Patriarcas e Profetas

CAPÍTULO 21

José e Seus Irmãos

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Logo no início dos anos produtivos, começaram-se os preparativos para a fome que se aproximava. Sob a administração de José imensos depósitos foram construídos em todos os lugares principais, por toda a terra do Egito, e tomadas amplas disposições para preservar o excedente da colheita que se esperava. A mesma orientação foi continuada durante os sete anos de abundância, até que a quantidade de trigo posta em depósito se achava além de estimativa.

E então começaram a vir os sete anos de escassez, conforme a predição de José. "E havia fome em todas as terras, mas em toda a terra do Egito havia pão. E tendo toda a terra do Egito fome, clamou o povo a Faraó por pão; e Faraó disse a todos os egípcios: Ide a José; o que ele vos disser, fazei. Havendo pois fome sobre toda a terra, abriu José tudo em que havia mantimento, e vendeu aos egípcios." Gên. 41:54-56.

A fome estendeu-se à terra de Canaã, e foi severamente sentida naquela parte do país em que Jacó habitava. Ouvindo falar da provisão abundante feita pelo rei do Egito, dez dos filhos de Jacó viajaram para ali a fim de comprar trigo. À sua chegada foram encaminhados ao agente do rei e juntamente com outros pretendentes vieram apresentar-se perante o governador da terra. E eles "inclinaram-se ante ele com a face na terra". "José, pois, conheceu os seus irmãos; mas eles não o conheceram." Gên. 42:6 e 8. Seu nome hebreu tinha sido mudado por outro, concedido pelo rei; e pouca semelhança havia entre o primeiro-ministro do Egito e o rapaz que haviam vendido aos ismaelitas. Quando José viu os irmãos curvarem-se e fazerem-lhe mesuras, seus sonhos vieram-lhe à mente, e as cenas do passado surgiram vividamente diante dele. Seu olhar penetrante, examinando o grupo, descobriu que Benjamim não estava entre eles. Teria ele também


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caído como vítima da traiçoeira crueldade daqueles homens ferozes? Decidiu-se a saber a verdade. "Vós sois espias", disse ele severamente; "e viestes para ver a nudez da terra." Gên. 42:9.

Eles responderam: "Não, senhor meu; mas teus servos vieram comprar mantimento. Todos nós somos filhos de um varão: somos homens de retidão; os teus servos não são espias." Desejou saber se possuíam o mesmo espírito altivo que tinham quando com eles estava; e bem assim tirar deles alguma informação com relação à sua casa; bem sabia, contudo, quão enganadoras poderiam ser as suas declarações. Repetiu a acusação, e eles replicaram: "Nós, teus servos, somos doze irmãos, filhos de um varão da terra de Canaã; e eis que o mais novo está com nosso pai hoje; mas um já não existe." Gên. 42:10 e 13.

Dizendo-se estar em dúvida quanto à veracidade de sua história, e considerá-los ainda como espias, o governador declarou que os provaria, exigindo deles que ficassem no Egito até que um deles fosse e trouxesse seu irmão mais moço. Se não consentissem nisto, deveriam ser tratados como espias. Mas com tal disposição os filhos de Jacó não poderiam concordar, visto que o tempo exigido para levá-la a efeito faria com que suas famílias sofressem pela falta de alimento; e quem entre eles empreenderia a viagem sozinho, deixando seus irmãos na prisão? Como poderia esse encontrar o pai, em tais circunstâncias? Parecia provável que seriam mortos ou escravizados; e, se Benjamim fosse trazido, poderia ser apenas para participar da sorte deles. Decidiram-se a ficar e sofrer juntos, em vez de trazerem novas tristezas ao pai pela perda do único filho que lhe restava. Em conformidade com isto foram lançados na prisão, onde ficaram três dias.

Durante os anos em que José estivera separado dos irmãos, estes filhos de Jacó se haviam mudado em seu caráter. Invejosos, turbulentos, enganadores, cruéis e vingativos tinham eles sido; mas agora, quando provados pela adversidade, mostraram-se abnegados, leais uns para com os outros, dedicados ao pai, e, sendo eles homens de idade mediana, sujeitos à sua autoridade.

Os três dias na prisão egípcia foram de amargurada tristeza, ao refletirem os irmãos em seus pecados passados. A menos que Benjamim pudesse ser trazido, parecia certa a convicção a respeito deles como espias; e pouca esperança tinham de obter o consentimento de seu pai para a ausência de Benjamim. No terceiro dia, José fez com que os irmãos fossem trazidos perante ele. Não ousava detê-los por mais tempo. Seu pai e as famílias que com


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ele estavam poderiam já estar a sofrer falta de alimento. "Fazei isto, e vivereis", disse ele; "porque eu temo a Deus. Se sois homens de retidão, que fique um de vossos irmãos, preso na casa de vossa prisão; e vós ide, levai trigo para a fome de vossa casa, e trazei-me o vosso irmão mais novo, e serão verificadas as vossas palavras, e não morrereis." Gên. 42:18-20. Esta proposta concordavam em aceitar, exprimindo embora pouca esperança de que seu pai deixasse Benjamim vir com eles. José se comunicara com eles mediante um intérprete, e, não fazendo idéia que o governador os compreendesse, conversavam livremente um com outro em sua presença. Acusavam-se com relação ao tratamento que deram a José: "Na verdade, somos culpados acerca de nosso irmão, pois vimos a angústia de sua alma, quando nos rogava; nós, porém, não ouvimos; por isso vem sobre nós esta angústia." Rúben, que havia formulado o plano de entregar em Dotã, acrescentou: "Não vo-lo dizia eu, dizendo: Não pequeis contra o moço? Mas não ouvistes; e vedes aqui, o seu sangue também é requerido." Gên. 42:21 e 22. José, ouvindo, não pôde dominar suas emoções, e saiu e chorou. À sua volta, ordenou fosse Simeão amarrado perante eles, e de novo entregue à prisão. No tratamento cruel a seu irmão, Simeão fora o instigador e principal ator, e foi por esta razão que a escolha recaiu sobre ele.

