"Não vim para revogar, vim para cumprir." Mat. 5:17.
Fora Cristo que, por entre trovões e relâmpagos, proclamara a lei no monte Sinai. A glória de Deus, qual fogo devorador, repousara no cimo do monte, e este tremera ante a presença do Senhor. O povo de Israel, prostrado em terra, havia escutado em temor os sagrados preceitos da lei. Que contraste com a cena sobre o monte das bem-aventuranças! Sob um firmamento estival, sem som algum a quebrar o silêncio senão o cântico dos pássaros, Jesus desenvolveu os princípios de Seu reino. Todavia Aquele, que naquele dia falava ao povo em acentos de amor, estava-lhes desvendando os princípios da lei proclamada no Sinai.
Ao ser dada a lei, Israel, degradado pela servidão no Egito, necessitara ser impressionado com o poder e a majestade de Deus; no entanto, Ele não menos Se lhes revelou como um Deus de amor.
"O Senhor veio de Sinai
E lhes subiu de Seir;
Resplandeceu desde o monte Parã
E veio com dez milhares de santos;
À Sua direita havia para eles o fogo da lei.
Na verdade, amas os povos;
Todos os Seus santos estão na Tua mão;
Postos serão no meio, entre os Teus pés,
Cada um receberá das Tuas palavras." Deut. 33:2 e 3.
Foi a Moisés que Deus revelou Sua glória naquelas admiráveis palavras que têm sido a acariciada herança dos séculos: "Jeová, o Senhor, Deus misericordioso e piedoso, tardio em iras e grande em beneficência e verdade; que guarda a beneficência em milhares; que perdoa a iniqüidade, e a transgressão, e o pecado." Êxo. 34:6 e 7.
A lei dada no Sinai era a enunciação do princípio do amor, a revelação, feita à Terra, da lei do Céu. Foi ordenada pela mão de um Mediador - proferida por Aquele por cujo poder o coração dos homens podia ser posto em harmonia com os seus princípios. Deus revelara o desígnio da lei, quando declarara a Israel: "Ser-Me-eis homens santos." Êxo. 22:31.
Mas Israel não percebera a natureza espiritual da lei, e com demasiada freqüência sua professada obediência não passava de uma observância de formas e cerimônias, em vez de ser uma entrega do coração à soberania do amor. Quando Jesus, em Seu caráter e Sua obra, apresentava aos homens os santos, generosos e paternais atributos de Deus, e lhes mostrava a inutilidade de meras formas cerimoniais de obediência, os guias judaicos não recebiam nem compreendiam Suas palavras. Achavam que Ele Se demorava muito ligeiramente nas exigências da lei; e quando lhes expunha as próprias verdades que constituíam a alma do serviço que lhes era divinamente indicado, eles, olhando apenas ao exterior, acusavam-nO de buscar derribá-la.
As palavras de Cristo, conquanto proferidas com serenidade, eram ditas com uma sinceridade e poder que moviam o coração do povo. Em vão apuravam o ouvido à espera de uma
repetição das mortas tradições e rigores dos rabis. Eles se admiravam "da Sua doutrina, porquanto os ensinava com tendo autoridade e não como os escribas". Mat. 7:28 e 29. Os fariseus notavam a vasta diferença entre sua maneira de instruir e a de Cristo. Viam que a majestade, a pureza e beleza da verdade, com sua profunda e branda influência, estavam tomando posse de muitos espíritos. O divino amor do Salvador, Sua ternura, para Ele atraíam os homens. Os rabis viam que, por Seus ensinos, era reduzido a nada todo o teor das instruções por eles ministradas ao povo. Ele estava destruindo a parede divisória que tão lisonjeira era ao seu orgulho e exclusivismo; e temiam que, caso isso fosse permitido, deles afastasse inteiramente o povo. Seguiam-nO, portanto, com decidida hostilidade, esperando encontrar ocasião para fazê-Lo cair no desagrado das multidões, habilitando assim o Sinédrio a conseguir Sua condenação à morte.
No monte, Jesus estava de perto sendo observado por espias; e, ao desdobrar Ele os princípios da justiça, os fariseus fizeram com que se murmurasse que Seus ensinos estavam em oposição aos preceitos que Deus dera no Sinai. O Salvador nada dissera para abalar a fé na religião e nas instituições que haviam sido dadas por intermédio de Moisés; pois todo raio de luz que o grande guia de Israel comunicara a seu povo fora recebido de Cristo. Conquanto muitos digam em seu coração que Ele viera para anular a lei, Jesus com inequívoca linguagem revela Sua atitude para com os estatutos divinos. "Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas." Mat. 5:17.
É o Criador dos homens, o Doador da lei, que declara não ser Seu desígnio pôr à margem os seus preceitos. Tudo na Natureza, desde a minúscula partícula de pó no raio de sol até os mundos; nas alturas, encontra-se debaixo de leis. E da obediência a essas leis dependem a ordem e a harmonia do mundo natural. Assim, há grandes princípios de justiça a reger a vida de todo ser inteligente, e da conformidade com esses princípios depende o bem-estar do Universo. Antes que a Terra fosse chamada à existência, já existia a lei de Deus. Os anjos são governados por Seus princípios, e para que a Terra esteja em harmonia com o Céu, também o homem deve obedecer aos divinos estatutos. No Éden, Cristo deu a conhecer ao homem os preceitos da lei "quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus rejubilavam". Jó 38:7. A missão de Cristo na Terra não era destruir a lei, mas, por Sua graça, levar novamente o homem à obediência de Seus preceitos.
O discípulo amado, que escutou as palavras de Jesus no monte, escrevendo muito depois sob a inspiração do Espírito Santo, fala da lei como de uma perpétua obrigação. Diz ele que o "pecado é o quebrantamento da lei", e que "todo aquele, que comete pecado, quebra também a lei". I João 3:4, Trad. Trinitariana. Ele torna claro que a lei a que se refere é "o mandamento antigo, que desde o princípio tivestes". I João 2:7. Ele fala da lei que existia na criação, e foi reiterada no Monte Sinai.
