Vindo o tempo próprio para a navegação, o centurião e seus prisioneiros retomaram a viagem para Roma. Um navio alexandrino, o "Castor e Polux" (Atos 28:11), tinha invernado em Malta, em sua viagem para o oeste, e nele os viajantes embarcaram. Embora um pouco retardada por ventos contrários, a viagem foi a salvo levada a termo, e o navio lançou âncora no belo porto de Potéoli, na costa da Itália.
Neste lugar havia uns poucos cristãos, e eles se empenharam com Paulo para permanecer com eles por sete dias, privilégio este bondosamente concedido pelo centurião. Desde que receberam a epístola de Paulo aos romanos, os cristãos da Itália tinham avidamente desejado uma visita do apóstolo. Não haviam imaginado vê-lo como prisioneiro, mas seus sofrimentos apenas o tornaram mais querido deles. Sendo a distância de Potéoli a Roma de apenas uns 220 quilômetros, e estando o porto marítimo em constante comunicação com a metrópole, os cristãos de Roma foram informados da aproximação de
Paulo, e alguns deles se adiantaram para encontrá-lo e saudá-lo.
No oitavo dia depois de sua chegada, o centurião e seus prisioneiros retomaram o caminho de Roma. Júlio de boa vontade permitiu ao apóstolo cada favor que estava em suas forças conceder, mas não lhe podia mudar a condição de prisioneiro, ou libertá-lo das cadeias que o ligavam ao soldado que o guardava. Foi com o coração opresso que Paulo partiu para sua muito ansiada visita à metrópole do mundo. Quão diversas eram as circunstâncias do que ele imaginara! Como poderia ele, agrilhoado e estigmatizado, proclamar o evangelho? Suas esperanças de conquistar muitas almas para a verdade em Roma, pareciam destinadas ao desapontamento.
Os viajantes chegaram afinal à praça de Ápio, sessenta e quatro quilômetros distante de Roma. Enquanto abrem caminho entre a multidão que transita na grande via, o encanecido ancião, acorrentado com um grupo de criminosos mal-encarados, recebe muitos olhares de zombaria, tornando-se objeto de muito gracejo rude e escarnecedor.
De súbito ouve-se um grito de alegria e um homem se destaca da turba que passa, e lança-se ao pescoço do prisioneiro, abraçando-o e chorando de alegria, como um filho que saudasse o pai por muito tempo ausente. A cena se repete muitas vezes à medida que, com a vista aguçada por expectante amor, muitos reconhecem no preso acorrentado aquele que em Corinto, Filipos e Éfeso, lhes havia pregado as palavras da vida.
Os amantes discípulos ansiosamente afluem ao redor de seu pai no evangelho, obrigando todo o cortejo a
parar. Os soldados impacientam-se com a demora, mas não têm coragem de interromper essa feliz reunião; pois também eles aprenderam a respeitar e estimar seu prisioneiro. Nessa face macerada e batida pela dor, os discípulos vêem refletida a imagem de Cristo. Asseguram a Paulo que nunca o esqueceram nem deixaram de amá-lo; que lhe são devedores pela feliz esperança que lhes anima a vida, e dá-lhes paz para com Deus. Na ardência de seu amor o levariam nos ombros todo o caminho até à cidade, fosse-lhes dado esse privilégio.
Poucos consideram o significado das palavras de Lucas, quando diz que Paulo, vendo seus irmãos "deu graças a Deus e tomou ânimo". Atos 28:15. No meio do simpatizante e lacrimoso grupo de crentes, os quais não se envergonhavam de suas cadeias, o apóstolo louvou a Deus em voz alta. A nuvem de tristeza que estava sobre seu espírito se dissipara. Sua vida cristã tinha sido uma sucessão de sofrimentos, desapontamentos e provações, mas neste momento ele se sentia abundantemente recompensado. Com passos mais firmes e o coração repleto de gozo, ele continuou seu caminho. Não podia queixar-se do passado nem temer o futuro. Cadeias e aflições o esperavam, disto ele sabia; mas sabia também que lhe coubera libertar almas de um cativeiro infinitamente mais terrível, e se rejubilava em seus sofrimentos por amor de Cristo.