Antes de permitir que seus irmãos partissem, José deu ordens para que fossem supridos de trigo, e também que o dinheiro de cada homem fosse colocado secretamente na boca do respectivo saco. Forragem para os animais, durante a viagem para casa, também foi suprida. Em caminho, um do grupo, abrindo o saco ficou surpreendido por encontrar o seu saquitel contendo o dinheiro de prata. Dando a conhecer o fato aos demais, ficaram alarmados e perplexos, e disseram uns aos outros: "Que é isto que Deus nos tem feito?" (Gên. 42:28) - pois que deveriam considerar isso como um bom sinal da parte do Senhor, ou permitira Ele que tal acontecesse para os castigar de seus pecados e mergulhá-los ainda mais na aflição? Reconheciam que Deus vira seus pecados, e que agora os estava castigando.

Jacó estava inquieto, esperando a volta dos filhos, e à sua chegada todo o acampamento reuniu-se ansiosamente em redor deles enquanto relatavam ao pai tudo que havia ocorrido. O espanto e a apreensão enchiam todos os corações. O proceder do governador egípcio parecia implicar algum mau desígnio, e seus temores se confirmaram, quando ao abrirem os respectivos sacos,


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o dinheiro do possuidor foi encontrado em cada um deles. Em sua angústia o idoso pai exclamou: "Tendes-me desfilhado; José já não existe, e Simeão não está aqui; agora levareis a Benjamim. Todas estas coisas vieram sobre mim." Rúben respondeu: "Mata os meus dois filhos, se to não tornar a trazer; dá-mo em minha mão, e to tornarei a trazer." Este arrebatado discurso não aliviou o espírito de Jacó. Sua resposta foi: "Não descerá meu filho convosco; porquanto seu irmão é morto, e só ele ficou. Se lhe sucede algum desastre no caminho por onde fordes, faríeis descer minhas cãs com tristeza à sepultura." Gên. 42:36-38.

Mas a seca continuou, e, com o correr do tempo, o suprimento de trigo que fora trazido do Egito estava quase esgotado. Os filhos de Jacó bem sabiam que seria em vão voltar ao Egito sem Benjamim. Tinham pouca esperança de mudar a resolução de seu pai, e aguardavam o desenlace daquilo em silêncio. Cada vez mais negra se tornava a sombra da fome que se aproximava; no rosto ansioso de todos no acampamento, lia o ancião a necessidade deles; e finalmente disse: "Tornai, comprai-nos um pouco de alimento." Gên. 43:2.

Judá respondeu: "Fortemente nos protestou aquele varão, dizendo: Não vereis a minha face, se o vosso irmão não vier convosco. Se enviares conosco o nosso irmão, desceremos, e te compraremos alimento; mas se não enviares, não desceremos; porquanto aquele varão nos disse: Não vereis a minha face se o vosso irmão não vier convosco." Gên. 43:3-5. Vendo que a resolução de seu pai começava a vacilar, acrescentou: "Envia o mancebo comigo, e levantar-nos-emos, e iremos para que vivamos, e não morramos, nem nós, nem tu, nem os nossos filhos" (Gên. 43:8); e se ofereceu como fiador por seu irmão, e para assumir a culpa para sempre se deixasse de restituir Benjamim a seu pai.

Jacó não mais podia recusar o seu consentimento, e determinou a seus filhos que se preparassem para a viagem. Ordenou-lhes também que levassem ao governador um presente das coisas que o país devastado pela fome, oferecia: "um pouco de bálsamo, e um pouco de mel, especiarias, mirra, terebinto, e amêndoas", bem como uma dobrada porção de dinheiro. "Tomai também a vosso irmão, e levantai-vos", disse ele, "e voltai àquele varão." Quando seus filhos estavam para partir para a sua viagem duvidosa, o idoso pai levantou-se e erguendo as mãos para o Céu, proferiu esta oração: "E Deus todo-poderoso vos dê misericórdia diante do varão, para que deixe vir convosco vosso outro irmão, e Benjamim; e eu, se for desfilhado, desfilhado ficarei." Gên. 43:11, 13 e 14.


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De novo viajaram ao Egito, e apresentaram-se perante José. Caindo seu olhar sobre Benjamim, o filho de sua própria mãe, ficou ele profundamente comovido. Ocultou, entretanto, a sua emoção, mas ordenou que fossem levados para sua casa, e que se fizessem preparativos para comerem com ele. Sendo conduzidos ao palácio do governador, os irmãos estavam grandemente alarmados, receando ser chamados a dar contas do dinheiro encontrado nos sacos. Pensavam que tivesse sido propositalmente colocado ali, para dar motivo de os fazer escravos. Em sua aflição consultaram o mordomo da casa, relatando-lhe as circunstâncias de sua visita ao Egito; e em prova de sua inocência o informaram de que haviam novamente trazido o dinheiro encontrado nos sacos, como também mais dinheiro para comprar alimento; e acrescentaram: "Não sabemos quem tenha posto o nosso dinheiro nos nossos sacos." Gên. 43:22. O homem respondeu: "Paz seja convosco, não temais; o vosso Deus, e o Deus de vosso pai, vos tem dado um tesouro nos vossos sacos; o vosso dinheiro me chegou a mim." Gên. 43:23. Sua ansiedade aliviou-se; e, quando Simeão, que fora liberto da prisão, uniu-se com eles, entenderam que na verdade Deus lhes era gracioso.

