Mais Uma Vez à Beira-Mar
Jesus indicara aos discípulos um encontro na Galiléia; e logo depois da semana da Páscoa, para ali dirigiram os passos. Sua ausência de Jerusalém durante a festa, seria interpretada como desafeto e heresia, de modo que ficaram até o fim; acabada que foi, porém, voltaram-se alegremente para sua terra, ao encontro do Salvador, segundo as instruções dEle recebidas.
Sete dos discípulos iam em grupo. Trajavam as humildes vestes de pescador; eram pobres em bens do mundo, mas ricos no conhecimento e observância da verdade, o que à vista do Céu, os colocava na mais alta posição como mestres. Não haviam estudado nas escolas dos profetas, mas por três anos foram instruídos pelo maior educador que o mundo já conheceu. Sob Suas instruções se tornaram elevados, inteligentes, enobrecidos, instrumentos mediante os quais os homens poderiam ser conduzidos ao conhecimento da verdade.
Grande parte do tempo do ministério de Cristo, fora passado próximo ao Mar da Galiléia. Ao se reunirem os discípulos num lugar onde parecia que não haviam de ser perturbados, acharam-se rodeados de recordações de Jesus e de Suas poderosas obras. Nesse mar, quando o coração deles estava cheio de terror, e a terrível tempestade os precipitava para a destruição, caminhara Jesus por cima das ondas, a fim de os livrar. Ali fora a tempestade acalmada à Sua voz. Ao alcance da vista estava a praia em que mais de dez mil pessoas foram alimentadas com alguns pães e uns peixinhos. Não muito distante estava Cafarnaum, testemunha de tantos milagres. E ao espraiarem os discípulos o olhar por
todo esse cenário, enchia-se-lhes a mente de palavras e atos do Salvador.
A tarde estava agradável, e Pedro, que ainda sentia muito de seu antigo amor por barcos e pesca, propôs que se fizessem ao mar e atirassem as redes. Todos se prontificaram a seguir-lhe o exemplo; estavam necessitados de alimento e de roupa, o que seria suprido com o resultado de uma bem-sucedida noite de pesca. Assim se afastaram nos botes, mas nada apanharam. Toda a noite labutaram, mas sem resultado. Durante fatigantes horas, falaram sobre o Senhor ausente e relembraram os admiráveis acontecimentos que presenciaram em Seu ministério à beira-mar. Interrogaram-se quanto ao próprio futuro, e se entristeceram ante as perspectivas.
Todo esse tempo, um solitário Observador, na praia, os acompanhava com a vista, ao passo que Ele próprio Se achava invisível. Por fim raiou a manhã. O barco estava apenas a pouca distância da terra, e os discípulos viram de pé na praia um Estranho que os abordou com a pergunta: "Filhos, tendes alguma coisa de comer?" Quando responderam: "Não", "Ele lhes disse: Lançai a rede para a banda direita do barco, e achareis. Lançaram-na, pois, e já não a podiam tirar, pela multidão dos peixes." João 21:5 e 6.
João reconheceu o Estranho e exclamou para Pedro: "É o Senhor." Pedro ficou tão arrebatado, tão alegre, que em sua ansiedade se lançou à água e dentro em pouco se encontrou ao lado do Mestre. Os outros discípulos vieram no bote, puxando a rede com os peixes. "Logo que desceram para terra, viram ali brasas, e um peixe posto em cima, e pão." João 21:9.
Estavam demasiado surpresos para perguntar de onde viera o fogo e a comida. "Disse-lhes Jesus: Trazei dos peixes que agora apanhastes." João 21:10. Pedro correu para a rede que ele lançara, e ajudou os irmãos a arrastá-la para a praia. Depois de tudo pronto, Jesus convidou os discípulos para comer. Partiu o alimento e o dividiu entre eles, sendo conhecido e reconhecido por todos os sete. O milagre feito na encosta da montanha, para alimentar os cinco mil, acudiu-lhes à memória; mas estavam tomados de misterioso respeito e, em silêncio, contemplavam o Salvador ressuscitado.
