Em março de 1840, Guilherme Miller visitou Portland, Maine, e fez uma série de pregações sobre a segunda vinda de Cristo, que produziram grande sensação. A Igreja Cristã da rua Casco, onde foram realizadas, esteve repleta dia e noite. As reuniões não foram acompanhadas de uma agitação tola, mas profunda solenidade se apoderava do espírito dos ouvintes. Não somente na cidade se manifestou grande interesse, pois pessoas do campo afluíam dia após dia, trazendo suas cestas com merenda, e permanecendo desde a manhã até ao final da reunião da noite.
Em companhia de minhas amigas, assisti a essas reuniões. O Sr. Miller apresentou as profecias com uma precisão que convencia o coração. Detinha-se a tratar dos períodos proféticos, e apresentava muitas provas para confirmar a sua opinião. Seus apelos e avisos solenes e poderosos, feitos àqueles que não se achavam preparados, deixavam assustada a multidão.
Reavivamento Espiritual
Efetuaram-se reuniões especiais em que os pecadores podiam ter oportunidade de buscar a seu Salvador e preparar-se para os terríveis acontecimentos que breve ocorreriam. Terror e convicção espalharam-se por toda a cidade. Realizavam-se reuniões de oração, e havia um despertamento geral entre as várias denominações; pois mais ou menos todos sentiam a influência do ensino da próxima vinda de Cristo.
Quando os pecadores foram convidados a ir à frente, para o lugar daqueles que desejavam auxílio cristão especial, centenas atenderam ao apelo. E eu me coloquei entre os que buscavam aquele auxílio. Pensava, porém, que jamais me poderia tornar digna de ser chamada filha de Deus.
Muitas vezes, procurava a paz que há em Cristo, mas não me parecia encontrar o que desejava. Terrível tristeza me oprimia o coração. Não podia lembrar-me de coisa alguma que houvesse feito sem que me entristecesse. Parecia-me, porém, não ser suficientemente boa para entrar no Céu, e desejar isso seria coisa demasiada para mim.
A falta de confiança própria e a convicção de que seria impossível fazer com que alguém compreendesse meus sentimentos, impediam-me de buscar conselho e auxílio de minhas amigas cristãs. Assim, vagueava desnecessariamente em trevas e desespero, enquanto elas, sem conhecer o meu íntimo, ignoravam completamente o meu estado.
Justiça Pela Fé
No verão seguinte, meus pais foram às reuniões da assembléia metodista, em Buxton, Maine, levando-me consigo. Eu estava plenamente resolvida a buscar fervorosamente ao Senhor ali, e alcançar o possível perdão de meus pecados. Sentia de coração grande anelo pela esperança cristã e pela paz que vem com a fé.
Muito me animei ouvindo um sermão sobre as palavras "Irei ter com o rei... e, perecendo, pereço." Est. 4:16. Em suas considerações, o orador referiu-se àqueles que vagavam entre a esperança e o temor, anelando serem salvos de seus pecados e receberem o amor remidor de Cristo, e, no entanto, pela timidez e receio de fracasso, se conservavam em dúvida e escravidão. Aconselhava a tais que se entregassem a Deus, e sem mais demora confiassem em Sua misericórdia. Encontrariam um Salvador compassivo, pronto para lhes apresentar o cetro da misericórdia, assim como Assuero indicou a Ester o sinal de seu favor. Tudo que se exigia do pecador, trêmulo ante a presença de seu Senhor, era que estendesse a mão da fé
e tocasse o cetro de Sua graça. Aquele toque asseguraria perdão e paz.
Aqueles que esperavam tornar-se mais dignos do favor divino antes de se arriscarem a alcançar as promessas de Deus, estavam cometendo um erro fatal. Somente Jesus purifica do pecado; apenas Ele pode perdoar nossas transgressões. Ele assumiu o compromisso de ouvir as petições e deferir as orações dos que pela fé a Ele recorrem. Muitos têm uma idéia vaga de que devem fazer algum esforço extraordinário a fim de alcançar o favor de Deus. Toda confiança própria, porém, é vã. É unicamente ligando-se a Jesus pela fé, que o pecador se torna filho de Deus, cheio de esperança e crença.
Essas palavras me consolaram, e deram-me uma visão do que devia fazer para ser salva.