Quando o governador de novo os encontrou, apresentaram seus presentes, e humildemente "inclinaram-se a ele até à terra". De novo seus sonhos lhe vieram à mente, e, depois de saudar os seus hóspedes, apressou-se a perguntar: "Vosso pai, o velho de quem falastes, está bem, ainda vive?" "Bem está o teu servo, nosso pai vive ainda", foi a resposta, enquanto de novo se inclinaram. Então seu olhar repousou em Benjamim, e disse: "Este é o vosso irmão mais novo de quem me falastes?" "Deus te abençoe, meu filho"; mas, dominado pelos sentimentos de ternura, nada mais pôde dizer. "Entrou na câmara, e chorou ali." Gên. 43:27-30.

Tendo recuperado o domínio de si, voltou, e todos deram início ao banquete. Pelas leis de castas, aos egípcios era vedado comer com o povo de qualquer outra nação. Os filhos de Jacó tinham portanto uma mesa para si, enquanto o governador, por causa de sua elevada posição, comia só, e os egípcios também tinham mesas separadas. Quando todos estavam sentados, os irmãos ficaram surpresos por ver que estavam dispostos na ordem exata, segundo suas idades. José "apresentou-lhes as porções que estavam diante dele"; mas a de Benjamim foi cinco vezes mais a de qualquer deles. Por este sinal de favor para com Benjamim esperava averiguar se o irmão mais moço era olhado com a inveja e ódio que para com ele foram manifestados. Supondo ainda que


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José não compreendia a sua língua, os irmãos conversavam livremente uns com os outros; assim teve ele boa oportunidade de conhecer seus verdadeiros sentimentos. Desejava ainda prová-los mais, e antes de sua partida ordenou que seu próprio copo de prata fosse escondido no saco do mais moço.

Alegremente partiram para a sua volta. Simeão e Benjamim estavam com eles, seus animais estavam carregados de trigo, e todos entendiam haver escapado em segurança dos perigos que pareciam cercá-los. Todavia, apenas tinham alcançado os arredores da cidade quando foram surpreendidos pelo mordomo do governador, que proferiu a incisiva pergunta: "Por que pagastes mal por bem? Não é este o copo por que bebe meu senhor? e em que ele bem adivinha? Fizestes mal no que fizestes." Gên. 44:4 e 5. Supunha-se possuir aquela taça o poder de descobrir qualquer substância venenosa na mesma colocada. Naquele tempo, taças desta espécie tinham alto valor como salvaguarda contra o assassínio pelo envenenamento.

À acusação do despenseiro responderam os viajantes: "Por que diz meu senhor tais palavras? Longe estejam teus servos de fazerem semelhante coisa. Eis que o dinheiro, que temos achado nas bocas dos nossos sacos, te tornamos a trazer desde a terra de Canaã; como pois furtaríamos da casa de teu senhor prata ou ouro? Aquele dos teus servos em quem for achado, morra; e ainda nós seremos escravos do meu senhor." Gên. 44:7-9.

"Ora seja também conforme as vossas palavras", disse o mordomo; "aquele em quem se achar será meu escravo, porém vós sereis desculpados." Gên. 43:10.

Começou-se imediatamente a pesquisa. "Eles apressaram-se, e cada um pôs em terra o seu saco" (Gên. 44:11), e o mordomo examinou cada um, começando com o de Rúben, e fazendo-o por ordem, até o do mais moço. No saco de Benjamim foi encontrado o copo.

Os irmãos rasgaram as vestes em sinal de completa desgraça, e vagarosamente voltaram à cidade. Em virtude de sua própria promessa, Benjamim estava condenado a uma vida de escravidão. Acompanharam o mordomo até o palácio, e, encontrando ainda ali o governador, prostraram-se diante dele: "Que é isto que fizestes?" disse ele. "Não sabeis vós que tal homem como eu bem adivinha?" Gên. 44:15. José tencionava extorquir-lhes o reconhecimento de seu pecado. Nunca pretendera o poder de adivinhação, mas queria fazê-los crer que podia ler os segredos de suas vidas.


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Judá respondeu: "Que diremos a meu senhor? que falaremos? e como nos justificaremos? Achou Deus a iniqüidade de teus servos; eis que somos escravos de meu senhor, tanto nós como aquele em cuja mão foi achado o copo." Gên. 44:16.

"Longe de mim que eu tal faça", foi a resposta; "o varão em cuja mão o copo foi achado, aquele será meu servo; porém vós subi em paz para vosso pai." Gên. 44:17.