Recordavam vivamente a cena junto ao mar, quando Jesus lhes ordenara que O seguissem. Lembraram-se de como, ao Seu mando, se haviam feito ao mar alto e lançado a rede, e a pesca fora tão abundante que a enchera a ponto de romper-se. Então Jesus os convidara a deixar os barcos de pesca e lhes prometera torná-los pescadores de homens. Fora para trazer-lhes esta cena à lembrança
aprofundar-lhes a impressão, que Ele tornara a realizar o milagre. Seu ato era uma renovação da comissão confiada aos discípulos. Isso lhes mostrava que a morte de seu Mestre não lhes diminuíra a obrigação para com a obra que lhes designara. Embora houvessem de ser privados de Sua companhia em pessoa, e dos meios de subsistência providos por sua antiga ocupação, o Salvador ressuscitado cuidaria deles ainda. Enquanto estivessem fazendo Sua obra, Ele providenciaria quanto às suas necessidades. E Jesus tinha um desígnio em ordenar-lhes que deitassem a rede do lado direito do barco. Daquele lado estava Ele, na praia. Era o lado da fé. Se trabalhassem em ligação com Jesus - combinando-se Seu divino poder com o esforço humano deles - não deixariam de ter êxito.
Outra lição tinha Cristo a ensinar, a qual dizia respeito especialmente a Pedro. A negação do Senhor por parte do mesmo era um vergonhoso contraste com sua anterior profissão de lealdade. Ele desonrara a Cristo e incorrera na desconfiança dos irmãos. Estes pensavam que Pedro não teria permissão de ocupar sua posição anterior entre eles, e ele próprio sentia haver perdido o direito ao depósito que lhe fora confiado. Antes de ser chamado a retomar sua obra apostólica, devia dar, perante todos eles, testemunho de seu arrependimento. Sem isso, seu pecado, embora dele se houvesse arrependido, poderia destruir-lhe a influência como ministro de Cristo. O Salvador deu-lhe oportunidade de reconquistar a confiança dos irmãos e, tanto quanto possível, afastar a mancha que trouxera sobre o evangelho.
Aí se dá uma lição a todos os seguidores de Cristo. O evangelho não transige com o mal. Não pode desculpar o pecado. Os pecados secretos devem em segredo ser confessados a Deus; mas o pecado público requer pública confissão. A vergonha do discípulo de Cristo é lançada sobre Cristo. Faz com que Satanás triunfe e tropecem as almas vacilantes. Dando provas de arrependimento, deve o discípulo remover a injúria, tanto quanto esteja ao seu alcance.
Enquanto Cristo e os discípulos comiam juntos à beira-mar, perguntou o Salvador a Pedro, referindo-Se a seus irmãos: "Simão, filho de Jonas, amas-Me mais do que estes?" Pedro declarara: "Ainda que todos se escandalizem em Ti, eu nunca me escandalizarei." Mat. 26:33. Agora, porém, ele se deu mais verdadeira estimação: "Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo", disse. Nenhuma veemente afirmação de que seu amor é maior que o dos irmãos. Não exprime a própria opinião quanto à dedicação que tem. Apela para Aquele que lê todos os motivos do coração, a fim de que julgue sua sinceridade - "Tu sabes que Te amo". E Jesus lhe recomenda: "Apascenta os Meus cordeiros." João 21:15.
De novo aplicou Jesus a prova a Pedro, repetindo as palavras anteriores: "Simão, filho de Jonas, amas-Me?" Desta vez não perguntou a Pedro se O amava mais do que seus irmãos. A segunda resposta foi idêntica à primeira, livre de exageros: "Sim, Senhor; Tu sabes que Te amo." Jesus lhe disse: "Apascenta as Minhas ovelhas." Uma vez mais o Salvador fez a probante pergunta: "Simão, filho de Jonas, amas-Me?" Pedro se entristeceu; julgou que Cristo duvidasse de seu amor. Sabia que seu Senhor tinha motivo para dele desconfiar e, com dor, respondeu: "Senhor, tu sabes tudo; Tu sabes que eu Te amo." Outra vez Jesus lhe disse: "Apascenta as Minhas ovelhas." João 21:16 e 17.
Três vezes negara Pedro abertamente o Senhor, e três vezes tirou Jesus dele a certeza de seu amor e lealdade, insistindo naquela penetrante pergunta, seta aguda ao seu ferido coração. Jesus revelou perante os discípulos reunidos a profundeza do arrependimento de Pedro, e mostrou quão completamente humilhado se achava o discípulo outrora jactancioso.
