Atravessando o Jordão, "chegou Jacó salvo à cidade de Siquém, que está na terra de Canaã". Gên. 33:18. Assim, a oração do patriarca em Betel, para que Deus o trouxesse novamente em paz à sua terra, fora deferida. Durante algum tempo ele habitou no vale de Siquém. Foi aqui que Abraão, mais de cem anos antes, fizera seu primeiro acampamento, e construíra seu primeiro altar, na terra da promessa. Ali Jacó "comprou uma parte do campo em que estendera a sua tenda, da mão dos filhos de Hamor, pai de Siquém, por cem peças de dinheiro. E levantou ali um altar, e chamou-o Deus, o Deus de Israel". Gên. 33:19 e 20. Como Abraão, Jacó erguera ao lado de sua tenda um altar ao Senhor, convocando os membros de sua casa para o sacrifício da manhã e da tarde. Foi ali também que ele cavou o poço, ao qual, dezessete séculos mais tarde, veio o Filho de Jacó, o Salvador, e ao lado do qual, descansando durante o calor do dia, falou aos Seus ouvintes maravilhados daquela "fonte d"água que salte para a vida eterna". João 4:14.
A permanência de Jacó e seus filhos em Siquém terminou em violência e mortandade. A única filha da casa fora levada ao opróbrio e tristeza; dois irmãos ficaram envolvidos no crime de assassínio; uma cidade inteira fora entregue à ruína e morticínio, em represália da ação ilegal de um jovem temerário. O princípio que determinara resultados tão terríveis foi o ato da filha de Jacó, a qual "saiu" a "ver as filhas da terra" (Gên. 34), arriscando-se desta maneira à camaradagem com os ímpios. Aquele que procura prazeres entre os que não temem a Deus, está a colocar-se no terreno de Satanás, e a convidar suas tentações.
A crueldade traiçoeira de Simeão e Levi não foi sem provocação; contudo, em sua conduta para com os siquemitas cometeram um grave pecado. Haviam cuidadosamente ocultado a Jacó suas intenções, e a notícia de sua vingança encheu-o de horror.
Com o coração magoado pelo engano e violência de seus filhos, ele apenas disse: "Tendes-me turbado, fazendo-me cheirar mal entre os moradores desta terra, ... sendo eu pouco povo em número; ajuntar-se-ão, e ficarei destruído, eu e minha casa." Mas a dor e a aversão com que ele olhou para o seu ato sanguinolento, são reveladas pelas palavras com que, quase cinqüenta anos mais tarde, ele se referiu àquele ato, enquanto jazia em seu leito de morte, no Egito: "Simeão e Levi são irmãos; as suas espadas são instrumentos de violência. No seu secreto conselho não entre minha alma, com a sua congregação minha glória não se ajunte. ... Maldito seja o seu furor, pois era forte, e a sua ira, pois era dura." Gên. 49:5-7.
Jacó entendeu que havia motivo para uma profunda humilhação. Crueldade e falsidade se manifestaram no caráter de seus filhos. Havia deuses falsos no acampamento, e a idolatria tinha até certo ponto ganho terreno mesmo em sua casa. Se o Senhor os tratasse de acordo com seus méritos, não os deixaria à vingança das nações circunvizinhas?
Enquanto Jacó estava assim prostrado com a angústia, o Senhor ordenou-lhe que viajasse para o sul, a Betel. A lembrança deste lugar recordava ao patriarca não somente a sua visão dos anjos, e as misericordiosas promessas de Deus, mas também o voto que ali fizera, de que o Senhor deveria ser o seu Deus. Decidiu que antes de ir a esse lugar sagrado, sua casa deveria estar livre da contaminação da idolatria. Deu, portanto, instruções a todos no acampamento: "Tirai os deuses estranhos, que há no meio de vós, e purificai-vos, e mudai os vossos vestidos. E levantemo-nos, e subamos a Betel; e ali farei um altar ao Deus que me respondeu no dia da minha angústia, e que foi comigo no caminho que tenho andado." Gên. 35:2 e 3.
