Na história do bom samaritano, ilustra Cristo a natureza da verdadeira religião. Mostra que consiste, não em sistemas, credos ou ritos, mas no cumprimento de atos de amor, no proporcionar aos outros o maior bem, na genuína bondade.
Enquanto Cristo ensinava o povo, "eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-O, e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna?" Luc. 10:25. Respiração suspensa, esperou o vasto auditório a resposta. Os sacerdotes e rabis haviam pensado enredar Jesus com essa pergunta do doutor da lei. O Salvador, porém, não entrou em discussão. Fez com que o próprio doutor respondesse a si mesmo. "Que está escrito na lei?" disse Ele. "Como lês?" Luc. 10:26. Os judeus ainda acusavam Jesus de menosprezo para com a lei dada no Sinai; mas Ele fez sentir que a salvação depende da observância dos mandamentos divinos.
Disse o doutor: "Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo." Disse Jesus: "Respondeste bem; faze isso, e viverás." Luc. 10:27 e 28.
O doutor da lei não estava satisfeito com a atitude e as obras dos fariseus. Estivera estudando as Escrituras com o desejo de apreender-lhes a verdadeira significação. Tinha interesse vital no assunto, e, em sinceridade, indagara: "Que farei?" Em sua resposta quanto às reivindicações da lei, passara por sobre toda
a massa de preceitos cerimoniais e rituais. Não lhes atribuiu valor, mas apresentou os dois grandes princípios de que dependem toda a lei e os profetas. O merecer essa resposta o louvor de Cristo, colocou o Salvador em terreno vantajoso para com os rabis. Não O podiam condenar por sancionar o que fora afirmado por um expositor da lei.
"Faze isso, e viverás", disse Jesus. Apresentou a lei como uma unidade divina, e ensinou nessa lição não ser possível guardar um preceito e transgredir outro; pois o mesmo princípio os liga a todos. O destino do homem será determinado por sua obediência a toda a lei. Amor supremo para com Deus e imparcial amor para com os homens, eis os princípios a serem desenvolvidos na vida.
O doutor achou-se um transgressor da lei. Sentiu-se convicto, em face das penetrantes palavras de Cristo. A justiça da lei, que pretendia compreender, não a praticara. Não manifestara amor para com seus semelhantes. Era necessário haver arrependimento; em lugar disso, porém, procurou justificar-se. Em vez de reconhecer a verdade, procurou demonstrar quão difícil de ser cumprido é o mandamento. Esperava assim pôr-se em guarda contra a convicção e justificar-se perante o povo. As palavras do Salvador haviam mostrado a inutilidade de sua pergunta, visto ser ele capaz de a ela responder por si mesmo. Todavia, formulou ainda outra: "Quem é o meu próximo?" Luc. 10:29.
Entre os judeus, essa questão dava lugar a infindáveis disputas. Não tinham dúvidas quanto aos gentios e samaritanos; esses eram estranhos e inimigos. Mas como fazer a distinção entre os de seu próprio povo e as várias classes sociais? A quem deveriam os sacerdotes, os rabis, os anciãos, considerar como seu próximo? Passavam a vida numa série de cerimônias para se purificarem a si mesmos. O contato com a multidão ignorante e descuidada, ensinavam eles, ocasionava contaminação. E o remover esta, exigiria esforço enfadonho. Deveriam considerar os "imundos" seu próximo?
Uma vez mais Se eximiu Jesus à discussão. Não denunciou a hipocrisia dos que O estavam espreitando para O condenar. Mas, mediante uma singela história, apresentou aos ouvintes tal quadro do transbordamento do amor de origem celestial, que tocou os corações e arrancou do doutor da lei a confissão da verdade.
O meio de dissipar as trevas, é admitir a luz. O melhor meio de tratar com o erro, é apresentar a verdade. É a manifestação do amor de Deus, que torna evidente a deformidade e o pecado do coração concentrado em si mesmo.
"Descia um homem de Jerusalém para Jericó", disse Jesus, "e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram, e, espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. E ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo. E de igual modo também um levita, chegando àquele lugar, e vendo-o, passou de largo." Luc. 10:30-32. Isso não era uma cena imaginária, mas uma ocorrência verídica, que se sabia ser tal qual era apresentada. O sacerdote e o levita que tinham passado de largo, encontravam-se entre o grupo que escutava as palavras de Cristo.
Jornadeando de Jerusalém para Jericó, o viajante tinha de passar por um trecho deserto da Judéia. O caminho descia por entre abruptos e pedregosos barrancos, e era infestado de ladrões, sendo freqüentemente cena de violências. Aí foi o viajante atacado, despojado de tudo quanto levava de valor, ferido e machucado, sendo deixado meio-morto à beira do caminho. Enquanto assim jazia, passou o sacerdote por aquele caminho; mas apenas deitou um rápido olhar ao pobre ferido. Apareceu em seguida o levita. Curioso de saber o que acontecera, deteve-se e contemplou a vítima. Sentiu a convicção do que devia fazer; não era, porém, um dever agradável. Desejaria não haver passado por aquele caminho, de modo a não ter visto o ferido. Persuadiu-se a si mesmo de que nada tinha com o caso.