Falando da lei, Jesus disse: "Não vim para revogar, vim para cumprir." Mat. 5:17. Ele emprega aqui a palavra "cumprir" no mesmo
sentido em que a usou quando declarou a João Batista Seu desígnio de "cumprir toda a justiça" (Mat. 3:15); isto é, atender plenamente à exigência da lei, dar um exemplo de perfeita conformidade com a vontade de Deus.
Sua missão era engrandecer a lei, e a tornar ilustre (ou gloriosa). (Isa. 42:21, Trad. Trinitariana.) Ele devia mostrar a natureza espiritual da lei, apresentar seus princípios de vasto alcance, e tornar clara sua eterna obrigatoriedade.
A divina beleza de caráter de Cristo, de quem o mais nobre e mais suave entre os homens não é senão um pálido reflexo; de quem Salomão, pelo Espírito de inspiração escreveu: "Ele traz a bandeira entre dez mil. ... Sim, Ele é totalmente desejável" (Cant. 5:10 e 16); de quem Davi, vendo-O em profética visão, disse: "Tu és mais formoso do que os filhos dos homens" (Sal. 45:2); Jesus, a expressa imagem da pessoa do Pai, o resplendor de Sua glória, o abnegado Redentor, através de Sua peregrinação de amor na Terra, foi uma viva representação do caráter da lei de Deus. Em Sua vida se manifesta que o amor de origem celeste, os princípios cristãos, fundamenta as leis de retidão eterna.
"Até que o céu e a Terra passem", disse Jesus, "nem um jota ou um til se omitirá da lei sem que tudo seja cumprido." Mat. 5:18. Por Sua própria obediência à lei; Cristo testificou do caráter imutável da mesma, e provou que, por meio de Sua graça, ela podia ser perfeitamente obedecida por todo filho e filha de Adão. Ele declarou no monte que nem o pequenino jota seria omitido da lei até que tudo se cumprisse - tudo quanto diz respeito à raça humana, tudo quanto se relaciona com o plano da
redenção. Ele não ensina que a lei deva ser anulada, mas fixa o olhar no mais remoto horizonte humano, e assegura-nos de que até que esse ponto seja atingido, a lei conservará sua autoridade, de modo que ninguém julgue que Sua missão era abolir os preceitos da lei. Enquanto o céu e a Terra durarem, os santos princípios da santa lei de Deus permanecerão. Sua justiça, "como as grandes montanhas" (Sal. 36:6), continuará fonte de bênção, difundindo torrentes para refrigerar a Terra.
Visto a lei do Senhor ser perfeita, e portanto imutável, é impossível aos homens pecadores satisfazer, por si mesmos, a norma de sua exigência. Foi por isso que Jesus veio como nosso Redentor. Era Sua missão, mediante o tornar os homens participantes da natureza divina, pô-los em harmonia com os princípios da lei celestial. Quando abandonamos nossos pecados, e recebemos a Cristo como nosso Salvador, a lei é exaltada. Pergunta o apóstolo Paulo: "Anulamos, pois, a lei pela fé? De maneira nenhuma! Antes, estabelecemos a lei." Rom. 3:31.
A promessa do novo concerto é: "Porei as Minhas leis em seu coração e as escreverei em seus entendimentos." Heb. 10:16. Conquanto o sistema de símbolos que apontava para Cristo como o Cordeiro de Deus que devia tirar o pecado do mundo havia de passar com Sua morte, os princípios de justiça contidos no Decálogo são tão imutáveis como o trono eterno. Nenhum mandamento foi anulado, nem um jota ou um til foi mudado. Os princípios que foram dados a conhecer ao homem no Paraíso como a grande lei da vida, existirão,
imutáveis, no Paraíso restaurado. Quando o Éden volver a florir na Terra, a lei divina do amor será obedecida por todos debaixo do Sol.
"Para sempre, ó Senhor, a Tua palavra permanece no Céu." Sal. 119:89. "São... fiéis, todos os Seus mandamentos. Permanecem firmes para todo o sempre; são feitos em verdade e retidão." Sal. 111:7 e 8. "Acerca dos Teus testemunhos eu soube, desde a antiguidade, que Tu os fundaste para sempre." Sal. 119:152.
"Qualquer, ... que violar um destes menores mandamentos e assim ensinar aos homens será chamado o menor no reino dos Céus." Mat. 5:19.
Isto é, não terá lugar ali. Pois aquele que voluntariamente violar um mandamento, não observa, em espírito e verdade, a nenhum deles. "Qualquer que guardar toda a lei e tropeçar em um só ponto tornou-se culpado de todos." Tia. 2:10.
Não é a grandeza do ato de desobediência que constitui o pecado mas a discordância com a vontade expressa de Deus no mínimo particular; pois isto mostra que ainda existe comunhão entre a alma e o pecado. O coração está dividido em seu serviço. Há uma virtual negação de Deus, uma rebelião contra as leis de Seu governo.
Fossem os homens livres para se apartar das reivindicações do Senhor e estabelecer uma norma de dever para si mesmos, e haveria uma variação de normas para se adaptarem aos
vários espíritos, e o governo seria tirado das mãos de Deus. A vontade do homem se tornaria suprema, e o alto e santo querer de Deus - Seu desígnio de amor para com Suas criaturas - seria desonrado, desrespeitado.
Sempre que os homens preferem seus próprios caminhos, põem-se em conflito com Deus. Eles não terão lugar no reino do Céu, pois se encontram em guerra com os próprios princípios do mesmo. Desconsiderando a vontade de Deus, estão-se colocando ao lado de Satanás, o inimigo do homem. Não por uma palavra, nem muitas palavras, mas por toda palavra que sai da boca de Deus viverá o homem. Não podemos desatender uma palavra, por mais insignificante que nos pareça, e estar seguros. Não há um mandamento da lei que não se destine ao bem e à felicidade do homem, tanto nesta vida como na futura. Na obediência à lei de Deus, o homem se acha circundado como por um muro, e protegido do mal. Aquele que, em um só ponto que seja, derruba essa barreira divinamente erigida, destruiu-lhe o poder para o guardar; pois abriu um caminho pelo qual o inimigo pode entrar, para estragar e arruinar.