Em sua profunda angústia Judá aproxima-se então do governador, e exclama: "Ai senhor meu, deixa, peço-te, o teu servo dizer uma palavra aos ouvidos de meu senhor, e não se acenda a tua ira contra o teu servo; porque tu és como Faraó." Com palavras de tocante eloqüência descreveu a dor de seu pai pela perda de José, e sua relutância em deixar Benjamim vir com eles ao Egito, visto ser ele o único filho que restava de sua mãe Raquel, a quem Jacó amava tão ternamente. "Agora pois", disse ele, "indo eu a teu servo meu pai, e o moço não indo conosco, como a sua alma está atada com a alma dele, acontecerá que, vendo ele que o moço ali não está, morrerá; e teus servos farão descer as cãs de teu servo, nosso pai, com tristeza, à sepultura. Porque teu servo se deu por fiador por este moço para com meu pai, dizendo: Se não to tornar, eu serei culpado a meu pai todos os dias. Agora, pois, fique teu servo em lugar deste moço por escravo de meu senhor, e que suba o moço com seus irmãos. Por que como subirei eu a meu pai, se o moço não for comigo? para que não veja eu o mal que sobrevirá a meu pai." Gên. 44:18, 30-34.

José estava satisfeito. Vira em seus irmãos os frutos do verdadeiro arrependimento. Ouvindo o nobre oferecimento de Judá, deu ordens para que todos, exceto aqueles homens, se retirassem; então, chorando em voz alta, exclamou: "Eu sou José; vive ainda meu pai?" Gên. 45:3.

Seus irmãos ficaram imóveis, mudos de temor e espanto. Era governador do Egito seu irmão José, aquele irmão a quem invejavam e teriam morto, e que finalmente venderam como escravo! Todos os seus maus-tratos ao mesmo passaram diante deles. Lembraram-se como tinham desprezado seus sonhos, e agido para impedir o seu cumprimento. Haviam contudo desempenhado o seu papel no cumprimento desses sonhos; e, agora que estavam completamente em seu poder, vingar-se-ia ele indubitavelmente do mal que tinha sofrido.

Vendo sua confusão, disse bondosamente: "Peço-vos, chegai-vos a mim"; e, aproximando-se eles, continuou: "Eu sou José,


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vosso irmão, a quem vendestes para o Egito. Agora, pois, não vos entristeçais, nem vos pese aos vossos olhos por me haverdes vendido para cá; porque para conservação da vida, Deus me enviou diante da vossa face." Gên. 45:4 e 5. Entendendo que já haviam sofrido muito pela sua crueldade para com ele, procurou nobremente banir seus temores, e diminuir a amargura da exprobração a si mesmos.

"Porque", continuou ele, "já houve dois anos de fome no meio da terra, e ainda restam cinco anos em que não haverá lavoura nem sega. Pelo que Deus me enviou diante da vossa face, para conservar vossa sucessão na terra, e para guardar-vos em vida por um grande livramento. Assim não fostes vós que me enviastes para cá, senão Deus, que me tem posto por pai de Faraó, e por senhor de toda a sua casa, e como regente em toda a terra do Egito. Apressai-vos, e subi a meu pai, e dizei-lhe: Assim tem dito o teu filho José: Deus me tem posto por senhor em toda a terra do Egito; desce a mim, e não te demores; e habitarás na terra de Gósen, e estarás perto de mim, tu e os teus filhos, e os filhos dos teus filhos, e as tuas ovelhas, e as tuas vacas, e tudo o que tens. E ali te sustentarei, porque ainda haverá cinco anos de fome, para que não pereças de pobreza, tu e tua casa, e tudo o que tens. E eis que vossos olhos vêem, e os olhos de meu irmão Benjamim, que é minha boca que vos fala.

"E lançou-se ao pescoço de Benjamim, seu irmão, e chorou; e Benjamim chorou também ao seu pescoço. E beijou a todos os seus irmãos, e chorou sobre eles; e depois seus irmãos falaram com ele." Gên. 45:6-15. Confessaram humildemente seu pecado, e rogaram perdão. Haviam muito tempo sofrido de ansiedade e remorso, e agora regozijavam-se de que ele ainda estivesse vivo.

A notícia do que tivera lugar rapidamente fora levada ao rei, o qual, ansioso por manifestar sua gratidão para com José, confirmou o convite do governador a sua família, dizendo: "O melhor de toda a terra do Egito será vosso." Gên. 45:20. Os irmãos foram enviados abundantemente supridos de provisões e carros, e de todas as coisas necessárias para a mudança de todas as famílias e subordinados para o Egito. A Benjamim, José concedeu presentes mais valiosos do que aos outros. Então, receando que surgissem entre eles discussões durante a viagem para casa, fez-lhes esta recomendação, ao estarem eles prestes a partir: "Não contendais pelo caminho." Gên. 45:24.

Os filhos de Jacó voltaram a seu pai com estas alegres novas: "José ainda vive, e ele também é regente em toda a terra do Egito."


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A princípio o ancião ficou abismado; não podia crer o que ouvia; mas, quando viu o longo séquito de carros e animais carregados, e Benjamim se achou de novo com ele, convenceu-se e, na plenitude de sua alegria, exclamou: "Basta; ainda vive meu filho José, eu irei, e o verei antes que morra." Gên. 45:26 e 28.

Outro ato de humilhação restava aos dez irmãos. Confessaram agora ao pai o engano e crueldade que durante tantos anos haviam amargurado a sua vida e a deles. Jacó não suspeitara serem capazes de pecado tão vil, mas viu que tudo tinha sido encaminhado para o bem, e perdoou e abençoou seus filhos erradios.

