A alguns quilômetros ao sul de Jerusalém, "a cidade do grande Rei", acha-se Belém, onde nasceu Davi, filho de Jessé, mais de mil anos antes que o menino Jesus tivesse por berço uma manjedoura, e fosse adorado pelos magos do Oriente. Séculos antes do advento do Salvador, Davi, no frescor da meninice, vigiava seus rebanhos enquanto pastavam nas colinas próximas a Belém. O singelo pastorzinho cantava as canções de sua própria composição, e a música de sua harpa lhe fazia um suave acompanhamento à melodia da límpida voz juvenil. O Senhor escolhera a Davi, e o estava preparando, em sua vida solitária com os seus rebanhos, para a obra que era Seu desígnio confiar-lhe nos anos posteriores.
Enquanto Davi estava assim a viver no retiro de sua vida humilde de pastor, o Senhor Deus estava a falar a respeito dele ao profeta Samuel. "Então disse o Senhor a Samuel: Até quando terás dó de Saul, havendo-o Eu o rejeitado, para que não reine sobre Israel? Enche o teu vaso de azeite, e vem, enviar-te-ei a Jessé, o belemita; porque dentre os seus filhos Me tenho provido de um rei. ... Toma uma bezerra das vacas em tuas mãos, e dize: Vim para sacrificar ao Senhor. E convidarás a Jessé ao sacrifício, e Eu te farei saber o que hás de fazer, e ungir-Me-ás a quem Eu te disser. Fez, pois, Samuel o que dissera o Senhor, e veio a Belém; então os anciãos da cidade saíram ao encontro, tremendo, e disseram: De paz é a tua vinda? E ele disse: É de paz." I Sam. 16:5. Os anciãos aceitaram o convite ao sacrifício, e Samuel chamou também Jessé e seus filhos. O altar foi construído, e o sacrifício estava pronto. Toda a casa de Jessé estava presente, com exceção de Davi, o filho mais moço, que ficara a guardar as ovelhas, pois que não era seguro deixar os rebanhos sem proteção.
Quando terminou o sacrifício, e antes de participarem do banquete sacrifical, Samuel começou a sua inspeção profética dos filhos de Jessé, dotados de nobre aparência. Eliabe era o mais velho, e mais se parecia com Saul pela estatura e beleza do que os outros. Suas belas feições, e suas formas primorosamente desenvolvidas, atraíram a atenção do profeta. Ao olhar Samuel para o seu porte principesco, pensou: "Este é na verdade o homem que Deus escolheu para sucessor de Saul", e esperou a sanção divina para que o pudesse ungir. Mas Jeová não olhava para a aparência exterior. Eliabe não temia ao Senhor. Se ele tivesse sido chamado ao trono, teria sido um governante orgulhoso e opressor. A palavra do Senhor a Samuel foi: "Não atentes para a sua aparência, nem para a altura da sua estatura, porque o tenho rejeitado, porque o Senhor não vê como vê o homem, pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o Senhor olha para o coração." Nenhuma beleza exterior pode recomendar a alma a Deus. A sabedoria e a excelência reveladas no caráter e comportamento exprimem a verdadeira beleza do homem; e é o valor íntimo, a excelência do coração o que determina nossa aceitação por parte do Senhor dos exércitos. Quão profundamente devemos sentir esta verdade no juízo a nós mesmos e a outrem! Podemos aprender pelo engano de Samuel quão vã é a apreciação que repousa na beleza do rosto ou no porte nobre da estatura. Podemos ver quão incapaz é a sabedoria do homem para compreender os segredos do coração, ou os conselhos de Deus, sem esclarecimento especial do Céu. Os pensamentos e caminhos de Deus em relação às Suas criaturas estão acima da nossa mente finita; mas podemos estar certos de que Seus filhos serão levados a preencher precisamente o lugar para que estão habilitados, e estarão aptos para cumprir o próprio trabalho confiado às suas mãos, se tão-somente sujeitarem sua vontade a Deus, a fim de que Seus planos beneficentes não sejam frustrados pela perversidade do homem.
Eliabe saiu de sob a inspeção de Samuel, e os seis irmãos que estavam assistindo à cerimônia religiosa vieram a seguir, a ser observados sucessivamente pelo profeta; mas o Senhor não indicou a Sua escolha em favor de qualquer deles. Com uma incerteza dolorosa Samuel tinha olhado para o último dos moços; o profeta estava perplexo e confuso. Perguntou a Jessé: "Acabaram-se os mancebos?" O pai respondeu: "Ainda falta o menor, e eis que apascenta as ovelhas." Samuel determinou que ele fosse chamado, dizendo: "Não nos assentaremos em roda da mesa até que ele venha aqui." I Sam. 16:6, 7 e 11.