Arriscando-se a desprezar a vontade de Deus em um ponto, abriram nossos primeiros pais as comportas da miséria sobre o mundo. E todo indivíduo que segue o seu exemplo ceifará idênticos resultados. O amor de Deus fundamenta cada preceito de Sua lei, e aquele que se afasta do mandamento está operando sua própria infelicidade e ruína.
"Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos Céus." Mat. 5:20.
Os escribas e fariseus tinham acusado não somente Cristo, mas também Seus discípulos por sua desconsideração para com os ritos e observâncias rabínicos. Muitas vezes tinham sido os discípulos deixados perplexos e perturbados pela censura e a acusação daqueles a quem tinham sido habituados a reverenciar como mestres religiosos. Jesus revelou o engano. Declarou que a justiça a que os fariseus davam tão grande valor, nada valia. A nação judaica pretendia ser o povo peculiar, leal, favorecido por Deus; mas Cristo apresentava sua religião como vazia de salvadora fé. Todas as suas pretensões de piedade, suas invenções e cerimônias humanas, e mesmo o cumprimento das exigências exteriores da lei, não os podiam tornar santos. Não eram puros de coração ou nobres e semelhantes a Cristo no caráter.
Uma religião legal é insuficiente para pôr a alma em harmonia com Deus. A dura, rígida ortodoxia dos fariseus, destituída de contrição, ternura ou amor, era apenas uma pedra de tropeço aos pecadores. Eles eram como o sal que se tornara insípido; pois sua influência não tinha poder algum para preservar o mundo da corrupção. A única fé verdadeira é aquela que "atua pelo amor" (Gál. 5:6), para purificar a alma. É como o fermento que transforma o caráter.
Tudo isto deviam os judeus ter aprendido dos ensinos dos
profetas. Séculos antes, o grito da alma pedindo justificação com Deus encontrara expressão e resposta nas palavras do profeta Miquéias: "Com que me apresentarei ao Senhor e me inclinarei ante o Deus altíssimo? Virei perante Ele com holocaustos, com bezerros de um ano? Agradar-Se-á o Senhor de milhares de carneiros? De dez mil ribeiros de azeite? ... Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a beneficência, e andes humildemente com o teu Deus?" Miq. 6:6-8.
O profeta Oséias indicara o que constitui a própria essência do farisaísmo, nas palavras: "Israel é uma videira estéril; dá fruto para si mesmo." Osé. 10:1, Trad. Trinitariana. Em seu professo serviço a Deus, os judeus estavam na verdade trabalhando para o próprio eu. Sua justiça era o fruto de seus próprios esforços para guardar a lei, segundo suas próprias idéias, e para seu benefício pessoal, egoísta. Daí o não poder ser ela melhor do que eles mesmos. Em seu esforço por se tornarem santos, procuravam tirar uma coisa pura de outra imunda. A lei de Deus é santa como Ele próprio é santo, perfeita como Ele é perfeito. Ela apresenta aos homens a justiça de Deus. Impossível é ao homem, de si mesmo, guardar essa lei; pois a natureza do homem é depravada, deformada, e inteiramente diversa do caráter de Deus. As obras do coração egoísta são como coisa imunda; e "todas as nossas justiças, como trapo da imundícia". Isa. 64:6.
Embora a lei seja santa, os judeus não podiam atingir a justiça por seus próprios esforços para guardar a lei. Os discípulos de Cristo precisam alcançar a justiça de um caráter diverso
daquela dos fariseus, se querem entrar no reino do Céu. Em Seu Filho, Deus lhes oferecia a perfeita justiça da lei. Caso abrissem plenamente o coração para receber a Cristo, a própria vida de Deus, Seu amor, habitaria então neles, transformando-os à Sua própria semelhança; e assim, mediante o dom gratuito de Deus, haviam de possuir a justiça exigida pela lei. Mas os fariseus rejeitavam a Cristo; "não conhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria justiça" (Rom. 10:3), não se submeteram à justiça divina.
Jesus Se pôs a mostrar a Seus ouvintes o que significa observar os mandamentos de Deus - que isso é uma reprodução, neles próprios, do caráter de Cristo. Pois nEle Se manifestava Deus diariamente aos olhos deles.
"Todo aquele que... se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento." Mat. 5:22.
O Senhor dissera por intermédio de Moisés: "Não aborrecerás a teu irmão no teu coração. ... Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo." Lev. 19:17 e 18. As verdades apresentadas por Cristo eram as mesmas que haviam sido ensinadas pelos profetas, mas haviam-se tornado obscuras através da dureza de coração e o amor do pecado.
As palavras do Salvador revelaram a Seus ouvintes que, ao passo que eles estavam condenando outros como
transgressores, eram eles próprios igualmente culpados; pois acariciavam malícia e ódio.
De outro lado do mar, defronte do lugar em que se achavam reunidos, ficava a terra de Basã, uma região deserta, cujas selváticas gargantas e montes cobertos de vegetação, haviam sido desde há muito um terreno favorito de esconderijos para criminosos de toda espécie. Estavam vívidas na memória do povo notícias de roubos e assassínios ali cometidos, e muitos eram zelosos em acusar esses malfeitores. Ao mesmo tempo, eles próprios eram apaixonados e contenciosos; nutriam o mais terrível ódio contra seus opressores romanos, e sentiam-se em liberdade de odiar e desprezar todos os outros povos, e mesmo seus próprios patrícios que não concordavam em tudo com as suas idéias. Em tudo isto, violavam eles a lei que declara: "Não matarás." Êxo. 20:13.
O espírito de ódio e de vingança originou-se com Satanás; e isto o levou a fazer matar o Filho de Deus. Quem quer que acaricie a malícia ou a falta de bondade, está nutrindo o mesmo espírito; e seus frutos são para a morte. No pensamento de vingança jaz encoberta a má ação, da mesma maneira que a árvore está na semente. "Qualquer que aborrece a seu irmão é homicida. E vós sabeis que nenhum homicida tem permanecente nele a vida eterna." I João 3:15.