O pai e seus filhos, juntamente com as famílias destes, os seus rebanhos e gado, e numerosos agregados, logo estavam a caminho para o Egito. Com alegria de coração prosseguiram em sua viagem, e, quando chegaram a Berseba, o patriarca ofereceu gratos sacrifícios, e rogou ao Senhor que lhes concedesse a segurança de que com eles iria. Em visão da noite veio-lhe a palavra divina: "Não temas descer ao Egito, porque Eu te farei ali uma grande nação. E descerei contigo ao Egito, e certamente te farei tornar a subir." Gên. 46:3 e 4.

A afirmação - "Não temas descer ao Egito, porque Eu te farei ali uma grande nação" - era significativa. A Abraão fora feita a promessa de uma posteridade inumerável como as estrelas; mas por enquanto o povo escolhido não havia aumentado senão vagarosamente. E agora a terra de Canaã não oferecia campo para o desenvolvimento de uma nação tal como fora predita. Estava na posse de poderosas tribos gentílicas, que não deveriam ser despojadas até "a quarta geração". Gên. 15:16. Se os descendentes de Israel deviam ali tornar-se um povo numeroso, teriam de, ou expulsar os habitantes da terra, ou dispersar-se entre eles. Não podiam fazer de acordo com a primeira alternativa, em conformidade com a disposição divina; e, se eles se misturassem com os cananeus estariam em perigo de serem seduzidos à idolatria. O Egito, contudo, oferecia as necessárias condições para o cumprimento do propósito divino. Uma região do país, bem regada e fértil, foi-lhes aberta ali, proporcionando toda a vantagem para o seu rápido aumento. E a antipatia que deveriam encontrar no Egito, por causa de sua ocupação - pois que todo pastor era "abominação para os egípcios" (Gên. 43:32) - habilitá-los-ia a permanecer como um povo distinto e separado, e serviria assim para os excluir da participação na idolatria do Egito.


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Chegando ao Egito, a multidão encaminhou-se diretamente para a terra de Gósen. Ali chegou José em seu carro oficial, acompanhado de uma comitiva principesca. O esplendor do que o cercava e a dignidade de sua posição foram semelhantemente esquecidos; um pensamento apenas lhe enchia a mente, um anelo fremia seu coração. Vendo ele os viajantes que se aproximavam, o amor cujos anseios por tantos longos anos haviam sido reprimidos, não mais foi dominado. Saltou do carro e apressou-se a dar as boas-vindas ao pai. E "lançou-se ao seu pescoço, e chorou sobre o seu pescoço longo tempo. E Israel disse a José: Morra eu agora, pois já tenho visto o teu rosto, que ainda vives." Gên. 46:30.

José levou cinco de seus irmãos para os apresentar a Faraó, e recebeu dele a concessão da terra para a sua futura morada. A gratidão para com o seu primeiro-ministro teria levado o rei a honrá-los, designando-os para cargos de Estado; José, porém, fiel ao culto a Jeová, procurou salvar seus irmãos das tentações a que estariam expostos em uma corte gentílica; portanto, aconselhou-os a que, quando fossem interrogados pelo rei, lhe contassem francamente sua ocupação. Os filhos de Jacó seguiram este conselho, tendo também o cuidado de declarar que tinham vindo para peregrinar na terra, não para se tornarem habitantes permanentes ali, reservando assim o direito de partirem, se o quisessem. O rei indicou-lhes uma morada, oferecida "no melhor da terra" (Gên. 47:6), o território de Gósen.

Não muito tempo depois de sua chegada, José trouxe também a seu pai para ser apresentado a Faraó. O patriarca era um estranho nas cortes reais; mas entre as cenas sublimes da Natureza tinha tido comunhão com um Rei mais poderoso; e agora, em uma consciente superioridade, levantou as mãos e abençoou a Faraó.

Em sua primeira saudação a José, Jacó falara como estivesse pronto a morrer, depois daquele feliz termo à sua longa ansiedade e tristeza. Mas dezessete anos deveriam ainda ser-lhe concedidos no retiro pacífico de Gósen. Estes anos estiveram em feliz contraste com aqueles que os precederam. Viu em seus filhos provas de verdadeiro arrependimento; viu sua família rodeada de todas as condições necessárias ao desenvolvimento de uma grande nação; e sua fé apegou-se à segura promessa de seu futuro estabelecimento em Canaã. Ele próprio estava cercado de todo o indício de amor e favor que o primeiro-ministro do Egito poderia conferir; e, feliz na companhia de seu filho durante tanto tempo perdido, desceu calma e pacificamente à sepultura.


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Sentindo aproximar-se a morte, mandou chamar José. Atendo-se ainda firmemente à promessa de Deus relativa à posse de Canaã, disse: "Rogo-te que me não enterres no Egito, mas que eu jaza com meus pais; por isso me levarás do Egito, e me sepultarás na sepultura deles." Gên. 47:29 e 30. José prometeu fazê-lo, mas Jacó não estava satisfeito; exigiu um juramento solene para o depor ao lado de seus pais na cova de Macpela.

Outro assunto importante reclamava atenção; os filhos de José deveriam ser com as devidas formalidades incluídos entre os filhos de Israel. José, vindo para a última entrevista com seu pai, trouxe consigo Efraim e Manassés. Estes jovens estavam ligados, por sua mãe, à mais elevada ordem do sacerdócio egípcio; e a posição de seu pai abria-lhes as portas da riqueza e distinção, caso preferissem eles unir-se aos egípcios. Era, entretanto o desejo de José que eles se unissem ao seu próprio povo. Manifestou sua fé na promessa do concerto, renunciando em favor de seus filhos todas as honras que a corte do Egito oferecia, e isto para ter um lugar entre as desprezadas tribos de pastores, às quais foram confiados os oráculos de Deus.