Em Roma, o centurião Júlio entregou seus prisioneiros ao comandante da guarda imperial. A boa referência que deu de Paulo, somada à carta de Festo, permitiram ser o apóstolo favoravelmente considerado pelo comandante,
e em vez de ser metido na prisão, foi-lhe permitido viver em sua própria casa alugada. Embora ainda constantemente acorrentado a um soldado, tinha liberdade para receber seus amigos e trabalhar para o avançamento da causa de Cristo.
Muitos dos judeus que haviam sido banidos de Roma alguns anos antes, tiveram permissão para voltar, de maneira que agora ali se encontravam em grande número. A estes, antes de tudo, queria Paulo apresentar os fatos que diziam respeito a si mesmo e a sua obra, antes que seus inimigos tivessem ocasião de os incitar contra ele. Três dias depois de sua chegada a Roma, portanto, reuniu os líderes judeus, e de maneira simples e direta, declarou porque viera a Roma como prisioneiro.
"Varões irmãos", disse ele, "não havendo eu feito nada contra o povo, ou contra os ritos paternos, vim contudo preso desde Jerusalém, entregue nas mãos dos romanos; os quais, havendo-me examinado, queriam soltar-me, por não haver em mim crime algum de morte. Mas, opondo-se os judeus, foi-me forçoso apelar para César, não tendo, contudo, de que acusar a minha nação. Por esta causa vos chamei, para vos ver e falar; porque pela esperança de Israel estou com esta cadeia." Atos 28:17-20.
Ele nada disse dos abusos que havia sofrido às mãos dos judeus, nem das repetidas tramas para assassiná-lo. Suas palavras caracterizaram-se pela prudência e bondade. Ele não estava procurando ganhar atenção pessoal ou simpatia, mas defender a verdade e manter a honra do evangelho.
Em resposta, seus ouvintes afirmaram que não tinham recebido acusação alguma contra ele, por carta pública ou particular, e que nenhum dos judeus que tinham vindo a Roma o acusara de qualquer crime. Expressaram ainda um forte desejo de ouvir as razões de sua fé em Cristo. "Quanto a esta seita", disseram, "notório nos é que em toda a parte se fala contra ela." Atos 28:22.
Uma vez que eles próprios desejavam isto, Paulo ordenou-lhes marcarem um dia, quando lhes apresentaria as verdades do evangelho. No tempo marcado, "muitos foram ter com ele à pousada, aos quais declarava com bom testemunho o reino de Deus, e procurava persuadi-los à fé em Jesus, tanto pela lei de Moisés como pelos profetas, desde pela manhã até à noite". Atos 28:23. Ele relatou-lhes sua própria experiência, e apresentou argumentos das Escrituras do Antigo Testamento com simplicidade, sinceridade e poder.
O apóstolo mostrou que a religião não consiste em ritos e cerimônias, credos e teorias. Se assim fosse, o homem natural poderia entendê-la pela pesquisa, como entende as coisas do mundo. Paulo ensinou que a religião é uma coisa prática, uma energia salvadora, um princípio inteiramente de Deus, uma experiência pessoal do poder renovador de Deus sobre a alma.
Mostrou como Moisés tinha apontado Cristo a Israel como o profeta a quem deviam ouvir; como todos os profetas haviam testificado dEle como o grande remédio de Deus para o pecado, o inocente que devia levar os pecados do culpado. Paulo não censurou sua observância de formas e cerimônias, mas mostrou que enquanto
mantinham o ritual com grande exatidão, estavam rejeitando a Cristo, que era o antítipo de todo aquele sistema.
Paulo declarou que em seu estado inconverso tinha conhecido a Cristo, não por contato pessoal, mas simplesmente pela concepção que, em comum com outros, tinha nutrido concernente ao caráter e obra do Messias por vir. Tinha rejeitado a Jesus de Nazaré, considerando-O um impostor porque Ele não preenchia esta concepção. Mas agora a visão que tinha de Cristo e Sua missão era muito mais espiritual e exaltada; pois tinha sido convertido. O apóstolo afirmou que não lhes apresentava a Cristo segundo a carne. Herodes tinha visto a Cristo nos dias de Sua humanidade; vira-O Anás; Pilatos, os sacerdotes e príncipes tinham-nO visto; viram-nO os soldados romanos. Mas não O haviam visto com os olhos da fé; não O tinham visto como o Redentor glorificado. Apreender a Cristo pela fé, ter dEle um conhecimento espiritual era mais para desejar que um contato pessoal com Ele como apareceu na Terra. A comunhão com Cristo na qual Paulo agora se rejubilava era mais íntima, mais duradoura que um mero e humano companheirismo terrestre.