"Qualquer que chamar a seu irmão de Raca [indivíduo vão] será réu do Sinédrio." Mat. 5:22. No dom de Seu Filho para nossa redenção, Deus mostrou quão alto valor dá Ele a toda alma humana, e não dá direito a homem algum de falar desprezivelmente de outro. Veremos faltas e fraquezas nos que nos rodeiam, mas Deus reivindica toda alma como Sua propriedade - Sua pela criação, e duplamente Sua como comprada
com o precioso sangue de Cristo. Todos foram criados à Sua imagem, e mesmo os mais degradados devem ser tratados com respeito e ternura. Deus nos considerará responsáveis mesmo por uma palavra proferida em desprezo a respeito de uma alma por quem Cristo depôs a vida.
"Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?" I Cor. 4:7. "Quem és tu que julgas o servo alheio? Para seu próprio senhor ele está em pé ou cai." Rom. 14:4.
"Quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo." Mat. 5:22. No Antigo Testamento a palavra aí traduzida por "tolo" é usada para designar um apóstata, ou uma pessoa que se entregou à impiedade. Jesus diz que quem quer que condene seu irmão como apóstata ou desprezador de Deus, mostra ser ele mesmo digno da mesma condenação.
O próprio Cristo, quando contendia com Satanás acerca do corpo de Moisés, "não ousou pronunciar juízo de maldição contra ele". Jud. 9. Houvesse Ele feito isso, e ter-Se-ia colocado no terreno de Satanás; pois a acusação é a arma do maligno. Ele é chamado na Escritura "o acusador de nossos irmãos". Apoc. 12:10. Jesus não empregaria nenhuma das armas de Satanás. Ele o enfrentou com as palavras: "O Senhor te repreenda." Jud. 9.
Temos o Seu exemplo. Quando postos em conflito com os inimigos de Cristo, nada devemos dizer em um espírito de represália, ou que tenha sequer a aparência de um juízo de maldição. Aquele que ocupa o lugar de porta-voz de
Deus não deve proferir palavras que nem a Majestade do Céu empregaria quando contendendo com Satanás. Devemos deixar com Deus a obra de julgar e condenar.
"Vai reconciliar-te primeiro com teu irmão." Mat. 5:24.
O amor de Deus é qualquer coisa mais que simples negação; é um princípio positivo e ativo, uma fonte viva, brotando sempre para beneficiar os outros. Se o amor de Cristo habita em nós, não somente não nutriremos nenhum ódio contra nossos semelhantes, mas buscaremos por todos os modos manifestar-lhes amor.
Jesus disse: "Se trouxeres a tua oferta ao altar e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem, e apresenta a tua oferta." Mat. 5:23 e 24. A oferta sacrifical exprimia fé em que, mediante Cristo, o ofertante se havia tornado participante da misericórdia e do amor de Deus. Mas, que uma pessoa exprimisse fé no amor perdoador de Deus, enquanto, por sua vez, condescendia com um espírito de desamor, seria simplesmente uma farsa.
Quando uma pessoa que professa servir a Deus ofende ou injuria a um irmão, representa mal o caráter de Deus diante daquele irmão e, a fim de estar em harmonia com Deus, a ofensa deve ser confessada, ele deve reconhecer que isto é pecado. Talvez nosso irmão nos tenha feito um maior agravo do que nós a ele, mas isto não diminui a nossa responsabilidade. Se, ao chegarmos à presença de Deus, nos lembramos de que outro tem qualquer coisa contra nós, cumpre-nos deixar a nossa
oferta de oração, ou de ações de graças, ou a oferta voluntária, e ir ter com o irmão com quem estamos em desinteligência, confessando em humildade nosso próprio pecado e pedindo para ser perdoado.
Se, de alguma maneira, prejudicamos ou causamos dano a nosso irmão, devemos fazer restituição. Se, sem saber, demos a seu respeito falso testemunho, se lhe desfiguramos as palavras, se, por qualquer maneira, lhe prejudicamos a influência, devemos ir ter com as pessoas com quem conversamos a seu respeito, e retirar todas as nossas errôneas e ofensivas informações.
Se as dificuldades existentes entre irmãos não fossem expostas a outros, mas francamente tratadas entre eles mesmos, no espírito do amor cristão, quanto mal seria evitado! Quantas raízes de amargura pelas quais muitos são contaminados seriam destruídas, e quão íntima e ternamente poderiam os seguidores de Cristo ser unidos em Seu amor!
"Qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar já em seu coração cometeu adultério com ela." Mat. 5:28.
Os judeus orgulhavam-se de sua moralidade, e olhavam com horror às práticas sensuais dos pagãos. A presença dos oficiais romanos que o governo imperial trouxera à Palestina, era um contínuo escândalo para o povo; com esses estrangeiros, viera uma inundação de costumes pagãos, concupiscência e desregramento. Em Cafarnaum, os oficiais romanos, com suas alegres amantes, freqüentavam os logradouros públicos e
os passeios, e muitas vezes os sons da orgia quebravam o silêncio do lago, ao singrarem as águas tranqüilas seus barcos de prazer. O povo esperava ouvir de Jesus uma severa acusação a essa classe; mas qual não foi seu espanto ao escutarem palavras que punham a descoberto o mal de seus próprios corações!
Quando o pensamento do mal é amado e nutrido, embora secretamente, disse Jesus, isso mostra que o pecado ainda reina no coração. A alma ainda se acha em fel de amargura e em laço de iniqüidade. Aquele que encontra prazer em demorar-se em cenas de impureza, que condescende com o mau pensamento, com o olhar concupiscente, pode ver no pecado aberto, com seu fardo de vergonha e esmagador desgosto - a verdadeira natureza do mal por ele escondido nas câmaras da alma. O período de tentação sob a qual, talvez, uma pessoa caia em um pecado ofensivo, não cria o mal revelado, mas apenas desenvolve ou torna manifesto aquilo que estava oculto e latente no coração. Um homem é tal quais são os seus pensamentos (Prov. 23:7); porque de seu coração "procedem as saídas da vida". Prov. 4:23.