Ambos esses homens ocupavam postos sagrados, e professavam expor as Escrituras. Pertenciam à classe especialmente escolhida para servir de representantes de Deus perante o povo. Deviam "compadecer-se ternamente dos ignorantes e errados" (Heb. 5:2),
para que pudessem levar os homens a compreender o grande amor de Deus para com a humanidade. A obra que haviam sido chamados a fazer, era a mesma que Jesus descrevera como Sua, quando dissera: "O Espírito do Senhor é sobre Mim, pois que Me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-Me a curar os quebrantados de coração e apregoar liberdade aos cativos, a dar vista aos cegos; a pôr em liberdade os oprimidos." Luc. 4:18.
Os anjos de Deus contemplam a aflição de Sua família na Terra, estão preparados para cooperar com os homens em aliviar a opressão e o sofrimento. Em Sua providência, Deus levara o sacerdote e o levita a passarem pelo caminho onde jazia a vítima dos ladrões, a fim de verem a necessidade que tinha de misericórdia e auxílio. Todo o Céu observava, para ver se o coração desses homens seria tocado de piedade pela desgraça humana. O Salvador era Aquele que instruíra os hebreus no deserto; da coluna de nuvem e de fogo, ensinara uma lição bem diversa daquela que o povo ora recebia de seus sacerdotes e mestres. As misericordiosas providências da lei estendiam-se até aos animais inferiores, que não são capazes de exprimir em palavras suas necessidades e sofrimentos. Por intermédio de Moisés foram dadas aos filhos de Israel instruções nesse sentido: "Se encontrares o boi de teu inimigo, ou o seu jumento, desgarrado, sem falta lho reconduzirás. Se vires o asno daquele que te aborrece deitado debaixo da sua carga, deixarás pois de ajudá-lo? Certamente o ajudarás juntamente com ele." Êxo. 23:4 e 5. Mas no homem ferido pelos ladrões apresentou Jesus o caso de um irmão em sofrimento. Quanto mais deveria o coração deles ter-se possuído de piedade por aquele do que por um animal de carga! Fora-lhes dada por meio de Moisés a mensagem de que o Senhor seu Deus, "o Deus grande, poderoso e terrível", "faz justiça ao órfão e à viúva e ama o estrangeiro". Portanto, ordenou: "Pelo que amareis o estrangeiro." Deut. 10:17-19. "Amá-lo-ás como a ti mesmo." Lev. 19:34.
Jó dissera: "O estrangeiro não passava a noite na rua; as minhas portas abria ao viandante." Jó 31:32. E quando os dois anjos, em aparência de homens, foram a Sodoma, Ló inclinou-se por terra e disse: "Eis agora, meus senhores, entrai, peço-vos, em casa de vosso servo, e passai nela a noite." Gên. 19:2. Com todas essas lições estavam os sacerdotes e levitas familiarizados, mas não as introduziram na vida prática. Educados na escola do fanatismo social, haviam-se tornado egoístas, estreitos e exclusivistas. Ao olharem para o homem ferido, não podiam dizer se pertencia a sua nação. Pensaram que talvez fosse samaritano e desviaram-se.
Em sua ação, segundo descrita por Cristo, não viu o doutor da lei coisa alguma contrária ao que lhe fora ensinado quanto às reivindicações da lei. Outra cena, porém, foi então apresentada:
Certo samaritano, indo de viagem, chegou onde se achava a vítima e, ao vê-la, moveu-se de compaixão por ela. Não indagou se o estranho era judeu ou gentio. Fosse ele judeu, bem sabia o samaritano que, invertidas as posições, o homem lhe cuspiria no rosto e passaria desdenhosamente. Mas nem por isso hesitou. Não considerou que ele próprio se achava em perigo de assalto, se se demorasse naquele local. Bastou-lhe o fato de estar ali uma criatura humana em necessidade e sofrimento. Tirou o próprio vestuário, para cobri-lo. O óleo e o vinho, provisão para sua viagem, empregou-os para curar e refrigerar o ferido. Colocou-o em sua cavalgadura, e pôs-se a caminho devagar, a passo brando, de modo que o estranho não fosse sacudido, aumentando-se-lhe assim os sofrimentos. Conduziu-o a uma hospedaria, cuidou dele durante a noite, velando-o carinhosamente. Pela manhã, como o doente houvesse melhorado, o samaritano ousou seguir viagem. Antes de fazê-lo, porém, pô-lo sob os cuidados do hospedeiro, pagou as despesas e deixou um depósito em seu favor; não satisfeito com isso ainda, tomou providências para qualquer necessidade eventual, dizendo ao hospedeiro: "Cuida dele, e tudo o que de mais gastares eu to pagarei quando voltar." Luc. 10:35.