O solitário pastor ficou sobressaltado com o inesperado chamado do mensageiro, que anunciou que o profeta viera a Belém e o mandara chamar. Com surpresa perguntou por que o profeta e juiz de Israel desejava falar com ele; mas sem demora obedeceu à chamada. "E era ruivo e formoso de semblante e de boa presença." Ao ver Samuel com prazer o pastorzinho formoso, viril e modesto, a voz do Senhor falou ao profeta, dizendo: "Levanta-te, e unge-o, porque este mesmo é." Davi havia-se mostrado bravo e fiel no humilde ofício de pastor, e agora Deus o escolhera para ser o capitão de Seu povo. "Então Samuel tomou o vaso do azeite, e ungiu-o no meio de [dentre] seus irmãos; e desde aquele dia em diante o Espírito do Senhor Se apoderou de Davi." I Sam. 16:12 e 13. O profeta tinha cumprido o trabalho que lhe havia sido designado, e com coração aliviado voltou a Ramá.
Samuel não tinha dado a conhecer a sua missão, mesmo à família de Jessé, e a cerimônia da unção de Davi fora efetuada secretamente. Foi aquilo uma indicação ao jovem acerca do alto destino que o aguardava, a fim de que, por entre todas as experiências variadas e perigos de seus anos vindouros, tal conhecimento pudesse inspirá-lo a ser fiel ao propósito de Deus que deveria ser cumprido por sua vida.
A grande honra conferida a Davi não teve como resultado ensoberbecê-lo. Apesar do elevado cargo que deveria ocupar, continuou silenciosamente com sua ocupação, contente com esperar o desenvolvimento dos planos do Senhor, no tempo e maneira que Lhe aprouvessem. Tão humilde e modesto como antes de sua unção, o pastorzinho voltou às colinas, e vigiava e guardava seus rebanhos com tanta ternura como sempre. Com nova inspiração, porém, compunha suas melodias, e tocava em sua harpa. Diante dele se estendia uma paisagem de rica e variada beleza. As videiras, com seus cachos, resplandeciam à luz solar. As árvores da floresta, com sua verde folhagem, inclinavam-se com a brisa. Via o Sol inundando os céus de luz, saindo como o noivo de sua câmara, e regozijando-se como um herói a percorrer o seu caminho. Havia os altivos cumes dos montes, dirigindo-se para os céus; a grande distância erguiam-se os áridos penhascos da muralha montanhosa de Moabe; por cima de tudo estendia-se o suave azul da abóbada dos céus. E além estava Deus. Ele não O podia ver, mas Suas obras estavam cheias de Seu louvor. A luz do dia, dourando a floresta e a montanha, prados e ribeiros, elevava a mente a ver o Pai das luzes, o Autor de toda a boa e perfeita dádiva.
Revelações diárias do caráter e majestade de seu Criador enchiam o coração do jovem poeta, de adoração e regozijo. Na contemplação de Deus e Suas obras, as faculdades do espírito e coração de Davi estavam a desenvolver-se e a fortalecer para a obra de sua vida posterior. Ele diariamente vinha a ter uma comunhão mais íntima com Deus. Sua mente estava constantemente a penetrar novas profundidades, à busca de novos assuntos para inspirar seus cânticos e despertar a música de sua harpa. A pujante melodia de sua voz, derramada no ar, ecoava nas colinas como que em resposta ao regozijo do cântico dos anjos no Céu.
Quem pode medir os resultados daqueles anos de labuta e vaguear entre as solitárias colinas? A comunhão com a Natureza e com Deus, o cuidado de seus rebanhos, os perigos e os livramentos, os pesares e as alegrias, coisas que eram próprias à sua humilde condição, não somente deviam modelar o caráter de Davi, e influenciar na sua vida futura, mas também deveriam, mediante os salmos do suave cantor de Israel, e em todas as eras vindouras, acender o amor e a fé nos corações do povo de Deus, levando-os mais perto do coração sempre amante dAquele em quem vivem todas as Suas criaturas.
Davi, na beleza e vigor de sua jovem varonilidade, estava se preparando para assumir uma elevada posição, entre os mais nobres da terra. Seus talentos, como dons preciosos de Deus, eram empregados para exaltar a glória do Doador divino. Suas oportunidades para a contemplação e meditação serviam para enriquecê-lo daquela sabedoria e piedade, que o tornavam amado de Deus e dos anjos. Contemplando ele as perfeições de seu Criador, mais claras concepções de Deus desvendavam-se perante sua alma. Eram iluminados assuntos obscuros, dificuldades eram explanadas, harmonizadas perplexidades, e cada raio de nova luz provocava novas expansões de transportes, e mais suaves antífonas de devoção, para a glória de Deus e do Redentor. O amor que o movia, as tristezas que o assediavam, os triunfos que o acompanhavam, tudo eram assuntos para o seu ativo pensamento; e, ao ver o amor de Deus em todas as providências de sua vida, seu coração palpitava com mais fervorosa adoração e gratidão, sua voz soava com mais magnificente melodia, sua harpa era dedilhada com alegria mais exultante; e o moço pastor ia de força em força, de conhecimento em conhecimento; pois o Espírito do Senhor estava sobre ele.