Disse Jacó: "Os teus dois filhos, que te nasceram na terra do Egito, antes que eu viesse a ti no Egito, são meus; Efraim e Manassés serão meus, como Rúben e Simeão." Gên. 48:5. Deviam ser adotados como seus, e tornar-se cabeças de tribos distintas. Assim um dos privilégios da primogenitura, que Rúben havia perdido, recairia em José - uma dupla porção em Israel.

A vista de Jacó estava obscurecida pela idade, e não notara a presença dos moços; agora, porém, percebendo o contorno de suas formas, disse: "Quem são estes?" Sendo-lhe dito quem eram, acrescentou: "Peço-te, traze-mos aqui, para que os abençoe." Aproximando-se eles, o patriarca abraçou-os e beijou-os, pondo-lhes solenemente as mãos sobre a cabeça, para abençoá-los. Proferiu então esta oração: "O Deus, em cuja presença andaram os meus pais Abraão e Isaque, o Deus que me sustentou, desde que eu nasci até este dia; o Anjo que me livrou de todo o mal, abençoe estes rapazes." Gên. 48:8, 9, 15 e 16. Não havia então o espírito de dependência de si mesmo, nem confiança no poder e sagacidade humanos. Deus tinha sido o seu preservador e apoio. Não havia queixa dos maus dias do passado. Suas provações e tristezas não mais eram consideradas como coisas que vieram sobre ele. Gên. 42:36. A


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memória apenas trazia a lembrança da misericórdia e amorável bondade de Deus, que com ele estiveram durante toda a sua peregrinação.

Terminada a bênção, Jacó fez a seu filho esta afirmação (deixando às gerações vindouras, através de longos anos de cativeiro e tristeza, este testemunho de sua fé): "Eis que eu morro, mas Deus será convosco, e vos fará tornar à terra de vossos pais." Gên. 48:21.

Finalmente todos os filhos de Jacó foram reunidos em redor de seu leito de morte. E Jacó chamou os filhos e disse: "ajuntai-vos, e ouvi, filhos de Jacó; e ouvi a Israel vosso pai", "e anunciar-vos-ei o que vos há de acontecer nos derradeiros dias". Gên. 49:2 e 1. Muitas vezes, e com ansiedade, havia pensado no futuro deles, e se esforçara por figurar a si mesmo a história das diferentes tribos. Agora, quando os filhos esperavam receber sua última bênção, o Espírito de inspiração repousou sobre ele; e, em visão profética, desvendou-se-lhe o futuro de seus descendentes. Um após outro, os nomes de seus filhos foram mencionados, descrito o caráter de cada um, e de modo breve predita a futura história da tribo.

"Rúben, tu és meu primogênito,

Minha força, e o princípio de meu vigor,

O mais excelente em alteza, o mais excelente em poder." Gên. 49:3.

Assim o pai descreveu qual teria sido a posição de Rúben como filho primogênito; mas seu grave pecado em Edar fê-lo indigno da bênção da primogenitura. Continuou Jacó:

"Inconstante como a água,

Não serás o mais excelente." Gên. 49:4.

O sacerdócio foi designado a Levi, o reino e a promessa messiânica a Judá, e a dupla porção da herança a José. A tribo de Rúben nunca sobressaiu em Israel; não foi tão numerosa como Judá, José, ou Dã, e achou-se entre as primeiras que foram levadas em cativeiro.

Seguindo-se pela idade a Rúben estavam Simeão e Levi. Eles estiveram unidos em sua crueldade para com os siquemitas, e foram também os mais culpados de ser José vendido. Foi declarado com respeito a eles:

"Eu os dividirei em Jacó,

E os espalharei em Israel." Gên. 49:7.


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No recenseamento de Israel, precisamente antes de sua entrada em Canaã, Simeão era a menor tribo. Moisés em sua última bênção, não fez referência a Simeão. No estabelecimento das tribos em Canaã, teve esta unicamente uma pequena parte do quinhão de Judá, e as famílias que mais tarde se tornaram poderosas formaram diferentes colônias, e estabeleceram-se territórios fora das fronteiras da Terra Santa. Levi também não recebeu herança, a não ser quarenta e oito cidades espalhadas em diferentes partes da terra. No caso desta tribo, entretanto, sua fidelidade a Jeová, quando as outras tribos apostataram, assegurou a designação da mesma ao serviço sagrado do santuário, e assim a maldição se transformou em bênção.

As bênçãos da primogenitura, mais importantes que todas as outras, foram transferidas a Judá. A significação do nome, que denota louvor, desvenda-se na história profética desta tribo:

"Judá, a ti te louvarão os teus irmãos;

A tua mão será sobre o pescoço de teus inimigos;

Os filhos de teu pai a ti se inclinarão.

Judá é um leãozinho,

Da presa subiste, filho meu.

Encurva-se, e deita-se como um leão,

E como um leão velho; quem o despertará?

O cetro não se arredará de Judá,

Nem o legislador dentre seus pés,

Até que venha Siló;

E a Ele se congregarão os povos." Gên. 49:8-10.