"Se a tua mão direita te escandalizar, corta-a e atira-a para longe de ti." Mat. 5:30.
A fim de impedir que a doença se alastre ao corpo e destrua a vida, um homem se submeteria mesmo a separar-se de sua mão direita. Muito mais deve ele estar pronto a entregar aquilo que põe em risco a vida da alma.
Mediante o evangelho, almas degradadas e escravizadas
por Satanás devem ser redimidas para partilhar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus. O desígnio divino não é meramente livrar do sofrimento inevitável resultante do pecado, mas salvar do próprio pecado. A alma, corrompida e deformada, tem de ser purificada, transformada, a fim de poder ser revestida da "graça do Senhor, nosso Deus" (Sal. 90:17), conforme a "imagem de Seu Filho". Rom. 8:29. "As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem são as que Deus preparou para os que O amam." I Cor. 2:9. Unicamente a eternidade pode revelar o glorioso destino a que o homem, restaurado à imagem de Deus, pode atingir.
Para podermos alcançar esse elevado ideal, o que leva a alma a tropeçar precisa ser sacrificado. É mediante a vontade que o pecado retém seu domínio sobre nós. A entrega da vontade é representada como arrancar o olho ou cortar a mão. Parece-nos muitas vezes que, sujeitar a vontade a Deus é o mesmo que consentir em atravessar a vida mutilado ou aleijado. É melhor, porém, diz Cristo, que o eu seja mutilado, ferido, aleijado, contanto que possais entrar na vida. Aquilo que considerais um desastre, é a porta para um mais elevado bem.
Deus é a fonte da vida, e só podemos ter vida ao nos acharmos em comunhão com Ele. Separados de Deus, a existência nos pertencerá por um pouco de tempo, mas não possuímos a vida. "A que vive em deleites, vivendo, está morta." I Tim. 5:6. Unicamente por meio da entrega de nossa vontade a Deus, é-Lhe possível comunicar-nos vida. Só mediante o receber Sua vida pela entrega do próprio eu é possível, disse Jesus, serem vencidos aqueles pecados ocultos que mencionei. É
possível que os sepulteis em vosso coração, e os oculteis dos olhos humanos, mas como subsistireis na presença de Deus?
Se vos apegais ao eu, recusando entregar a Deus a vossa vontade, estais preferindo a morte. Para o pecado, seja onde for que ele se encontre, Deus é um fogo consumidor. Se preferis o pecado, e vos recusais a abandoná-lo, a presença de Deus, que consome o pecado, tem de consumir-vos.
Exigirá um sacrifício o entregar-se a Deus; é, porém, um sacrifício do inferior pelo mais elevado, do terreno pelo espiritual, do perecível pelo eterno. Não é o desígnio de Deus que nossa vontade seja destruída; pois é unicamente mediante o exercício da mesma que nos é possível efetuar aquilo que Ele quer que façamos. Nossa vontade deve ser sujeita à Sua a fim de que a tornemos a receber purificada e refinada, e tão ligada em correspondência com o Divino, que Ele possa, por nosso intermédio, derramar as torrentes de Seu amor e poder. Se bem que essa entrega possa parecer amarga e dolorosa ao coração voluntário, extraviado, ela te é, todavia, muito útil.
Enquanto não caiu coxo e impotente sobre o peito do anjo do concerto, não conheceu Jacó a vitória da fé triunfante, recebendo o título de príncipe de Deus. Foi quando ele "manquejava da sua coxa" (Gên. 32:31) que os armados bandos de Esaú foram acalmados diante dele, e o Faraó, orgulhoso herdeiro de uma linhagem real, abaixou-se para lhe anelar a bênção. Assim o Capitão de nossa salvação foi aperfeiçoado "por meio de sofrimentos" (Heb. 2:10), e os filhos da fé "da fraqueza tiraram forças", e "puseram em fugida os exércitos dos estranhos". Heb. 11:34. Assim "os coxos roubarão a presa" (Isa. 33:23), e o fraco se tornará "como Davi, e a casa de Davi... como o anjo do Senhor". Zac. 12:8.
"É lícito ao homem repudiar sua mulher?" Mat. 19:3.
Entre os judeus era permitido ao homem repudiar sua mulher pelas mais triviais ofensas, e a mulher se achava então em liberdade de casar outra vez. Este costume levava a grande infelicidade e pecado. No Sermão do Monte, Jesus declarou plenamente que não podia haver dissolução do laço matrimonial, a não ser por infidelidade do voto conjugal. "Qualquer", disse Ele, "que repudiar sua mulher, a não ser por causa de prostituição, faz que ela cometa adultério; e qualquer que casar com a repudiada comete adultério." Mat. 5:32.
Quando, posteriormente, os fariseus O interrogaram acerca da legalidade do divórcio, Jesus apontou a Seus ouvintes a antiga instituição do casamento, segundo foi ordenada na criação. "Moisés", disse Ele, "por causa da dureza do vosso coração, vos permitiu repudiar vossa mulher; mas, no princípio, não foi assim." Mat. 19:8. Ele lhes chamou a atenção para os abençoados dias do Éden, quando Deus declarou tudo "muito bom". Gên. 1:31. Então tiveram origem o casamento e o sábado, instituições gêmeas para a glória de Deus no benefício da humanidade. Então, ao unir o Criador as mãos do santo par em matrimônio, dizendo: Um homem "deixará... o seu pai e a sua mãe e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne" (Gên. 2:24), enunciou a lei do matrimônio para todos os
filhos de Adão, até ao fim do tempo. Aquilo que o próprio Pai Eterno declarou bom, era a lei da mais elevada bênção e desenvolvimento para o homem.
