II. Profetas do Reino do Norte
Elias o Tesbita
Entre as montanhas de Gileade, ao oriente do Jordão, habitava nos dias de Acabe um homem de fé e oração cujo destemeroso ministério estava destinado a deter a rápida disseminação da apostasia em Israel. Distanciado de qualquer cidade de renome, e não ocupando nenhuma alta posição na vida, Elias o tesbita não obstante entregou-se a sua missão, confiante no propósito de Deus de preparar diante dele o caminho e dar-lhe abundante sucesso. A palavra de fé e poder estava em seus lábios, e toda a sua vida estava devotada à obra da reforma. Sua voz era a de quem clama no deserto para repreender o pecado e fazer refluir a maré do mal. E conquanto viesse ao povo como reprovador do pecado, sua mensagem oferecia o bálsamo de Gileade a toda alma enferma do pecado que desejasse ser curada.
Ao Elias ver Israel aprofundar-se mais e mais na idolatria, sua alma ficou angustiada e despertou-se-lhe a indignação. Deus havia feito grandes coisas por Seu povo. Tinha-o
libertado do cativeiro e lhe dado "as terras das nações, ... para que guardassem os Seus preceitos, e observassem as Suas leis". Sal. 105:44 e 45. Mas os beneficentes desígnios de Jeová haviam sido agora quase esquecidos. A incredulidade estava depressa separando a nação escolhida da Fonte de sua força. Contemplando esta apostasia, do seu retiro na montanha, Elias sentiu-se oprimido pela tristeza. Em angústia de alma ele suplicou a Deus que detivesse em seu ímpio curso, o povo outrora favorecido, visitando-o com juízos, se necessário fosse, a fim de que pudesse ser levado a ver em sua verdadeira luz seu afastamento do Céu. Ele ansiava por vê-los levados ao arrependimento, antes que fossem tão longe na prática do mal a ponto de provocar o Senhor para que os destruísse completamente.
A oração de Elias foi respondida. Apelos constantemente repetidos, admoestações e advertências tinham falhado em levar Israel ao arrependimento. Havia chegado o tempo em que Deus devia falar-lhes por meio de juízos. Visto que os adoradores de Baal declaravam que os tesouros do céu, o orvalho e a chuva, não vinham de Jeová, mas das forças que regiam a Natureza, e que pela energia criadora do Sol é que a terra era enriquecida e levada a produzir abundantemente, a maldição de Deus devia cair pesadamente sobre a terra corrompida. Às tribos apóstatas de Israel dever-se-ia mostrar a loucura de confiar no poder de Baal por bênçãos temporais. Não deveria cair sobre a terra nem chuva nem orvalho, até que voltassem para Deus em arrependimento, e O reconhecessem como a Fonte de toda a bênção.
A Elias fora confiada a missão de levar a Acabe a mensagem de juízo. Ele não pediu para ser o mensageiro
do Senhor; a palavra do Senhor veio a ele. E, cioso da honra da causa de Deus, não hesitou em obedecer à intimação divina, embora a obediência parecesse um convite a imediata destruição às mãos do ímpio rei. O profeta pôs-se a caminho sem detença, e viajou dia e noite até alcançar Samaria. Chegando ao palácio não solicitou ser admitido, nem esperou ser formalmente anunciado. Vestido de roupas rústicas como comumente usavam os profetas da época, passou pelos guardas, aparentemente sem ser notado, e deteve-se um momento diante do rei atônito.
Elias não apresentou escusas por sua abrupta presença. Alguém maior que o rei de Israel tinha-o comissionado para falar; e, erguendo a mão em direção do céu, afirmou solenemente pelo Deus vivo que os juízos do Altíssimo estavam prestes a cair sobre Israel. "Vive o Senhor, Deus de Israel, perante cuja face estou", declarou ele, "que nestes anos nem orvalho nem chuva haverá, senão segundo a minha palavra". I Reis 17:1.
Foi somente pelo exercício de forte fé no infalível poder da palavra de Deus que Elias apresentou sua mensagem. Não possuísse ele implícita confiança nAquele a quem servia, e jamais teria aparecido perante Acabe. Em sua viagem para Samaria, Elias havia passado por correntes sempre a fluírem, montes cobertos de verdura, majestosas florestas que pareciam estar além do alcance da seca. Tudo em que seus olhos repousavam estava coberto de beleza. O profeta podia ter sido levado a duvidar de como poderiam essas fontes que jamais cessaram de fluir tornarem-se secas, ou esses montes e vales serem calcinados pela sequidão. Mas ele não deu lugar à
incredulidade. Cria plenamente que Deus humilharia o apóstata Israel, e que mediante juízos eles seriam levados ao arrependimento. O decreto do Céu tinha sido pronunciado; a palavra de Deus não poderia falhar; e com perigo da própria vida Elias cumpriu destemidamente sua missão. Como um raio que partisse de um céu claro, a mensagem de juízo iminente caiu sobre os ouvidos do ímpio rei; mas antes que Acabe pudesse recobrar-se de seu espanto ou arquitetar uma resposta, Elias desapareceu tão repentinamente como havia chegado, sem esperar testemunhar os efeitos de sua mensagem. E o Senhor foi perante ele,
aplainando o caminho. "Vai-te daqui, e vira-te para o Oriente", foi ordenado ao profeta, "e esconde-te junto ao ribeiro de Querite, que está diante do Jordão. E há de ser que beberás do ribeiro; e Eu tenho ordenado aos corvos que ali te sustentem". I Reis 17:2-4.
