De novo se ouve a alegre interrogação: "Quem é este Rei da glória?" E a voz daquela grande multidão, "como o som de muitas águas", foi ouvida em arrebatadora resposta:
"O Senhor dos exércitos;
Ele é o Rei da glória." Sal. 24:7-10.
Então as portas se abriram amplamente, o cortejo entrou, e com temor reverente a arca foi depositada na tenda que tinha sido preparada para a sua recepção. Diante do recinto sagrado, foram construídos altares para sacrifício; a fumaça das ofertas pacíficas e holocaustos, e a nuvem de incenso, com os louvores e súplicas de Israel, ascendiam ao Céu. Terminado o serviço religioso, o próprio rei pronunciou uma bênção sobre seu povo. Então, com régia generosidade, ordenou que presentes de alimentos e vinho fossem distribuídos para merenda entre eles.
Todas as tribos estiveram representadas nesta cerimônia - a celebração do acontecimento mais sagrado que até então assinalara o reinado de Davi. O Espírito de inspiração repousara sobre o rei; e agora, banhando os últimos raios do Sol poente o tabernáculo, com uma consagrada luz, seu coração se ergueu em gratidão a Deus por estar agora o símbolo de Sua presença tão perto do trono de Israel.
Assim meditando, volveu Davi ao seu palácio, "para abençoar a sua casa". Mas havia alguém que testemunhara a cena de regozijo, com um espírito grandemente diverso do que movia o coração de Davi. "Entrando a arca do Senhor na cidade de Davi, Mical, a filha de Saul, estava olhando pela janela; e, vendo ao rei Davi, que ia bailando e saltando diante do Senhor, o desprezou no seu coração." Na amargura de sua paixão, ela não pôde esperar a volta de Davi ao palácio, mas saiu ao seu encontro, e à sua amável saudação derramou uma torrente de palavras amargas. Penetrante e incisiva foi a ironia de seu discurso:
"Quão honrado foi o rei de Israel, descobrindo-se hoje aos olhos das servas de seus servos, como sem pejo se descobre qualquer dos vadios." II Sam. 6:20, 16 e 20.
Davi compreendeu que fora o serviço de Deus que Mical havia desprezado e desonrado, e respondeu severamente: "Perante o Senhor, que me escolheu a mim antes do que a teu pai, e a toda a sua casa, mandando-me que fosse chefe sobre o povo do Senhor, sobre Israel, perante o Senhor me tenho alegrado. E ainda mais do que isto me envilecerei, e me humilharei aos meus olhos; e das servas, de quem falaste, delas serei honrado." A reprovação de Davi foi acrescentada a do Senhor: por causa de seu orgulho e arrogância Mical "não teve filhos, até ao dia da sua morte". II Sam. 6:21-23.
As cerimônias solenes que acompanharam a mudança da arca tinham produzido uma impressão duradoura no povo de Israel, despertando um interesse maior no serviço do santuário, e acendendo de novo seu zelo por Jeová. Davi se esforçara por todos os meios ao seu alcance por aprofundar estas impressões. O serviço do cântico tornou-se uma parte regular do culto religioso; e Davi compôs salmos, não somente para o uso dos sacerdotes no serviço do santuário, mas também para serem cantados pelo povo em suas jornadas ao altar nacional nas festas anuais. A influência assim exercida era de grande alcance, e teve como resultado libertar da idolatria a nação. Muitos dos povos circunvizinhos, vendo a prosperidade de Israel, eram levados a pensar favoravelmente acerca do Deus de Israel, que havia feito tão grandes coisas por Seu povo.
O tabernáculo construído por Moisés, juntamente com tudo que se relacionava com o serviço do santuário, com exceção da arca, ainda se encontrava em Gibéa. Era o propósito de Davi tornar Jerusalém o centro religioso da nação. Ele construira um palácio para si, e achou que não era coerente ficar a arca de Deus dentro de uma tenda. Resolveu construir para ela um templo de tal magnificência que exprimisse a apreciação de Israel à honra conferida à nação pela contínua presença de Jeová, seu Rei. Comunicando seu propósito ao profeta Natã, recebeu a animadora resposta: "Vai, e faze tudo quanto está no teu coração; porque o Senhor é contigo." II Sam. 7:2 e 3.