Pedro era naturalmente ousado e impulsivo, e Satanás se aproveitara dessas características para o derrotar. Mesmo antes da queda de Pedro, Jesus lhe dissera: "Satanás vos pediu para vos cirandar como trigo; mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos." Luc. 22:31 e 32. Chegara então esse tempo, e era evidente a transformação de Pedro. As incisivas, probantes perguntas do Senhor não provocaram réplica ousada, presunçosa; e, em virtude de sua humilhação e arrependimento, Pedro estava mais bem preparado do que nunca para agir como pastor junto ao rebanho.
A primeira obra que Cristo confiara a Pedro, ao restaurá-lo ao ministério, foi apascentar os cordeiros. Era essa uma tarefa em que Pedro pouca experiência tinha. Requeria grande cuidado e ternura, muita paciência e perseverança. Ela o chamava a servir aos mais novos na fé, a ensinar os ignorantes, a abrir-lhes as Escrituras e a educá-los para a utilidade no serviço de Cristo. Até então, Pedro não estava apto para fazer isso, nem mesmo para compreender a importância desse trabalho. Mas esta foi a obra a que Cristo então o chamou. Para isso o preparara sua própria experiência de sofrimento e arrependimento.
Antes de sua queda, Pedro estava sempre falando desavisadamente, levado pelo impulso do momento. Sempre pronto a corrigir os outros, exprimia os próprios pensamentos, antes de ter idéia clara a respeito de si mesmo ou do que ia dizer. O Pedro convertido, porém, era bem diverso. Conservava o antigo fervor, mas a graça de Cristo lhe regulava o zelo. Não mais era
impetuoso, confiante em si mesmo, presumido, mas calmo, dominado e dócil. Podia então alimentar tanto os cordeiros como as ovelhas do rebanho de Cristo.
A maneira de o Salvador proceder para com Pedro encerrava uma lição para ele e para seus irmãos. Ensinava-lhes a tratar o transgressor com paciência, simpatia e amor pleno de perdão. Embora Pedro houvesse negado a seu Senhor, o amor que Ele lhe tinha nunca esmoreceu. Amor assim deve o subpastor sentir pelas ovelhas e cordeiros confiados ao seu cuidado. Lembrando sua própria fraqueza e fracasso, Pedro devia tratar com o rebanho tão ternamente como o fizera Cristo com ele.
A pergunta dirigida a Pedro por Cristo era significativa. Ele mencionou apenas uma condição de discipulado e serviço. "Amas-Me?" disse Ele. É esta a qualificação essencial. Ainda que Pedro possuísse todas as outras, sem o amor de Cristo, não podia ser um fiel pastor do rebanho do Senhor. Conhecimento, liberalidade, eloqüência, gratidão e zelo são todos auxiliares na boa obra; mas sem o amor de Jesus no coração, a obra do ministro cristão é um fracasso.
Jesus caminhava sozinho com Pedro, pois havia alguma coisa que lhe desejava comunicar a ele só. Antes de Sua morte, tinha-lhe dito: "Para onde Eu vou não podes agora seguir-Me, mas depois Me seguirás." A isso replicara Pedro: "Por que não posso seguir-Te agora? Por ti darei a minha vida." João 13:36 e 37. Ao falar assim, mal sabia a que alturas e profundidades o havia Cristo de conduzir. Pedro fracassara ao sobrevir a prova, mas outra vez lhe seria dado ensejo de demonstrar seu amor por Cristo. A fim de que se fortalecesse para a prova suprema de sua fé, o Salvador desvendou-lhe o seu futuro. Disse-lhe que, depois de viver vida de utilidade, quando os anos se fizessem sentir em suas forças, haveria então realmente de seguir a seu Senhor. Jesus disse: "Quando eras mais moço, te cingias a ti mesmo, e andavas por onde querias: mas, quando já fores velho, estenderás as tuas mãos; e outro te cingirá, e te levará para onde tu não queiras. E disse isto significando com que morte havia ele de glorificar a Deus." João 21:18 e 19.
Assim deu Jesus a conhecer a Pedro a própria maneira de sua morte; predisse mesmo o estender de suas mãos sobre a cruz. Outra vez disse ao discípulo: "Segue-Me." Pedro não ficou desanimado pela revelação. Estava pronto a sofrer qualquer espécie de morte por seu Senhor.