O leão, rei das selvas, é um símbolo apropriado desta tribo, da qual veio Davi, e o Filho de Davi, Siló, o verdadeiro "Leão da tribo da Judá", perante quem todos os poderes finalmente se encurvarão, e todas as nações prestarão homenagem.

Para a maior parte de seus filhos Jacó predisse um futuro próspero. Chegou finalmente ao nome de José, e o coração do pai transbordou ao invocar ele bênçãos sobre a cabeça daquele que "foi separado de seus irmãos" (Gên. 49:26):

"José é um ramo frutífero,

Ramo frutífero junto à fonte;

Seus ramos correm sobre o muro.

Os frecheiros lhe deram amargura,

E o frecharam e aborreceram.

O seu arco, porém, susteve-se no forte,

E os braços de suas mãos foram fortalecidos


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Pelas mãos do Valente de Jacó

(Donde é o pastor e a pedra de Israel),

Pelo Deus de teu pai, o qual te ajudará,

E pelo Todo-poderoso, o qual te abençoará

Com bênçãos dos Céus de cima,

Com bênçãos do abismo que está debaixo,

Com bênçãos dos peitos e da madre.

As bênçãos de teu pai excederão

As bênçãos de meus pais,

Até à extremidade dos outeiros eternos;

Elas estarão sobre a cabeça de José,

E sobre o alto da cabeça do que foi separado de seus irmãos." Gên. 49:22-26.

Jacó fora sempre homem de afeição profunda e ardorosa; seu amor para com os filhos era forte e terno, e o testemunho que lhes proferiu à hora da morte, não foi uma declaração de parcialidade ou ressentimento. Ele lhes perdoara a todos, e os amou até o fim. Sua ternura paternal teria encontrado expressão apenas em palavras de animação e esperança; mas o poder de Deus repousou sobre ele, e sob a influência da inspiração foi constrangido a declarar a verdade, ainda que penosa.

Pronunciadas as últimas bênçãos, Jacó repetiu a incumbência relativa ao seu sepultamento: "Eu me congrego ao meu povo; sepultai-me com meus pais, ... na cova que está no campo de Macpela." "Ali sepultaram a Abraão, e a Sara sua mulher; ali sepultaram a Isaque, e a Rebeca sua mulher; e ali eu sepultei a Léia." Gên. 49:29-31. Assim o último ato de sua vida foi manifestar fé na promessa de Deus.

Os últimos anos de Jacó trouxeram uma tarde de tranqüilidade e repouso após um dia cheio de inquietações e cansaço. Acumularam-se nuvens negras por sobre o seu caminho; contudo, claro se pôs o seu sol, e o brilho do céu iluminou suas últimas horas. Dizem as Escrituras: "No tempo da tarde haverá luz." Zac. 14:7. "Nota o homem sincero, e considera o que é reto, porque o futuro desse homem será de paz." Sal. 37:37.

Jacó tinha pecado, e havia sofrido profundamente. Muitos anos de labuta, cuidados e tristeza ele os havia tido desde o dia em que seu grande pecado fê-lo fugir das tendas de seu pai. Como fugitivo sem lar, separado de sua mãe, a quem nunca mais viu, trabalhando sete anos por aquela que amava, apenas para ser vilmente enganado; labutando vinte anos ao serviço de um parente ávido e ganancioso, vendo sua riqueza aumentar, e seus filhos crescerem em redor de si, mas encontrando pouca alegria na casa contenciosa e dividida; angustiado pela desonra de sua filha,


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pela vingança dos irmãos da mesma, pela morte de Raquel, pelo crime desnatural de Rúben, pelo pecado de Judá, pelo engano e malícia cruéis praticados para com José - quão longo e tenebroso é o catálogo de males que se estende à vista! Muitas vezes colheu ele o fruto daquela primeira ação errada. Em freqüentes ocasiões viu repetir-se entre seus filhos os pecados de que ele próprio fora culpado. Mas, amarga como fora a disciplina, cumprira ela a sua obra. O castigo, se bem que atroz, produzira "um fruto pacífico de justiça".

A Inspiração registra fielmente as faltas de homens bons, daqueles que se distinguiram pelo favor de Deus; efetivamente, suas faltas são apresentadas de modo mais completo do que as virtudes. Isto tem sido objeto para a admiração de muitos e tem dado aos incrédulos ocasião para escarnecerem da Bíblia. É, porém, uma das mais fortes provas da verdade das Escrituras, não serem os fatos explicados de maneira que os favoreça, nem suprimidos os pecados de seus principais personagens. A mente dos homens é tão sujeita ao preconceito que não é possível serem as histórias humanas absolutamente imparciais. Houvesse a Bíblia sido escrita por pessoas não inspiradas, e teria sem dúvida apresentado o caráter de seus homens honrados sob uma luz mais lisonjeira. Mas, assim como é, temos um registro exato de suas experiências.