Com profunda emoção Jacó repetiu a história de sua primeira visita a Betel, quando deixou a tenda de seu pai como um errante solitário, fugindo para salvar a vida, e como o Senhor lhe apareceu na visão noturna. Revendo ele o trato maravilhoso de Deus para consigo, seu próprio coração se enterneceu, seus filhos também foram tocados por um poder que os constrangia; ele lançara mão do meio mais eficaz para os preparar a fim de tomarem parte no culto de Deus quando chegassem a Betel. "Então deram a Jacó todos os deuses estranhos, que tinham em suas mãos, e as arrecadas que estavam em suas orelhas; e Jacó os escondeu debaixo do carvalho que está junto a Siquém." Gên. 35:4.
Deus fizera com que um temor caísse sobre os habitantes da terra, de modo que não fizessem tentativa alguma para vingarem o morticínio de Siquém. Os viajantes chegaram a Betel sem serem molestados. Ali o Senhor apareceu de novo a Jacó, e renovou-lhe a promessa do concerto. "E Jacó pôs uma coluna no lugar onde falara com Ele, uma coluna de pedra." Gên. 35:14.
Em Betel, Jacó veio a chorar a perda de uma pessoa que durante muito tempo fora um membro honrado na família de seu pai - Débora, a ama de Rebeca, que havia acompanhado a sua senhora, da Mesopotâmia à terra de Canaã. A presença dessa mulher idosa fora para Jacó um laço precioso que o ligava à sua vida primitiva, e especialmente à mãe cujo amor para com ele havia sido tão forte e terno. Débora foi sepultada com expressões de tão grande tristeza que o carvalho, sob o qual sua sepultura foi feita, foi chamado "carvalho de pranto". Não deveria passar despercebido que a memória de sua vida de fiel serviço, e do pranto por esta amiga da casa, foi tida por digna de ser preservada na Palavra de Deus.
De Betel havia apenas dois dias de viagem para Hebrom; mas esta viagem trouxe a Jacó uma severa dor pela morte de Raquel. Duas vezes o serviço de sete anos prestara ele por amor a ela, e seu amor tornara leve o trabalho. Quão profundo e constante foi aquele amor, revelou-se quando, muito mais tarde, achando-se Jacó no Egito, no leito, próximo de sua morte, José veio visitar o pai, e o idoso patriarca, lançando um olhar à sua vida passada, disse: "Vindo pois eu de Padã, me morreu Raquel na terra de Canaã, no caminho, quando ainda ficava um pequeno espaço de terra para vir a Efrata; e eu a sepultei ali, no caminho de Efrata." Gên. 48:7. Na história de sua longa e trabalhosa vida, em relação à sua família, unicamente a perda de Raquel foi lembrada.
Antes de sua morte, Raquel deu à luz um segundo filho. Com o último alento deu ela à criança o nome de Benoni, "filho de minha dor". Mas seu pai chamou-o Benjamim, "filho da destra", ou "minha força". Raquel foi sepultada onde morreu, e uma coluna foi erguida no local para perpetuar sua memória.
No caminho para Efrata, outro crime tenebroso manchou a família de Jacó, fazendo com que a Rúben, o filho primogênito, fossem negados os privilégios e honras da primogenitura.
Finalmente Jacó chegou ao fim de sua viagem, "a seu pai Isaque, a Manre, ... (que é Hebrom), onde peregrinaram Abraão e Isaque". Ali ficou ele durante os anos finais da vida de seu pai. A Isaque, enfermo e cego, as bondosas atenções desse filho havia tanto tempo ausente, foram um conforto durante anos de solidão e privação de seus entes queridos.
Jacó e Esaú encontraram-se junto ao leito de morte de seu pai. Uma ocasião o irmão mais velho olhara antecipadamente para este acontecimento como uma oportunidade para vingança; seus sentimentos, porém, haviam-se mudado grandemente desde então. E Jacó, satisfeito com as bênçãos espirituais da primogenitura, resignou ao irmão mais velho a herança da riqueza de seu pai - a única herança que Esaú buscava ou apreciava. Não mais eram separados pela inveja ou ódio; todavia apartaram-se, mudando-se Esaú para o Monte Seir. Deus, que é rico em bênçãos, concedera a Jacó riquezas seculares, em acréscimo ao bem mais elevado que ele procurara. Os bens dos dois irmãos eram muitos "para habitarem juntos; e a terra de suas peregrinações não os podia sustentar por causa do seu gado". Gên. 36:7. Esta separação estava de acordo com o propósito divino relativo a Jacó. Desde que os dois irmãos diferiam tão grandemente com relação à fé religiosa, era melhor que morassem separados.