Concluída a história, Jesus fixou o doutor da lei com um olhar que lhe parecia ler a alma, e disse: "Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores?" Luc. 10:36.
O doutor nem ainda então quis tomar nos lábios o nome samaritano, e respondeu: "O que usou de misericórdia para com ele." Jesus disse: "Vai, e faze da mesma maneira." Luc. 10:37.
Assim a pergunta: "Quem é o meu próximo?" ficou para sempre respondida. Cristo mostrou que nosso próximo não quer dizer simplesmente alguém de nossa igreja ou da mesma fé. Não tem que ver com distinção de raça, cor, ou classe. Nosso próximo é todo aquele que necessita de nosso auxílio. Nosso próximo é toda alma que se acha ferida e quebrantada pelo adversário. Nosso próximo é todo aquele que é propriedade de Deus.
Na história do bom samaritano, Jesus ofereceu uma descrição de Si mesmo e de Sua missão. O homem fora enganado, ferido, despojado e arruinado por Satanás, sendo deixado a perecer; o Salvador, porém, teve compaixão de nosso estado de desamparo.
Deixou Sua glória, para vir em nosso socorro. Achou-nos quase a morrer, e tomou-nos ao Seu cuidado. Curou-nos as feridas. Cobriu-nos com Sua veste de justiça. Proveu-nos um seguro abrigo, e tomou, a Sua própria custa, plenas providências em nosso favor. Morreu para nos resgatar. Mostrando Seu próprio exemplo, diz a Seus seguidores: "Isto vos mando: que vos ameis uns aos outros." João 15:17. "Como Eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis." João 13:34.
A pergunta do doutor da lei a Jesus, fora: "Que farei?" E Jesus, reconhecendo o amor para com Deus e os homens como a súmula da justiça, respondera: "Faze isso, e viverás." O samaritano obedecera aos ditames de um coração bondoso e amorável, demonstrando-se assim um observador da lei. Cristo recomendou ao doutor: "Vai, e faze da mesma maneira." Fazer, e não meramente dizer, eis o que se espera dos filhos de Deus. "Aquele que diz que está nEle, também deve andar como Ele andou." I João 2:6.
Essa lição não é menos necessária hoje no mundo, do que ao ser proferida pelos lábios de Jesus. Egoísmo e fria formalidade têm quase extinguido o fogo do amor, dissipando as graças que seriam por assim dizer a fragrância do caráter. Muitos dos que professam Seu nome, deixaram de considerar o fato de que os cristãos têm de representar a Cristo. A menos que haja sacrifício prático em bem de outros, no círculo da família, na vizinhança, na igreja e onde quer que estejamos, não seremos cristãos, seja qual for a nossa profissão.
Cristo ligou Seus interesses aos da humanidade, e pede-nos que nos identifiquemos com Ele em prol da salvação dela. "De graça recebestes", diz Ele, "de graça dai." Mat. 10:8. O pecado é o maior de todos os males, e cumpre-nos apiedar-nos do pecador e ajudá-lo. Muitos há que erram, e sentem sua vergonha e loucura. Estão sedentos de palavras de animação. Pensam em suas faltas e erros a ponto de serem quase arrastados ao desespero. Não devemos negligenciar essas almas. Se somos cristãos, não passaremos de largo, mantendo-nos o mais distante possível daqueles mesmos que mais necessidade têm de nosso auxílio. Ao vermos criaturas humanas em aflição, seja devido a infortúnio, seja por causa de pecado, não digamos nunca: Não tenho nada com isso.
"Vós, que sois espirituais, encaminhai o tal com espírito de mansidão." Gál. 6:1. Fazei, pela fé e pela oração, recuar o poder do inimigo. Proferi palavras de fé e de ânimo, que serão como bálsamo eficaz para os quebrantados e feridos. Muitos, muitos têm desfalecido e perdido o ânimo na luta da vida, quando uma bondosa
palavra de estímulo os haveria revigorado. Nunca devemos passar por uma alma sofredora, sem buscar comunicar-lhe do conforto com que nós mesmos somos por Deus confortados.
Tudo isso não é senão um cumprimento do princípio da lei - o princípio ilustrado na história do bom samaritano, e manifesto na vida de Jesus. Seu caráter revela a verdadeira significação da lei, e mostra o que quer dizer amar a nosso semelhante como a nós mesmos. E quando os filhos de Deus manifestam misericórdia, bondade e amor para com todos os homens, também eles estão dando testemunho do caráter dos estatutos do Céu. Estão testificando que "A lei do Senhor é perfeita, e refrigera a alma". Sal. 19:7. E quem quer que deixar de manifestar esse amor está transgredindo a lei que professa reverenciar. Pois o espírito que manifestamos para com nossos irmãos, declara qual nosso espírito para com Deus. O amor de Deus no coração é a única fonte de amor para com o nosso semelhante. "Se alguém diz: Eu amo a Deus, e aborrece a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?" Amados, "se nos amamos uns aos outros, Deus está em nós, e em nós é perfeita a Sua caridade". I João 4:20 e 12.