Passei então a ver mais claramente meu caminho, e as trevas começaram a dissipar-se. Ardorosamente busquei o perdão de meus pecados, e esforcei-me para entregar-me inteiramente ao Senhor. Meu espírito, porém, debatia-se muitas vezes em grande angústia, pois eu não experimentava o êxtase espiritual que considerava deveria ser a prova de minha aceitação da parte de Deus, e não ousava crer que, sem isso, estivesse convertida. Quanto necessitava eu de instrução no tocante à simplicidade da fé!
Remoção do Fardo
Enquanto permanecia curvada junto ao altar da oração em companhia de outros que buscavam ao Senhor, toda a linguagem do meu coração era: "Auxilia-me, Jesus; salva-me, eu pereço! Não cessarei de rogar enquanto minha oração não for ouvida e perdoados os meus pecados." Como nunca antes, sentia minha condição necessitada e desamparada.
Enquanto me achava de joelhos em oração, meu fardo deixou-me, e meu coração se aliviou. A princípio me sobreveio um sentimento de susto e procurei retomar o meu fardo de
angústias. julgava não ter o direito de sentir-me alegre e feliz. Mas Jesus parecia estar perto de mim; sentia-me capaz de achegar-me a Ele com todos os meus pesares, infelicidades e provações, assim como o faziam os necessitados em busca de consolo, quando Ele esteve na Terra. Eu tinha no coração a certeza de que Ele compreendia minhas provações e comigo simpatizava. Nunca poderei esquecer essa segurança preciosa da compassiva ternura de Jesus para com alguém tão indigno de Sua atenção. Naquele curto período de tempo em que fiquei prostrada entre os que oravam, aprendi mais do que nunca acerca do caráter divino de Cristo.
Uma das mães em Israel aproximou-se de mim e disse: "Querida filha, achaste a Jesus?" Eu estava para responder "Sim", quando ela exclamou: "Verdadeiramente O achaste; Sua paz está contigo, eu a vejo em teu semblante!"
Repetidas vezes, disse comigo mesma: "Pode isso ser religião? Não estarei enganada?" Parecia-me demasiado pretender um privilégio excessivamente exaltado. Se bem que tímida demais para confessá-lo abertamente, eu sentia que o Salvador me abençoara e perdoara meus pecados.
"Em Novidade de Vida"
Logo depois, encerrou-se a assembléia, e partimos para casa. Eu tinha a mente repleta dos sermões, exortações e orações que ouvíramos. Tudo na Natureza parecia mudado. Durante as reuniões, nuvens e chuva haviam prevalecido na maior parte do tempo, e meus sentimentos estavam em harmonia com o tempo. Agora, o Sol resplandecia brilhante e luminoso, e inundava a Terra de luz e calor. As árvores e a relva eram de um verde mais vivo; o céu, de um azul mais profundo. A Terra parecia sorrir com a paz de Deus. Igualmente, os raios do Sol da Justiça haviam penetrado as nuvens e trevas do meu espírito, afugentando a tristeza.
Parecia-me que cada qual deveria estar em paz com Deus, e animado de Seu Espírito. Todas as coisas sobre as quais meu olhar repousava, parecia terem passado por uma mudança. As árvores eram mais bonitas, e os pássaros cantavam com mais suavidade do que nunca; pareciam estar louvando o Criador.
Minha vida aparecia-me sob uma luz diferente. A aflição que me obscurecera a infância, eu diria ter intervindo misericordiosamente em meu favor, para minha felicidade, desviando-me o coração do mundo e de seus prazeres, que não satisfazem, e inclinando-o para as atrações duradouras do Céu.
Logo depois de nossa volta da assembléia, eu, juntamente com vários outros, fiz profissão de fé na igreja. Preocupava-me bastante o assunto do batismo. Jovem como era, não podia ver senão uma única maneira de batismo autorizada nas Escrituras, e essa era a imersão. Algumas de minhas irmãs metodistas procuraram em vão convencer-me de que a aspersão era batismo bíblico.
Finalmente, foi marcado o tempo em que receberíamos essa solene ordenança. Foi num dia ventoso que nós, em número de doze, fomos ao mar para sermos batizados. As ondas encapelavam-se e batiam contra a praia; mas, em havendo eu tomado essa pesada cruz, minha paz era semelhante a um rio. Quando saí da água, sentia-me quase sem forças, pois o poder do Senhor repousava sobre mim. Senti que dali em diante não era deste mundo, mas surgia daquele como que túmulo líquido, para uma novidade de vida.
No mesmo dia à tarde, fui recebida na igreja com todas as prerrogativas de membro.