Como todas as outras boas dádivas de Deus concedidas para a conservação da humanidade, o casamento foi pervertido pelo pecado; mas é o desígnio do evangelho restituir-lhe a pureza e a beleza. Tanto no Antigo como no Novo Testamentos, a relação matrimonial é empregada para representar a terna e sagrada união existente entre Cristo e Seu povo, os remidos a quem Ele comprou a preço do Calvário. "Não temas", diz Ele; "porque o teu Criador é o teu marido; Senhor dos Exércitos é o Seu nome; e o Santo de Israel é o teu Redentor." Isa. 54:4 e 5. "Convertei-vos, ó filhos rebeldes, diz o Senhor; porque Eu vos desposarei." Jer. 3:14. No Cântico dos Cânticos ouvimos a voz da esposa, dizendo: "O meu Amado é meu, e eu sou dele." Cant. 2:16. E Aquele que é para ela "o mais distinguido entre dez mil" (Cant. 5:10), fala a Sua escolhida: "Tu és toda formosa, amiga Minha, e em ti não há mancha." Cant. 4:7.
Posteriormente Paulo, o apóstolo, escrevendo aos cristãos efésios, declara que o Senhor constituiu o marido a cabeça da mulher, para ser-lhe protetor, o elo que liga os membros da família, da mesma maneira que Cristo é a cabeça da igreja, e o Salvador do corpo místico. Portanto Ele diz: "Assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seu marido. Vós, maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a Si mesmo
Se entregou por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para a apresentar a Si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível. Assim devem os maridos amar a sua própria mulher." Efés. 5:24-28.
A graça de Cristo, e ela somente, pode tornar essa instituição o que Deus designou que fosse: um meio para a bênção e reerguimento da humanidade. E assim as famílias da Terra, em sua união, paz e amor, podem representar a família do Céu.
Hoje, como nos dias de Cristo, a condição da sociedade apresenta triste quadro do ideal celeste dessa sagrada relação. No entanto, mesmo para os que depararam com amargura e desengano quando haviam esperado companheirismo e alegria, o evangelho de Cristo oferece um consolo. A paciência e a gentileza que Seu Espírito pode comunicar, suavizará a condição de amargura. O coração em que Cristo habitar, estará tão repleto, tão satisfeito com Seu amor, que se não consumirá no desejo de atrair simpatia e atenção para si próprio. E pela entrega da alma a Deus, Sua sabedoria pode realizar o que a sabedoria humana deixa de fazer. Por meio da revelação de Sua graça, os corações que uma vez estiveram indiferentes ou desafeiçoados podem ser unidos em laços mais firmes e mais duradouros que os da Terra - os áureos laços do amor que suportará o calor da provação.
"De maneira nenhuma, jureis." Mat. 5:34.
É apresentada a razão para isso: não devemos jurar "pelo Céu, porque é o trono de Deus, nem pela Terra, porque é o escabelo de Seus pés, nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei, nem jurarás pela tua cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco ou preto". Mat. 5:34-36.
Todas as coisas vêm de Deus. Nada temos que não tenhamos recebido; e, mais ainda, não temos nada que não haja sido comprado para nós pelo sangue de Cristo. Tudo quanto possuímos, recebemos selado com a cruz, comprado com o sangue cujo valor é inapreciável, pois é a vida de Deus. Daí, não há coisa alguma que, como se fora nossa mesma, tenhamos o direito de empenhar para o cumprimento de nossa palavra.
Os judeus compreendiam o terceiro mandamento como proibição do emprego profano do nome de Deus; mas se julgavam na liberdade de empregar outros juramentos. O jurar era coisa comum entre eles. Haviam sido proibidos, por intermédio de Moisés, de jurar falsamente; mas tinham muitos meios de se livrar da obrigação imposta por um juramento. Não temiam condescender com o que era realmente profano, nem recuavam do perjúrio, contanto que o mesmo estivesse velado por qualquer técnica evasiva à lei.
Jesus lhes condenou as práticas, dizendo que seu costume de jurar era uma transgressão ao mandamento de Deus. Nosso Salvador não proibiu, todavia, o emprego do juramento judicial, no qual Deus é solenemente invocado para testificar que o
que se diz é verdade, e nada mais que a verdade. O próprio Jesus, em Seu julgamento perante o Sinédrio, não Se recusou a testificar sob juramento. Disse-Lhe o sumo sacerdote: "Conjuro-Te pelo Deus vivo que nos digas se Tu és o Cristo, o Filho de Deus." Jesus respondeu: "Tu o disseste." Mat. 26:63 e 64. Houvesse Cristo, no Sermão do Monte condenado o juramento judicial, em Seu julgamento haveria reprovado o sumo sacerdote, reforçando assim, para benefício de Seus seguidores, Seus próprios ensinos.
Muitos, muitos há que não temem enganar seus semelhantes; mas foi-lhes ensinado, e eles foram impressionados pelo Espírito de Deus, que é terrível coisa mentir a seu Criador. Quando postos sob juramento, é-lhes feito sentir que não estão testemunhando apenas diante dos homens, mas perante Deus; que se derem falso testemunho, é Àquele que lê no coração, e que sabe a exata verdade. O conhecimento dos terríveis juízos que se têm seguido a esse pecado tem uma influência refreadora sobre eles.
Mas se existe alguém que possa coerentemente testificar sob juramento, esse é o cristão. Ele vive constantemente como na presença de Deus, sabendo que todo pensamento está aberto perante os olhos daquele com quem temos de tratar; e, quando lhe é exigido fazer assim em uma maneira legal, é-lhe lícito apelar para Deus como testemunha de que o que ele diz é a verdade, e nada senão a verdade.
Jesus estabeleceu então um princípio que tornaria desnecessário o juramento. Disse que a exata verdade deve ser a lei da linguagem. "Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; não, não, porque o que passa disso é de procedência maligna." Mat. 5:37.
Essas palavras condenam todas aquelas frases sem sentido e palavras expletivas, que beiram a profanidade. Condenam os enganosos cumprimentos, a evasiva da verdade, as frases lisonjeiras, os exageros, as falsidades no comércio, coisas comuns na sociedade e no comércio do mundo. Elas ensinam que ninguém que busque parecer o que não é, ou cujas palavras não exprimam o sentimento real do coração, pode ser chamado verdadeiro.