Mas, naquela mesma noite a palavra do Senhor veio a Natã, dando-lhe uma mensagem para o rei. Davi foi privado do privilégio de construir uma casa para Deus, mas concedeu-se-lhe a certeza do favor divino, a ele, a sua posteridade, e ao reino de Israel: "Assim diz o Senhor dos exércitos: Eu te tomei da malhada, de detrás das ovelhas, para que fosses o chefe sobre o Meu
povo, sobre Israel. E fui contigo, por onde quer que foste, e destruí a teus inimigos diante de ti; e fiz para ti um grande nome, como o nome dos grandes que há na Terra. E preparei lugar para Meu povo, para Israel, e o plantarei, para que habite no seu lugar, e não mais seja movido, e nunca mais os filhos da perversidade o aflijam, como dantes." II Sam. 7:8-10.
Tendo Davi desejado construir uma casa para Deus, foi feita a promessa: "O Senhor te faz saber que o Senhor te fará casa. ... Farei levantar depois de ti a tua semente. ... Este edificará uma casa ao Meu nome, e confirmarei o trono do seu reino para sempre." II Sam. 7:11-13.
A razão por que Davi não devia construir o templo, foi declarada: "Tu derramaste sangue em abundância, e fizeste grandes guerras; não edificarás casa ao Meu nome. ... Eis que o filho que te nascer será homem de repouso; porque repouso lhe hei de dar de todos os seus inimigos em redor; ... Salomão [pacífico] será o seu nome, e paz e descanso darei a Israel nos seus dias. Este edificará casa ao Meu nome." I Crôn. 22:8-10.
Embora o acariciado intento de seu coração fosse denegado, Davi recebeu a mensagem com gratidão. "Quem sou eu, Senhor Jeová?" exclamou ele; "e qual é a minha casa, que me trouxeste até aqui? E ainda foi isto pouco aos Teus olhos, Senhor Jeová, senão que também falaste da casa de Teu servo para tempos distantes" (II Sam. 7:18); e então renovou seu concerto com Deus.
Davi sabia que seria uma honra a seu nome, e traria glória ao seu governo realizar a obra que em seu coração se tinha proposto fazer; mas estava disposto a submeter sua vontade à vontade de Deus. A grata resignação, assim manifesta, raro se vê, mesmo entre cristãos. Quantas vezes aqueles que têm passado pela força da varonilidade, apegam-se à esperança de realizar alguma obra em que põem seu coração, mas que não estão em condições de efetuar! A providência de Deus pode falar-lhes, como fez o Seu profeta a Davi, declarando que a obra que desejam tanto não lhes é confiada. A eles toca preparar o caminho para que outro o cumpra. Mas em vez de se submeterem com gratidão à direção divina, muitos se retraem como se fossem menosprezados e rejeitados, entendendo que, se não podem fazer a coisa que desejam, não farão nada. Muitos se apegam com desesperada energia as responsabilidades que são incapazes de assumir, e em vão
se esforçam por cumprir uma obra para a qual estão despreparados, enquanto aquela que podem fazer continua negligenciada. E por causa desta falta de cooperação de sua parte, o trabalho maior é impedido ou frustrado.
Davi, em seu concerto com Jônatas, prometera que, quando ele tivesse descanso de seus inimigos, mostraria benignidade à casa de Saul. Em sua prosperidade, lembrando-se deste concerto, indagou o rei: "Há ainda alguém que ficasse da casa de Saul, para que lhe faça bem por amor de Jônatas?" II Sam. 9:1. Falaram-lhe acerca de um filho de Jônatas, Mefibosete, que tinha sido coxo desde a infância. Por ocasião da derrota de Saul pelos filisteus, em Jezreel, a ama desta criança, tentando fugir com ela, deixara-a cair, tornando-a assim um aleijado para toda a vida. Davi chamou agora o jovem à corte, e o recebeu com grande bondade. As posses particulares de Saul foram-lhe restituídas para a manutenção de sua casa; mas o filho de Jônatas deveria ser hóspede constante do rei, sentando-se diariamente à mesa real. Por meio de boatos por parte dos inimigos de Davi, Mefibosete fora levado a acalentar forte preconceito contra ele como um usurpador; mas a recepção generosa e cortês conquistou o coração do moço; ele se afeiçoou grandemente a Davi, e, como seu pai Jônatas, sentiu que seu interesse era o mesmo do rei que Deus escolhera.