Homens a quem Deus favoreceu, e a quem confiou grandes responsabilidades, foram algumas vezes vencidos pela tentação, e cometeram pecado, mesmo como nós, presentemente, esforçamo-nos, vacilamos, e freqüentemente caímos em erro. Sua vida, com todas as suas faltas e loucuras, estão patentes diante de nós, tanto para a nossa animação como advertência. Se eles fossem representados como estando sem faltas, nós, com a nossa natureza pecaminosa, poderíamos desesperar-nos pelos nossos erros e fracassos. Mas, vendo onde outros lutaram através de desânimos semelhantes aos nossos, onde caíram sob a tentação como o temos feito, e como todavia se reanimaram e venceram pela graça de Deus, animemo-nos em nosso esforço para alcançar a justiça. Como eles, embora algumas vezes repelidos, recuperaram o terreno, e foram abençoados por Deus, assim nós também podemos ser vencedores na força de Jesus. De outro lado, o registro de sua vida pode servir como advertência para nós. Mostra que Deus de nenhuma maneira terá por inocente o culpado. Ele vê o pecado nos seus mais favorecidos, e trata com o mesmo neles mais estritamente até do que naqueles que têm menos luz e responsabilidade.


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Depois do sepultamento de Jacó, o temor encheu novamente o coração dos irmãos de José. Apesar de sua bondade para com eles, uma culpabilidade consciente fê-los desconfiados e suspeitosos. Poderia ser que tão-somente houvesse ele retardado a vingança por consideração a seu pai, e que agora por seu crime trouxesse sobre eles o castigo, por tanto tempo adiado. Não ousaram aparecer diante dele, pessoalmente, mas enviaram uma mensagem: "Teu pai mandou, antes da sua morte, dizendo: assim direis a José: Perdoa, rogo-te, a transgressão de teus irmãos, e o seu pecado, porque te fizeram mal; agora pois rogamos-te que perdoes a transgressão dos servos do Deus do teu pai." Esta mensagem afetou José até as lágrimas, e, animados com isto, seus irmãos vieram e prostraram-se diante dele, com as palavras: "Eis-nos aqui por teus servos." O amor de José por seus irmãos era profundo e abnegado, e ele ficou compungido com o pensamento de que o julgassem capaz de acariciar um espírito de vingança para com eles. "Não temais", disse ele, "porque porventura estou eu no lugar de Deus? Vós bem intentastes mal contra mim, porém Deus o tornou em bem, para fazer como se vê neste dia, para conservar em vida um povo grande; agora pois não temais; eu vos sustentarei a vós e a vossos meninos." Gên. 50:16-21.

A vida de José ilustra a de Cristo. Foi a inveja que moveu os irmãos de José a vendê-lo como escravo; tiveram a esperança de impedir que se tornasse maior do que eles. E, quando foi levado para o Egito, lisonjearam-se de que não mais seriam perturbados com os seus sonhos; de que haviam removido toda a possibilidade de sua realização. Mas sua conduta foi dirigida por Deus a fim de levar a efeito o mesmo acontecimento que tencionavam impedir. Semelhantemente os sacerdotes e anciãos judeus estavam invejosos de Cristo, receando que deles atraísse a atenção do povo. Mataram-nO para impedir que se tornasse rei, mas estiveram desta maneira a efetuar este mesmo resultado.

José, mediante seu cativeiro no Egito, tornou-se um salvador para a família de seu pai; contudo, este fato não diminuiu a culpa de seu irmãos. Semelhantemente, a crucificação de Cristo, pelos Seus inimigos, dEle fez o Redentor da humanidade, o Salvador de uma raça decaída, e Governador do mundo inteiro; mas o crime de Seus assassinos foi precisamente tão hediondo como se a mão providencial de Deus não houvesse dirigido os acontecimentos para Sua glória e o bem do homem.

Assim como José foi vendido aos gentios por seus próprios irmãos, foi Cristo vendido aos piores de Seus inimigos por um


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de Seus discípulos. José foi acusado falsamente e lançado na prisão por causa de sua virtude; assim Cristo foi desprezado e rejeitado porque Sua vida justa, abnegada, era uma repreensão ao pecado; e, se bem que não tivesse a culpa de falta alguma, foi condenado pelo depoimento de testemunhas falsas. E a paciência e humildade de José sob a injustiça e a opressão, seu perdão pronto e a nobre benevolência para com seus irmãos desnaturados, representam o resignado sofrimento do Salvador, pela malícia e maus-tratos de homens ímpios, e Seu perdão não somente aos Seus assassinos, mas a todos que a Ele têm vindo confessando seus pecados e buscando perdão.

José sobreviveu a seu pai cinqüenta e quatro anos. Viveu até ver "os filhos de Efraim, da terceira geração; também os filhos de Maquir, filho de Manassés, nasceram sobre os joelhos de José". Gên. 50:23. Ele testemunhou o aumento e prosperidade de seu povo, e através de todos os anos permaneceu inabalável sua fé de que Deus restauraria a Israel a Terra da Promessa.

Quando viu que seu fim estava perto, convocou os parentes ao redor de si. Conquanto houvesse sido honrado na terra dos Faraós, o Egito para ele não era senão lugar de seu exílio; seu último ato deveria significar que sua sorte fora lançada com Israel. Foram suas últimas palavras: "Deus certamente vos visitará, e vos fará subir desta terra para a terra que jurou a Abraão, a Isaque e a Jacó." E obteve um juramento solene dos filhos de Israel de que levariam seus ossos consigo à terra de Canaã. "E morreu José da idade de cento e dez anos; e o embalsamaram, e o puseram num caixão no Egito." Gên. 50:24 e 26. E por todos os séculos de labutas que se seguiram, aquele ataúde, lembrança das derradeiras palavras de José, testificou a Israel de que apenas eram peregrinos no Egito, e ordenava-lhes conservar fixas as suas esperanças na Terra da Promessa, pois que o tempo do livramento certamente haveria de vir.

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