Esaú e Jacó tinham sido instruídos de modo semelhante no conhecimento de Deus, e ambos estavam em liberdade para andar em Seus mandamentos e receber Seu favor; porém, não preferiram ambos fazer isto. Os dois irmãos tinham andado em caminhos diferentes, e suas veredas continuariam a divergir mais e mais uma da outra.
Não houve uma preferência arbitrária da parte de Deus, pela qual ficassem excluídas de Esaú as bênçãos da salvação. Os dons de Sua graça por Cristo são gratuitos a todos. Não há eleição senão a própria, pela qual alguém possa perecer. Deus estabeleceu em Sua Palavra as condições pelas quais toda a alma será eleita para a vida eterna: obediência aos Seus mandamentos, pela fé em Cristo. Deus elegeu um caráter de acordo com Sua lei, e qualquer que atinja a norma que Ele exige, terá entrada no reino de glória. O próprio Cristo diz: "Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida." João 3:36. "Nem todo o que Me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de Meu Pai, que está nos Céus." Mat. 7:21. E no Apocalipse Ele declara:
"Bem-aventurados aqueles que guardam os Seus mandamentos, para que tenham direito à árvore da vida, e possam entrar na cidade pelas portas." Apoc. 22:14. Quanto ao que respeita à salvação final do homem, esta é a única eleição referida na Palavra de Deus.
Eleita é toda alma que opera a sua própria salvação com temor e tremor. É eleito aquele que cingir a armadura, e combater o bom combate da fé. É eleito quem vigiar e orar, quem examinar as Escrituras, e fugir da tentação. Eleito é aquele que continuamente tiver fé, e que for obediente a toda a palavra que sai da boca de Deus. As providências tomadas para a redenção, são franqueadas a todos; os resultados da redenção serão desfrutados por aqueles que satisfizeram as condições.
Esaú havia desprezado as bênçãos do concerto. Dera mais valor aos bens temporais do que aos espirituais, e recebera o que desejava. Foi pela sua própria e deliberada escolha que se separou do povo de Deus. Jacó escolhera a herança da fé. Esforçara-se por obtê-la pela astúcia, traição e falsidade; Deus, porém, permitira que seu pecado operasse a correção ao mesmo. Todavia, durante toda a amarga experiência de seus últimos anos, Jacó nunca se afastou de seu intuito nem renunciou a sua preferência. Aprendera que, recorrendo à habilidade e astúcia humana, para conseguir a bênção, estivera a guerrear contra Deus. Como homem diferente, saíra Jacó daquela noite de luta ao lado do Jaboque. Desarraigara-se a confiança própria. Dali em diante não mais se viu aquele primitivo artifício. Em lugar da astúcia e engano, sua vida assinalou-se pela simplicidade e verdade. Aprendera a lição de confiança singela no Braço todo-poderoso; e por entre provações e aflição curvava-se em humilde submissão à vontade de Deus. Os elementos inferiores de seu caráter foram consumidos na fornalha de fogo, o verdadeiro ouro foi refinado, até que a fé de Abraão e de Isaque apareceu aclarada em Jacó.
O pecado de Jacó e o séquito de acontecimentos que determinou, não deixaram de exercer influência para o mal, influência esta que revelou seu amargo fruto no caráter e vida de seus filhos. Chegando esses filhos à virilidade, desenvolveram graves defeitos. Os resultados da poligamia foram manifestos na casa. Este terrível mal tende a secar as próprias fontes do amor, e sua influência enfraquece os laços mais sagrados. O ciúme das
várias mães havia amargurado a relação da família; os filhos cresceram contenciosos, e sem a devida sujeição; e a vida do pai obscureceu-se pela ansiedade e dor.
Houve um, entretanto, de caráter grandemente diverso - o filho mais velho de Raquel, José, cuja rara beleza pessoal não parecia senão refletir uma beleza interior do espírito e do coração. Puro, ativo e alegre, o rapaz dava prova também de ardor e firmeza moral. Escutava as instruções do pai, e gostava de obedecer a Deus. As qualidades que depois o distinguiram no Egito - gentileza, fidelidade e veracidade, já eram manifestas em sua vida diária. Morrendo-lhe a mãe, suas afeições prenderam-se mais intimamente ao pai, e o coração de Jacó estava ligado a este filho de sua velhice. Ele "amava a José mais do que a todos os seus filhos". Gên. 37:3.