Caso fossem ouvidas essas palavras de Cristo, elas impediriam a enunciação de ruins suspeitas e crítica má; pois, comentando as ações e os motivos de outro, quem pode estar certo de que o que diz é a justa verdade? Quantas vezes o orgulho, a paixão, o ressentimento pessoal, dão cores à impressão transmitida! Um olhar, uma palavra, a própria entonação da voz, podem estar cheios de mentira. Mesmo os fatos podem ser declarados de modo a dar uma falsa impressão. E "o que passa" da verdade "é de procedência maligna". Mat. 5:37.
Tudo quanto os cristãos fazem deve ser tão transparente como a luz do Sol. A verdade é de Deus; o engano, em todas as suas múltiplas formas, é de Satanás; e quem quer que, de alguma maneira, se desvia da reta linha da verdade, está-se entregando ao poder do maligno. Não é, todavia, coisa leve ou fácil falar a exata verdade; e quantas vezes opiniões preconcebidas, peculiares disposições mentais, imperfeito conhecimento, erros de juízo, impedem uma justa compreensão das questões com que temos de lidar! Não podemos falar a verdade, a menos que nossa mente seja continuamente dirigida por Aquele que é a verdade.
Cristo nos recomenda por intermédio do apóstolo Paulo: "A
vossa palavra seja sempre agradável." Col. 4:6. "Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que for boa para promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem." Efés. 4:29. À luz destas passagens, as palavras de Cristo no monte condenam as galhofas, as futilidades, as conversas impuras. Exigem que nossas palavras sejam, não somente verdadeiras, mas puras.
Aqueles que têm aprendido de Cristo não terão comunicação "com as obras infrutuosas das trevas". Efés. 5:11. Na linguagem, como na vida, serão simples, retos e verdadeiros; pois estão-se preparando para a companhia daqueles santos em cuja boca "não se achou engano". Apoc. 14:5.
"Não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra." Mat. 5:39.
Surgiam constantemente ocasiões de irritação para os judeus em razão de seu contato com a soldadesca romana. Destacamentos de tropas achavam-se estacionados em vários pontos através da Judéia e da Galiléia, e sua presença lembrava aos judeus a própria degradação como um povo. Com amargura ouviam eles o alto soar da trombeta, e viam as tropas formando em torno das bandeiras romanas, curvando-se em homenagem ante este símbolo de seu poder. Freqüentes eram os choques entre o povo e os soldados, choques que acendiam o ódio popular. Muitas vezes, quando algum oficial romano ia, apressado, de um lugar para outro, acompanhado de sua
guarda, lançava mão dos camponeses judeus que trabalhavam no campo, forçando-os a carregar fardos, montanhas acima ou a prestar outro qualquer serviço de que necessitassem. Isto estava em harmonia com a lei e o costume romanos, e a resistência a exigências desta ordem apenas daria lugar a sarcasmos e crueldades. Dia a dia se aprofundava no coração do povo o anseio de sacudir o jugo romano. Especialmente entre os ousados galileus de rijos pulsos, era predominante o espírito de insurreição. Como cidade fronteiriça, era Cafarnaum sede de uma guarnição, e mesmo enquanto Jesus estava ensinando, a vista de um grupo de soldados evocou a Seus ouvintes a amarga lembrança da humilhação de Israel. O povo olhava ansiosamente para Cristo, esperando que fosse Ele Aquele que houvesse de humilhar o orgulho romano.
Foi com tristeza que Jesus contemplou as faces voltadas para Ele. Observava o espírito de vingança que estampara seus maus traços sobre eles, conhecendo quão veementemente ansiava o povo o poder a fim de esmagar seus opressores. Com tristeza, Ele lhes ordena: "Não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra." Mat. 5:39.
Estas palavras não eram senão uma reiteração do ensino do Antigo Testamento. É verdade que a regra: "olho por olho, dente por dente" (Lev. 24:20), era uma providência nas leis dadas por intermédio de Moisés; era, porém, um estatuto civil. Ninguém seria justificado em se vingar a si mesmo; pois tinham as palavras do Senhor: "Não digas: Vingar-me-ei." Prov. 20:22. "Não digas: Como ele me fez a mim, assim lhe farei a ele." Prov. 24:29. "Quando cair o teu inimigo, não te alegres." Prov. 24:17. "Se o que te
aborrece tiver fome, dá-lhe pão para comer; e, se tiver sede, dá-lhe água para beber." Prov. 25:21.
Toda a vida terrestre de Jesus foi uma manifestação deste princípio. Foi para trazer o pão da vida a Seus inimigos, que nosso Salvador deixou Seu lar no Céu. Se bem que se amontoassem sobre Ele calúnias e perseguições desde o berço até à sepultura, estas não Lhe provocaram senão expressões de um amor que perdoa. Por intermédio do profeta Isaías, Ele diz: "As Minhas costas dou aos que Me ferem e a face, aos que me arrancam os cabelos; não escondo a face dos que Me afrontam e me cospem." Isa. 50:6. "Ele foi oprimido, mas não abriu a Sua boca." Isa. 53:7. E, através dos séculos, chega-nos da cruz do Calvário Sua oração pelos que Lhe davam a morte, e a mensagem de esperança ao ladrão moribundo.
A presença do Pai circundou a Cristo e nada Lhe sobreveio sem que o infinito amor permitisse, para a bênção do mundo. Aí estava Sua fonte de conforto, e ela existe para nós. Aquele que estiver impregnado do Espírito de Cristo, habita em Cristo. O golpe que lhe é dirigido cai sobre o Salvador, que o circunda com Sua presença. O que quer que lhe aconteça vem de Cristo. Não precisa resistir ao mal, porque Cristo é sua defesa. Nada lhe pode tocar a não ser pela permissão de nosso Senhor; e todas as coisas que são permitidas "contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus". Rom. 8:28.