O rei procurou diligentemente, mas o profeta não foi achado. A rainha Jezabel, irada com a mensagem que tinha fechado os tesouros do céu, sem perda de tempo confabulou com os sacerdotes de Baal, os quais se lhe uniram em amaldiçoar o profeta e desafiar a ira de Jeová. Não obstante seu desejo de encontrar aquele que havia pronunciado a palavra de calamidade, estava-lhes destinado o desapontamento. Não podiam eles ocultar de outros o conhecimento dos juízos pronunciados em conseqüência da predominante apostasia. A notícia da denúncia que Elias fizera dos pecados de Israel, e sua profecia da punição próxima a vir, espalhou-se rapidamente através da terra. Os temores de alguns foram despertados, mas em geral a mensagem celestial foi recebida com escárnio e ridículo.
As palavras do profeta tiveram cumprimento imediato. Os que a princípio estavam inclinados a escarnecer ao pensamento da calamidade, logo tiveram ocasião para reflexão séria, porque depois de poucos meses a terra, não refrigerada pelo orvalho nem pela chuva, tornou-se ressequida e secou-se a vegetação. Com o tempo, os rios de que nunca se ouvira houvessem secado, começaram a baixar, e os regatos a minguar. No entanto os dirigentes do povo instavam com ele a que confiassem no poder de Baal, e desprezassem como ociosas as palavras do profeta Elias. Os sacerdotes ainda insistiam em que era pelo poder de Baal que as chuvas caíam. Não temais o Deus de Elias, nem tremais
diante de suas palavras, insistiam eles; é Baal quem produz as colheitas em sua estação própria, e provê para o homem e para os animais.
A mensagem de Deus a Acabe deu a Jezabel e seus sacerdotes, bem como a todos os seguidores de Baal e Astarote, a oportunidade de provar o poder de seus deuses, e, se possível, que a palavra de Elias era falsa. Contra as positivas afirmações de centenas de sacerdotes idólatras, a profecia de Elias permaneceu sozinha. Se, não obstante a declaração do profeta, Baal ainda pudesse dar orvalho e chuva, de maneira que as correntes continuassem a fluir e a vegetação a reflorir, que o rei de Israel então o adorasse, e o povo dissesse que ele era Deus.
Determinados a conservar o povo no engano, os sacerdotes de Baal continuam a oferecer sacrifícios a seus deuses, e a invocá-los noite e dia para que refrigerassem a terra. Mediante custosas oferendas os sacerdotes procuram acalmar a ira de seus deuses; com zelo e perseverança dignos de melhor causa, demoram-se em torno de seus altares pagãos, e pedem com insistência a chuva. Noite após noite através da terra condenada, erguem-se os seus gritos e rogos. Mas nenhuma nuvem aparece no céu durante o dia para esconder os causticantes raios do Sol. Nem orvalho nem chuva refrigeram a terra sedenta. A palavra de Jeová permanece imutável apesar de tudo quanto os sacerdotes de Baal possam fazer.
Passa-se um ano, e não há chuva. A terra está calcinada como que pelo fogo. O abrasador calor do Sol destrói a pouca vegetação que sobreviveu. Os rios secam, e os rebanhos mugindo e balando vagueiam desesperados de um para outro lugar. Campos outrora florescentes, tornam-se como escaldantes desertos de areia - uma desoladora ruína. Os bosques dedicados ao culto dos ídolos estão desfolhados; as árvores das florestas, descarnados esqueletos
da Natureza, não dão sombra. O ar é seco e sufocante; tempestades de poeira cegam os olhos e quase impedem a respiração. Cidades e vilas outrora prósperas tornaram-se lugares de lamento. Fome e sede atingem homens e animais com terrível mortalidade. A inanição, com todos os seus horrores, aproxima-se cada vez mais.
Mas não obstante essas evidências do poder de Deus, Israel não se arrependeu nem aprendeu a lição que Deus intentava ensinar-lhe. Eles não viram que Aquele que criou a Natureza controla suas leis, e pode fazer delas instrumento de bênção ou de destruição. Presumidos, enamorados
de seu falso culto, não se dispunham a humilhar-se debaixo da potente mão de Deus, e começaram a refletir em busca de alguma outra causa à qual atribuir seus sofrimentos.