Mas mesmo esta afeição deveria tornar-se causa de perturbações e tristezas. Jacó imprudentemente manifestou sua preferência por José, e isto provocou a inveja dos outros filhos. Testemunhando José a má conduta dos irmãos, ficava grandemente incomodado; arriscou-se delicadamente a chamar-lhes a atenção, mas isto apenas suscitou ainda mais o seu ódio e indignação. Não podia suportar vê-los a pecar contra Deus, e apresentou esta questão a seu pai, esperando que sua autoridade os pudesse levar a corrigir-se.
Jacó evitou cuidadosamente suscitar a ira deles pela aspereza e severidade. Com profunda emoção exprimiu sua solicitude pelos filhos, e implorou que lhe respeitassem os cabelos brancos, e não trouxessem o opróbrio a seu nome, e, acima de tudo, que não desonrassem a Deus com tal desrespeito a Seus preceitos. Envergonhados de que sua impiedade fosse conhecida, os moços pareceram estar arrependidos, mas tão-somente esconderam seus verdadeiros sentimentos, que se tornaram mais amargos ao serem patenteadas as suas faltas.
O indiscreto presente do pai feito a José, de um manto, ou túnica, de grande preço, tal como a usavam comumente pessoas de distinção, pareceu-lhes outra prova de sua parcialidade, e provocou-lhes a suspeita de que ele tencionava preterir seus filhos mais velhos e conferir a primogenitura ao filho de Raquel. Sua maldade ainda mais aumentou ao contar-lhes um dia o menino um sonho que tivera. "Eis que", disse ele, "estávamos atando molhos no meio do campo, e eis que o meu molho se levantava, e também ficava em pé, e eis que os vossos molhos o rodeavam, e se inclinavam ao meu molho." Gên. 37:7.
"Tu pois deveras reinarás sobre nós? Tu deveras terás domínio sobre nós?" Gên. 37:8. exclamaram seus irmãos com cólera, cheios de inveja.
Logo teve outro sonho, de idêntica significação, que também relatou: "Eis que o Sol, e a Lua, e onze estrelas se inclinavam a mim." Gên. 37:9. Este sonho foi interpretado tão facilmente como o primeiro. O pai, que estava presente, falou reprovando: "Que sonho é este que sonhaste? Porventura viremos, eu e tua mãe, e teus irmãos, a inclinar-nos perante ti em terra?" Gên. 37:10. Apesar da severidade aparente de suas palavras, Jacó acreditava que o Senhor estava revelando o futuro a José.
Achando-se o rapaz perante os irmãos, brilhando seu belo rosto pelo Espírito de inspiração, não puderam deixar de admirá-lo; porém não optaram pela renúncia de seus maus caminhos, e odiaram a pureza que lhes reprovava os pecados. O mesmo espírito que atuava em Caim, abrasava-se em seus corações.
Os irmãos eram obrigados a mudar-se de um lugar para outro a fim de conseguirem pasto para seus rebanhos, e freqüentemente ficavam ausentes de casa durante meses seguidos. Depois das circunstâncias que se acabam de referir, foram ao lugar que seu pai comprara em Siquém. Passou-se algum tempo, sem que viessem notícias, e o pai começou a temer pela segurança deles, por causa de sua crueldade anterior para com os siquemitas. Mandou, pois, José a encontrá-los, e trazer-lhe notícia como iam. Se Jacó tivesse conhecido o sentimento real de seus filhos para com José, não o teria confiado sozinho a eles; isso, porém, haviam eles cuidadosamente ocultado.
Com o coração alegre José despediu-se de seu pai, não sonhando o idoso varão e nem o jovem, o que aconteceria antes que de novo se encontrassem. Quando, depois de sua longa e solitária viagem, José chegou a Siquém, não encontrou os irmãos e os rebanhos. Indagando a respeito deles, encaminharam-no a Dotã. Já havia viajado mais de setenta e cinco quilômetros, e agora uma distância adicional de vinte e dois achava-se diante dele; foi-se, porém, à pressa, esquecendo seu cansaço com o pensamento de aliviar a ansiedade do pai, e encontrar os irmãos, a quem, apesar de sua maldade, ainda amava.