Ao falar Paulo do que sabia e testificar do que vira, concernente a Jesus de Nazaré como a esperança de Israel, os que honestamente estavam procurando a verdade foram convencidos. Em alguns espíritos, pelo menos, suas palavras fizeram uma impressão que jamais se apagou. Mas outros se recusaram obstinadamente a aceitar o claro testemunho das Escrituras, mesmo quando apresentado a eles por alguém que tinha especial iluminação do Espírito Santo. Eles não podiam refutar seus
argumentos, mas recusaram aceitar suas conclusões.
Muitos meses se passaram depois da chegada de Paulo a Roma, antes que os judeus de Jerusalém aparecessem em pessoa para apresentarem suas acusações contra o prisioneiro. Tinham sido repetidas vezes impedidos em seus desígnios; e agora que Paulo deveria ser julgado perante o mais elevado tribunal do império romano, não tinham desejos de se arriscar a uma outra derrota. Lísias, Félix, Festo e Agripa tinham todos declarado acreditar na sua inocência. Seus inimigos poderiam esperar êxito unicamente procurando pela intriga influenciar o imperador em favor deles. A demora lhes favoreceria o objetivo, visto que lhes proporcionaria tempo para aperfeiçoar e executar seus planos; e assim esperaram algum tempo antes de levarem pessoalmente suas acusações contra o apóstolo.
Na providência de Deus esta demora resultou no avanço do evangelho. Pelo favorecimento daqueles que tinham Paulo sob sua guarda, foi a este permitido morar em uma casa cômoda, onde podia encontrar-se livremente com seus amigos e também apresentar diariamente a verdade aos que o iam ouvir. Assim, durante dois anos continuou seus labores, "pregando o reino de Deus, e ensinando com toda a liberdade as coisas pertencentes ao Senhor Jesus Cristo, sem impedimento algum". Atos 28:31.
Durante este tempo, não esqueceu as igrejas que havia estabelecido em muitas terras. Compreendendo os perigos que ameaçavam os conversos da nova fé, o apóstolo procurou tanto quanto possível satisfazer-lhes às necessidades por meio de cartas de admoestação e instrução prática. E de Roma enviou obreiros consagrados
para trabalharem não somente por essas igrejas, mas em campos que ele próprio não tinha visitado. Tais obreiros, como sábios pastores, fortaleciam a obra tão bem iniciada por Paulo; e o apóstolo, que se conservava informado das condições e perigos das igrejas mediante comunicação constante com elas, estava habilitado a exercer uma sábia direção sobre todas.
Deste modo, enquanto aparentemente separado do trabalho ativo, Paulo exercia uma influência maior e mais duradoura do que se estivesse livre a viajar entre as igrejas como nos anos anteriores. Como prisioneiro do Senhor, ele retinha mais firmemente as afeições de seus irmãos; e suas palavras, escritas por quem estava em cadeias por amor de Cristo, impunham maior atenção e respeito do que quando ele estava pessoalmente com eles. Não antes que Paulo fosse deles separado, compreenderam os irmãos quão pesados eram os encargos que ele tinha levado em benefício deles. Até então tinham-se em grande parte escusado de responsabilidade e obrigações, porque sentiam a falta de sua sabedoria, tato e indomável energia; mas agora, deixados em sua inexperiência a aprender as lições que eles tinham rejeitado, apreciaram seus conselhos, advertências e instruções como não haviam considerado seu trabalho pessoal. E ao aprenderem de sua coragem e fé durante sua longa prisão, foram estimulados a maior fidelidade e zelo na causa de Cristo.
Entre os assistentes de Paulo em Roma, havia muitos de seus anteriores companheiros e coobreiros. Lucas, "o médico amado" (Col. 4:14), que o tinha assistido em sua viagem a Jerusalém, durante os dois anos de sua prisão em Cesaréia, e em sua perigosa viagem a Roma, estava ainda,
com ele. Timóteo também ministrava para o seu conforto. Tíquico, um "irmão amado e fiel ministro, e conservo no Senhor" (Col. 4:7), permaneceu nobremente ao lado do apóstolo. Demas e Marcos também estavam com ele. Aristarco e Epafras eram seus companheiros de prisão. Col. 4:7-14.