Jezabel recusou inteiramente reconhecer a seca como juízo de Jeová. Decidida em sua determinação de desafiar o Deus do Céu, uniu-se com aproximadamente todo o Israel em denunciar Elias como a causa de toda a sua miséria. Não havia ele dado testemunho contra suas formas de culto? Se tão-somente ele fosse afastado do caminho, argumentava ela, a ira de seus deuses se aplacaria, e seus problemas teriam fim.
Instigado pela rainha, Acabe instituiu a mais diligente busca para descobrir o lugar de esconderijo do profeta. Às nações circunvizinhas, de longe e de perto, enviou mensageiros em busca do homem que odiava, mas também temia; e em sua ansiedade por tornar a busca tão completa quanto possível, exigia desses reinos e nações um juramento de que nada sabiam do paradeiro do profeta. Mas a busca fora em vão. O profeta estava a salvo da maldade do rei cujos pecados tinham levado sobre a terra a denúncia de um Deus ofendido.
Fracassando em seus esforços contra Elias, Jezabel determinou vingar-se matando todos os profetas de Jeová em Israel. Nenhum devia ser deixado vivo. A enfurecida mulher executou o seu propósito no massacre de muitos servos de Deus. Nem todos, entretanto, pereceram. Obadias, mordomo da casa de Acabe, mas fiel a Deus, "tomou cem profetas", e com risco da própria vida "de cinqüenta em cinqüenta os escondeu numa cova, e os sustentou com pão e água". I Reis 18:4.
Passou o segundo ano de fome, e os céus inclementes ainda não deram sequer sinal de chuva. A sequidão e a fome continuavam sua devastação através do reino. Pais e mães, impotentes para aliviar os sofrimentos de seus filhos, eram forçados a vê-los morrer. Ainda assim o apóstata Israel recusou humilhar o coração perante Deus, e continuou a murmurar contra o homem por cuja palavra esses terríveis juízos haviam sido trazidos sobre eles. Pareciam incapazes de discernir em seus sofrimentos e angústias um chamado ao arrependimento - uma interposição divina para salvá-los de dar o passo fatal para além dos limites do perdão do Céu.
A apostasia de Israel era um mal mais tremendo que todos os horrores multiplicados da fome. Deus estava procurando libertar o povo de seu engano, e levá-los a compreender sua responsabilidade para com Aquele a quem deviam a vida e todas as coisas. Estava procurando ajudá-los a recobrar sua fé perdida, e era necessário trazer sobre eles grande aflição.
"Desejaria Eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? diz o Senhor Jeová; não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva?" "Lançai de vós todas as vossas transgressões com que transgredistes, e criai em vós um coração novo e um espírito novo; pois por que razão morreríeis, ó casa de Israel? Porque não tomo prazer na morte do que morre, diz o Senhor Jeová; convertei-vos, pois, e vivei". Ezeq. 18:23, 31 e 32. "Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por que razão morrereis, ó casa de Israel?" Ezeq. 33:11.
Deus havia enviado mensageiros a Israel, com apelos para que retornasse a sua fidelidade. Tivessem eles aceito
esses apelos, houvessem retornado de Baal para o Deus vivo, e a mensagem de juízo de Elias jamais teria sido dada. Mas as advertências que deviam ter sido um cheiro de vida para vida, provou-se-lhes um cheiro de morte para morte. Fora ferido seu orgulho; sua ira suscitada contra os mensageiros; e agora devotavam intenso ódio ao profeta Elias. Se ele tão-somente lhes tivesse caído nas mãos, alegremente tê-lo-iam entregue a Jezabel - como se fazendo calar sua voz pudessem impedir o cumprimento de suas palavras! Em face da calamidade, continuaram firmes na idolatria. Estavam assim aumentando a culpa que havia trazido os juízos do Céu sobre a terra.
Para o ferido Israel só havia um remédio - afastarem-se dos pecados que haviam atraído sobre eles a mão punidora do Onipotente, e tornarem-se para o Senhor com inteiro propósito de coração. A eles fora dada a certeza: "Se Eu cerrar os céus, e não houver chuva, ou se ordenar aos gafanhotos que consumam a terra, ou se enviar a peste contra o Meu povo; e se o Meu povo, que se chama pelo Meu nome, se humilhar, e orar, e buscar a Minha face e se converter dos seus maus caminhos, então Eu ouvirei dos Céus, e perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra." II Crôn. 7:13 e 14. Foi para fazer que chegasse a este bendito resultado, que Deus continuou a reter deles o orvalho e a chuva até que tivesse lugar uma decidida reforma.