Seus irmãos viram-no aproximar-se; porém nenhum pensamento da longa viagem que fizera para os encontrar, de seu cansaço e fome, do direito à sua hospitalidade e amor fraternal, abrandou a amargura de seu ódio. A vista da capa, sinal do amor de
seu pai, encheu-os de agitação. "Eis lá vem o sonhador-mor!" (Gên. 37:19) exclamaram zombeteiramente. A inveja e a vingança, durante muito tempo secretamente acalentadas, agora os dominavam. "Matemo-lo", disseram, "e lancemo-lo numa destas covas, e diremos: Uma besta fera o comeu; e veremos que será dos seus sonhos." Gên. 37:20.
Teriam executado seu intento, se não fora Rúben. Ele se negou a participar do assassínio de seu irmão, e propôs que José fosse lançado vivo em uma cova, e ali deixado a perecer, sendo, entretanto, seu intuito secreto, livrá-lo, e devolvê-lo ao pai. Tendo persuadido todos a consentirem neste plano, Rúben deixou o grupo, receando que não pudesse dominar seus sentimentos, e fossem descobertas suas verdadeiras intenções.
José chegou, sem suspeitar do perigo, e alegre de que o objetivo de sua longa pesquisa estivesse cumprido; mas em vez da esperada saudação aterrorizou-se pela ira e olhares vingativos que encontrou. Agarraram-no e tiraram-lhe a capa. Zombarias e ameaças revelavam um propósito mortal. Seus rogos não foram atendidos. Estava inteiramente em poder daqueles homens enfurecidos. Arrastando-o rudemente para uma profunda cova, lançaram-no ali, e, tendo-se certificado de que não havia possibilidade de escapar, deixaram-no para perecer de fome, enquanto "assentaram-se a comer pão". Gên. 37:25.
Alguns deles, porém, não estavam à vontade, não sentiam a satisfação que tinham tido em perspectiva pela sua vingança. Logo foi visto a aproximar-se um grupo de viajantes. Era uma caravana de ismaelitas de além Jordão, a caminho para o Egito, com especiarias e outras mercadorias. Judá propôs então vender seu irmão àqueles mercadores gentios, em vez de o deixar a morrer. Ao mesmo tempo em que ele seria eficazmente posto fora de seu caminho, permaneceriam limpos de seu sangue; "porque", insistiu, "ele é nosso irmão, nossa carne". Gên. 37:27. Com esta proposta todos concordaram, e José foi rapidamente tirado da cova.
Ao ver ele os mercadores, a terrível verdade passou como relâmpago por seu espírito. Tornar-se escravo era uma sorte para se temer mais do que a morte. Na aflição do terror apelou para um e outro de seus irmãos, mas em vão. Alguns foram movidos de dó, mas o medo de caçoada conservou-os em silêncio; todos achavam que haviam então ido longe demais para desistirem. Se José fosse poupado, sem dúvida relataria o feito deles ao pai, que
não deixaria de tomar em consideração a sua crueldade para com o filho predileto. Empedernindo o coração aos seus rogos, entregaram-no às mãos dos mercadores gentios. A caravana prosseguiu, e logo perdeu-se de vista.
Rúben voltou ao fosso, mas José ali não estava. Alarmado e censurando-se a si mesmo, rasgou seus vestidos, e procurou os irmãos, exclamando: "O moço não aparece, e eu aonde irei?" Sabendo da sorte de José, e que agora seria impossível recuperá-lo, Rúben foi induzido a unir-se aos demais, na tentativa de ocultar seu crime. Havendo morto um cabrito, mergulharam a capa de José no sangue, e levaram ao pai, dizendo-lhe que haviam achado no campo, e que receavam fosse de seu irmão. "Conhece agora", disseram, "se esta será ou não a túnica de teu filho." Tinham olhado antecipadamente para esta cena com receio, mas não estavam preparados para a angústia e a dor que foram obrigados a testemunhar. "É a túnica de meu filho", disse Jacó, "uma besta fera o comeu; certamente foi despedaçado José." Em vão seus filhos e filhas tentaram consolá-lo. "Rasgou os seus vestidos, e pôs saco sobre os seus lombos, e lamentou a seu filho muitos dias." O tempo não parecia trazer-lhe alívio ao pesar. "Com choro hei de descer a meu filho até à sepultura", era o seu desesperado clamor. Os moços, aterrorizados com o que tinham feito, e, contudo, temendo as reprovações do pai, ocultavam ainda em seu coração o conhecimento de seu crime, que mesmo para eles parecia muito grande.