Depois do estabelecimento de Davi no trono de Israel, a nação viveu um longo período de paz. Os povos circunvizinhos, vendo a força e unidade do reino, logo acharam prudente desistir de francas hostilidades; e Davi, ocupado com a organização e levantamento de seu reino, absteve-se de guerra agressiva. Entretanto, fez afinal guerra aos velhos inimigos de Israel, os filisteus, e aos moabitas, e conseguiu vencer a uns e outros, e torná-los tributários.
Formou-se então contra o reino de Davi uma vasta coligação das nações circunjacentes, da qual resultaram as maiores guerras e vitórias de seu reinado, e o maior acréscimo ao seu poderio. Esta aliança hostil, que realmente nasceu da inveja do poder
crescente de Davi, não foi absolutamente provocada por ele. As circunstâncias que determinaram sua formação foram estas:
Foram recebidas em Jerusalém notícias anunciando a morte de Naás, rei dos amonitas, que mostrara bondade para com Davi, quando este fugia da ira de Saul. Agora, desejando exprimir sua grata apreciação pelo favor que lhe fora mostrado em sua situação angustiosa, Davi enviou embaixadores com uma mensagem de simpatia a Hanum, filho e sucessor do rei amonita. "Usarei de beneficência com Hanum, filho de Naás, como seu pai usou de beneficência comigo", disse Davi.
Mas seu ato de cortesia foi mal-interpretado. Os amonitas odiavam o Deus verdadeiro, e eram atrozes inimigos de Israel. A bondade aparente de Naás a Davi fora motivada inteiramente pela hostilidade para com Saul, como rei de Israel. A mensagem de Davi foi mal-interpretada pelos conselheiros de Hanum. Disseram "a seu senhor, Hanum: Porventura honra Davi a teu pai aos teus olhos, por que te enviou consoladores? porventura não te enviou Davi os seus servos para reconhecerem esta cidade, e para espiá-la, e para transtorná-la?" II Sam. 10: 2 e 3. Foi por sugestão a seus conselheiros que Naás, meio século antes, fora levado a formular a cruel condição exigida do povo de Jabes-Gileade, quando, sitiado pelos amonitas, solicitara um concerto de paz. Naás reclamara o privilégio de arrancar de todos o olho direito. Os amonitas ainda se lembravam vividamente de como o rei de Israel transtornara seu cruel desígnio, e livrara o povo que eles teriam humilhado e mutilado. O mesmo ódio a Israel ainda os movia. Não podiam conceber o espírito generoso que havia inspirado a mensagem de Davi. Quando Satanás domina a mente dos homens, ele desperta a inveja e a suspeita que levarão a mal mesmo as melhores intenções.
Dando ouvidos a seus conselheiros, Hanum considerou os mensageiros de Davi como espias, e os cumulou de escárnio e insulto.
Aos amonitas fora permitido executar os seus maus propósitos de coração, sem serem restringidos nisto, a fim de que pudesse revelar-se a Davi o seu verdadeiro caráter. Não era da vontade de Deus que Israel entrasse em aliança com esse traidor povo gentio.
Nos antigos tempos, como hoje, as funções de embaixador eram consideradas sagradas. Pela lei universal das nações asseguravam proteção contra violência ou insulto pessoal. Achando-se o embaixador como representante de seu soberano, qualquer ato indigno que se lhe fizesse exigia imediata desforra. Os amonitas,
sabendo que o insulto dirigido a Israel certamente seria vingado, fizeram preparativos para a guerra. "Vendo pois os filhos de Amom que se tinham feito odiosos para com Davi, então enviou Hanum, e os filhos de Amom, mil talentos de prata, para alugarem para si carros e cavaleiros de Mesopotâmia, e da Síria de Maaca, e de Zobá. E alugaram para si trinta e dois mil carros, ... também os filhos de Amom se ajuntaram das suas cidades, e vieram para a guerra." I Crôn. 19:6 e 7.