Desde os primeiros anos de sua profissão de fé, a experiência cristã de Marcos tinha-se aprofundado. Ao estudar mais acuradamente a vida e a morte de Cristo, tinha ele obtido mais clara visão da missão do Salvador, Suas provas e conflitos. Lendo nas cicatrizes das mãos e pés de Cristo as marcas de Seu serviço pela humanidade, e até aonde leva a abnegação para salvar os perdidos e prestes a perecer, Marcos se dispusera a seguir o Mestre na senda do sacrifício. Agora, partilhando a sorte de Paulo, o prisioneiro, ele compreendeu melhor que nunca, que é infinito ganho ganhar a Cristo, e infinita perda ganhar o mundo e perder a alma por cuja redenção foi o sangue de Cristo derramado. Em face de severa adversidade e prova, Marcos continuou firme, um sábio e amado auxiliar do apóstolo.
Demas, firme por algum tempo, abandonou mais tarde a causa de Cristo. Referindo-se a isto, Paulo escreveu: "Demas me desamparou, amando o presente século." II Tim. 4:10. Por ganho mundano trocou Demas toda alta e nobre consideração. Com que pouco discernimento fizera ele a troca! Possuindo apenas riquezas e honras mundanas, Demas era de fato pobre, por muito que ele pudesse orgulhosamente chamar seu; enquanto Marcos, escolhendo sofrer por amor de Cristo, possuía riquezas eternas, sendo considerado no Céu como herdeiro de Deus e co-herdeiro de Seu Filho.
Entre os que deram o coração a Deus por intermédio do trabalho de Paulo em Roma, estava Onésimo, escravo pagão que havia lesado a seu senhor, Filemom, crente cristão de Colosso, e havia escapado para Roma. Na bondade de seu coração, Paulo procurou aliviar a pobreza e angústia do desventurado fugitivo, e em seguida procurou derramar a luz da verdade em sua mente obscurecida. Onésimo ouviu as palavras da vida, confessou seus pecados e foi convertido à fé em Cristo.
Onésimo tornou-se caro a Paulo por sua piedade e sinceridade, não menos que por seu terno cuidado pelo conforto do apóstolo, e seu zelo em promover a obra do evangelho. Paulo viu nele traços de caráter que poderiam torná-lo útil auxiliar no labor missionário, e aconselhou-o a retornar sem delonga a Filemom, suplicar-lhe perdão, e fazer planos para o futuro. O apóstolo prometeu responsabilizar-se pela soma de que Filemom havia sido roubado. Estando pronto para despachar a Tito com cartas para várias igrejas na Ásia menor, enviou com ele Onésimo. Era uma severa prova esta para o servo, apresentar-se ao senhor a quem havia lesado, mas havia sido convertido de verdade, e não se furtou a este dever.
Paulo tornou Onésimo portador de uma carta a Filemom, na qual, com seu usual tato e bondade, o apóstolo pleiteava a causa do servo arrependido, e manifestava o desejo de retê-lo para seu serviço no futuro. A carta começava com uma afetuosa saudação a Filemom como um amigo e cooperador:
"Graça a vós e paz da parte de Deus nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo. Graças dou ao meu Deus, lembrando-me sempre de ti nas minhas orações; ouvindo a tua caridade e a fé que tens para com o Senhor Jesus Cristo, e para com todos os santos; para que a comunicação da tua fé seja eficaz no conhecimento de todo o bem que em vós há por Cristo Jesus." Fil. 1:4-6. O apóstolo recordava a Filemom que cada bom propósito e bom traço de caráter que ele possuía devia-o à graça de Cristo; somente esta o tornou diferente dos perversos e pecadores. A mesma graça pode tornar o envilecido criminoso um filho de Deus e útil obreiro no evangelho.
Paulo podia ter imposto a Filemom seu dever como cristão; mas escolheu antes a linguagem da súplica: "...sendo eu tal como sou, Paulo o velho, e também agora prisioneiro de Jesus Cristo. Peço-te por meu filho Onésimo, que gerei nas minha prisões; o qual noutro tempo te foi inútil, mas agora a ti e a mim muito útil." Fil. 1:9-11.
O apóstolo pedia a Filemom, que em vista da conversão de Onésimo, recebesse o arrependido escravo como a seu próprio filho, mostrando-lhe tal afeição que ele escolhesse permanecer com seu senhor de outrora, "não já como servo, antes, mais do que servo, como irmão amado". Fil. 1:16. Expressava seu desejo de reter Onésimo como alguém que poderia servi-lo em suas prisões, como o próprio Filemom teria feito, todavia, ele não desejava os seus serviços a menos que Filemom de própria vontade libertasse o escravo.