Até então Pedro conhecera a Cristo segundo a carne, como muitos O conhecem hoje; mas não mais deveria estar assim
limitado. Não O conhecia como antes, em sua convivência com Ele na humanidade. Amara-O como homem, como mestre enviado pelo Céu; amava-O agora como Deus. Estivera a aprender a lição de que para ele Cristo era tudo em todos. Agora estava preparado para partilhar da missão de seu Senhor, missão de sacrifício. Quando, afinal, o levaram à cruz, foi, por solicitação sua, crucificado de cabeça para baixo. Julgava demasiada honra sofrer pela mesma maneira que seu Mestre.
Para Pedro, as palavras "Segue-Me", foram cheias de ensino. Não somente para sua morte, mas para cada passo de sua vida, era dada essa lição. Até então, Pedro fora inclinado a agir independentemente. Tinha procurado fazer projetos para a obra de Deus, em lugar de esperar para seguir o plano divino. Nada poderia ele lucrar, no entanto, por antecipar-se ao Senhor. Jesus ordenara-lhe: "Segue-Me." Não corras adiante de Mim. Então não terás de enfrentar sozinho as hostes de Satanás. Deixa-Me ir na tua frente, e não serás vencido pelo inimigo.
Enquanto Pedro caminhava ao lado de Jesus, viu que João os seguia. Apoderou-se dele o desejo de conhecer o futuro daquele, e "disse a Jesus: Senhor, e deste que será? Disse-lhe Jesus: Se Eu quero que ele fique até que Eu venha, que te importa a ti? Segue-Me tu". João 21:20 e 22. Pedro devia ter considerado que seu Senhor lhe revelaria tudo quanto lhe fosse melhor conhecer. É dever de cada um seguir a Cristo, sem indevida ansiedade quanto ao trabalho designado a outros. Ao dizer a respeito de João: "Se Eu quero que ele fique até que Eu venha", Cristo não afirmou de maneira alguma que esse discípulo havia de viver até à segunda vinda do Senhor. Afirmou simplesmente Seu supremo poder, e que mesmo que Ele quisesse que tal fosse assim, isso de maneira alguma deveria afetar a obra de Pedro. O futuro tanto de João como de Pedro estava nas mãos de seu Senhor. Obediência em O seguir, eis o dever exigido de cada um.
Quantos hoje em dia são como Pedro! Interessam-se nos negócios dos outros, ficam ansiosos por conhecer-lhes o dever, ao passo que estão em perigo de negligenciar o seu próprio. É nossa obra olhar a Cristo e segui-Lo. Veremos erros na vida dos outros, e defeitos em seu caráter. A humanidade está circundada de fraquezas. Em Cristo, porém, acharemos perfeição. Olhando para Ele seremos transformados.
João viveu até avançada velhice. Testemunhou a destruição de Jerusalém, e a ruína do majestoso templo - símbolo da ruína final do mundo. Até seus derradeiros dias seguiu João bem de perto ao Senhor. A nota predominante de seu testemunho à igreja,
era: "Amados, amemo-nos uns aos outros"; "quem está em caridade está em Deus, e Deus nele." I João 4:7 e 16.
Pedro fora restaurado em seu apostolado, mas a honra e a autoridade que recebera de Cristo não lhe outorgaram supremacia sobre seus irmãos. Isso tornara Jesus claro quando, em resposta à pergunta dele: "E deste que será?" dissera: "Que te importa a ti? Segue-Me tu." João 21:23. Pedro não foi honrado como cabeça da igreja. O favor que Cristo lhe mostrara em perdoar-lhe a apostasia e confiar-lhe o apascentar do rebanho, e a fidelidade do próprio Pedro em seguir a Cristo, granjearam-lhe a confiança dos irmãos. Tinha muita influência na igreja. Mas a lição que Cristo lhe ensinara junto ao Mar da Galiléia, Pedro a manteve consigo no decorrer de toda a vida. Escrevendo sob inspiração do Espírito Santo às igrejas, disse:
"Aos presbíteros que estão entre vós, admoesto eu, que sou também presbítero com eles, e testemunha das aflições de Cristo, e participante da glória que se há de revelar: Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas voluntariamente; nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto; nem como tendo domínio sobre a herança de Deus, mas servindo de exemplo ao rebanho. E, quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa de glória." I Ped. 5:1-4.