Era na verdade uma aliança formidável. Os habitantes da região que ficava entre o Rio Eufrates e o Mar Mediterrâneo tinham-se aliado com os amonitas. O norte e o oriente de Canaã estavam cercados de adversários armados, agrupados a fim de esmagarem o reino de Israel.
Os hebreus não esperaram a invasão de seu território. Suas forças, sob o comando de Joabe, atravessaram o Jordão, e avançaram para a capital amonita. Conduzindo o capitão hebreu o seu exército para o campo, procurava animá-los para o conflito, dizendo: "Esforça-te, e esforcemo-nos pelo nosso povo, e pelas cidades do nosso Deus, e faça o Senhor o que parecer bem aos Seus olhos." I Crôn. 19:13. As forças unidas dos aliados foram vencidas no primeiro encontro. Mas ainda não estavam dispostas a abandonar a competição, e no ano seguinte renovaram a guerra. O rei da Síria juntou suas forças, ameaçando Israel com um imenso exército. Davi, compreendendo o quanto dependia do resultado desta luta, assumiu o comando em pessoa, e pela bênção de Deus infligiu aos aliados uma derrota tão desastrosa que os sírios, desde o Líbano até o Eufrates, não somente abandonaram a guerra, mas tornaram-se tributários de Israel. Contra os amonitas Davi levou a guerra com vigor, até que caíram suas fortalezas, e toda a região ficou sob o domínio de Israel.
Os perigos que tinham ameaçado a nação de destruição completa, mostraram-se, mediante a providência de Deus, ser os próprios meios pelos quais ela se ergueu a uma grandeza sem precedentes. Comemorando seus livramentos notáveis, canta Davi:
"O Senhor vive; e bendito seja o meu rochedo,
E exaltado seja o Deus da minha salvação.
É Deus que me vinga inteiramente, e sujeita os povos debaixo de mim;
O que me livra de meus inimigos;
Sim, Tu me exaltas sobre os que se levantam contra mim,
Tu, me livras do homem violento.
Pelo que, ó Senhor, Te louvarei entre as nações,
E cantarei louvores ao Teu nome.
É Ele que engrandece as vitórias do Seu rei,
E usa de benignidade com o Seu ungido,
Com Davi, e com a sua posteridade para sempre." Sal. 18:46-50.
E em todos os cânticos de Davi, incutia-se no seu povo o pensamento de que Jeová era a sua força e seu libertador:
"Não há rei que se salve com a grandeza de um exército,
Nem o homem valente se livra pela muita força.
O cavalo é vão para a segurança;
Não livra ninguém com a sua grande força." Sal. 33:16 e 17.
"Tu és o meu Rei, ó Deus;
Ordena salvações para Jacó.
Por Ti venceremos os nossos inimigos;
Pelo Teu nome pisaremos os que se levantam contra nós.
Pois eu não confiarei no meu arco,
Nem a minha espada me salvará.
Mas Tu nos salvaste dos nossos inimigos,
E confundiste os que nos aborreciam." Sal. 44:4-7;
"Uns confiam em carros e outros em cavalos,
Mas nós faremos menção do nome do Senhor nosso Deus."
Sal. 20:7.
O reino de Israel havia agora atingido em sua extensão o cumprimento da promessa feita a Abraão, e mais tarde repetida a Moisés: "À tua semente tenho dado esta terra, desde o rio Egito até ao grande rio Eufrates." Gên. 15:18. Israel se tornara uma poderosa nação, respeitada e temida pelos povos circunvizinhos. Em seu reino, o poder de Davi se fizera mui grande. Ele se impunha às afeições e submissão de seu povo, como em todos os tempos poucos soberanos puderam fazer. Havia honrado a Deus, e Deus agora o honrava.
Mas em meio da prosperidade emboscava-se o perigo. No tempo de seu máximo triunfo exterior, Davi se encontrava no máximo perigo, e defrontou sua mais humilhante derrota.