O apóstolo bem conhecia a severidade que os senhores usavam para com os seus escravos, e sabia também que Filemom estava grandemente indignado pela
conduta de seu servo. Procurou escrever-lhe de maneira a despertar seus mais profundos e ternos sentimentos como cristão. A conversão de Onésimo o tornara um irmão na fé, e qualquer punição aplicada a seu novo converso seria considerada por Paulo como aplicada a si próprio.
Paulo se propôs voluntariamente assumir o débito de Onésimo para que ao criminoso fosse poupada a agrura da punição, e pudesse ele de novo se regozijar nos privilégios que tinha rejeitado. "Se me tens por companheiro", escreveu a Filemom, "recebe-o como a mim mesmo. E, se te fez algum dano, ou te deve alguma coisa, põe isso à minha conta. Eu, Paulo, de minha própria mão o escrevi; eu o pagarei." Fil. 1:17 e 18.
Quão apropriadamente isto ilustra o amor de Cristo pelo pecador arrependido! O servo que defraudara a seu senhor não tinha com que fazer a restituição. O pecador que tem roubado a Deus de anos de serviço não tem meios de cancelar o débito. Jesus Se interpõe entre o pecador e Deus, dizendo: Eu pagarei o débito. Poupa o pecador; Eu sofrerei em seu lugar.
Depois de oferecer-se para assumir o débito de Onésimo, Paulo recordou a Filemom o quanto ele próprio era devedor ao apóstolo. Devia-lhe seu próprio ser, uma vez que Deus tinha feito Paulo o instrumento de sua conversão. Então, num apelo fervente e terno, suplicou a Filemom que assim como ele havia por sua liberalidade vivificado os santos, também vivificaria o espírito do apóstolo concedendo-lhe esta causa de regozijo. "Escrevi-te", ele acrescentou, "confiado na tua obediência, sabendo
que ainda farás mais do que digo." Fil. 1:21.
A carta de Paulo a Filemom mostra a influência do evangelho nas relações entre senhores e servos. A escravidão era instituição estabelecida em todo o império romano, e tanto senhores como escravos eram encontrados na maioria das igrejas pelas quais Paulo trabalhou. Nas cidades, onde os escravos eram muitas vezes muito mais numerosos do que a população livre, leis de terrível severidade eram consideradas necessárias para mantê-los em sujeição. Um romano rico possuía não raro centenas de escravos de toda categoria, de todas as nações e de toda habilidade. Com pleno controle sobre a alma e o corpo dessas desajudadas criaturas, podiam infligir-lhes castigo a escolha. Se um deles por vingança ou autodefesa ousasse levantar a mão para seu proprietário, toda a família do ofensor poderia ser cruelmente sacrificada. O mais leve erro, acidente ou descuido eram muitas vezes punidos sem misericórdia.
Alguns senhores, mais humanos que outros, eram mais indulgentes para com seus servos; mas a grande maioria dos ricos e nobres, procedendo sem restrição à luxúria, paixão e apetite, tornavam seus escravos miseráveis vítimas do capricho e tirania. A tendência de todo o sistema era desesperançadamente degradante.
Não era obra do apóstolo subverter arbitrária ou subitamente a ordem estabelecida da sociedade. Tentar isto seria impedir o sucesso do evangelho. Mas ele ensinava os princípios que atingiam o próprio fundamento da escravatura, os quais, se postos em execução, minariam
seguramente todo o sistema. "Onde está o Espírito do Senhor aí há liberdade", declarou ele. II Cor. 3:17. Quando convertido, o escravo tornava-se membro do corpo de Cristo, e como tal, devia ser amado e tratado como irmão, co-herdeiro com seu senhor das bênçãos de Deus e dos privilégios do evangelho. Por outro lado, os servos deviam cumprir seus deveres, "não servindo à vista, como para agradar aos homens, mas como servos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus". Efés. 6:6.
O cristianismo cria um forte laço de união entre o senhor e o servo, o rei e o súdito, o ministro do evangelho e o degradado pecador que encontrou em Cristo a purificação do pecado. Foram lavados no mesmo sangue, vivificados pelo mesmo Espírito; e são feitos um em Cristo Jesus.