"Ao que quiser pleitear contigo e tirar-te a vestimenta [túnica],
larga-lhe também a capa [manto]; e, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas." Mat. 5:40 e 41.
Jesus ordenou a Seus discípulos que, em vez de resistir às exigências dos que se acham em autoridade, fizessem ainda mais do que lhes era exigido. E, o quanto possível, se desempenhassem de qualquer obrigação, mesmo que fosse além do que exigia a lei da Terra. A lei, segundo fora dada por Moisés, recomendava uma mui terna consideração para com o pobre. Quando um homem pobre dava sua roupa em penhor, ou em garantia por uma dívida, não era permitido ao credor entrar-lhe em casa a fim de a ir buscar; devia esperar na rua para que o penhor lhe fosse levado. E fossem quais fossem as circunstâncias, o penhor devia ser restituído a seu dono ao pôr-do-sol. (Deut. 24:10-13). No tempo de Cristo essas misericordiosas providências eram pouco atendidas; mas Jesus ensinou Seus discípulos a se submeterem à decisão do tribunal, mesmo que esta exigisse além do que autorizava a lei de Moisés. Ainda que requeresse uma parte de seu vestuário, deviam submeter-se. Mas ainda, deviam dar ao credor o que lhe era devido, se necessário entregando mesmo mais do que o tribunal o autorizava a tomar. "Ao que quiser pleitear contigo", disse Ele, "e tirar-te a vestimenta, larga-lhe também a capa." Mat. 5:40. E se os mensageiros vos exigirem que andeis com eles uma milha, ide com eles duas.
Jesus acrescentou: "Dá a quem te pedir e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes." Mat. 5:42. A mesma lição fora ensinada por intermédio de Moisés: "Não endurecerás o teu coração, nem fecharás a tua mão a teu irmão que for pobre;
antes, lhe abrirás de todo a tua mão e livremente lhe emprestarás o que lhe falta, quanto baste para a sua necessidade." Deut. 15:7 e 8. Esta escritura esclarece o sentido das palavras do Salvador. Cristo não nos ensina a dar indiscriminadamente a todos quantos pedem por caridade; mas diz: "Livremente lhe emprestarás o que lhe falta"; e isto deve ser uma dádiva, de preferência a um empréstimo; pois cumpre-nos emprestar "sem nada" esperar. (Luc. 6:35.)
"Aquele que se dá com sua esmola, está nutrindo a três de uma só vez:
A si, bem como ao próximo, a quem consola; nutre também a Mim."
"Amai a vossos inimigos." Mat. 5:44.
A lição do Salvador: "Não resistais ao mal" (Mat. 5:39), era dura de ouvir para os vingativos judeus, e eles murmuraram contra ela entre si. Jesus fez então uma declaração ainda mais forte:
"Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e aborrecerás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem, para que sejais filhos do Pai que está nos Céus." Mat. 5:43-45.
Tal era o espírito da lei que os rabis tão mal haviam interpretado como um frio e rígido código de cobranças. Consideravam-se melhores que os outros homens, e como com direito ao especial favor de Deus em virtude de seu nascimento israelita; mas Jesus indicou o espírito de amor perdoador como aquele
que evidenciaria serem atuados por motivos mais elevados do que os mesmos publicanos e pecadores a quem eles desprezavam.
Ele encaminhou Seus ouvintes ao Governador do Universo, sob a nova designação: Pai Nosso. Queria que compreendessem quão ternamente o coração de Deus por eles anelava. Ensinou que Deus cuida de toda alma perdida; que "como um pai se compadece de seus filhos, assim o Senhor Se compadece daqueles que O temem". Sal. 103:13. Tal concepção de Deus não foi jamais dada ao mundo por qualquer religião senão a da Bíblia. O paganismo ensina os homens a olharem para o Ser Supremo como objeto de temor em vez de amor - uma divindade maligna a ser apaziguada por sacrifícios, e não um Pai derramando sobre Seus filhos o dom do Seu amor. Mesmo o povo de Israel se tornara tão cego ao precioso ensino dos profetas acerca de Deus, que esta revelação de Seu paternal amor era coisa original, uma nova dádiva ao mundo.
Os judeus afirmavam que Deus amava aqueles que O serviam - segundo seu ponto de vista, aqueles que cumpriam as exigências dos rabinos - e que todo o resto do mundo jazia sob o Seu desagrado e maldição. Não assim, disse Jesus; o mundo inteiro, os maus e os bons, acham-se sob o sol do Seu amor. Esta verdade devíeis ter aprendido da própria Natureza; pois Deus "faz que o Seu Sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos". Mat. 5:45.
Não é em virtude de um poder inerente que a Terra produz ano após ano sua abundância, e continua em seu giro ao redor do Sol. A mão de Deus guia os planetas, e os conserva em
posição em sua bem ordenada marcha através dos céus. É por meio de Seu poder que verão e inverno, sementeira e sega, dia e noite se seguem em sucessão regular. É por meio de Sua palavra que a vegetação floresce, aparecem as folhas, desabotoam as flores. Todas as boas coisas que possuímos, todo raio de Sol e toda chuva, todo bocado de pão, todo momento de vida, é um dom de amor.
Enquanto éramos ainda destituídos de amor e do que nos fizesse amáveis no caráter, "odiosos, odiando-nos uns aos outros" (Tito 3:3), nosso Pai celestial teve misericórdia de nós. "Quando apareceu a benignidade e caridade de Deus, nosso Salvador, para com os homens, não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas, segundo a Sua misericórdia, nos salvou." Tito 3:4 e 5. Uma vez recebido o Seu amor, torna-nos, semelhantemente, bondosos e ternos, não somente para os que nos agradam, mas para com os mais faltosos e errantes pecadores.
Os filhos de Deus são os que partilham de Sua natureza. Não é a posição terrena, nem o nascimento, nem a nacionalidade, nem os privilégios religiosos, o que prova ser membro da família de Deus; é o amor, um amor que envolve toda a humanidade. Mesmo os pecadores cujo coração não se ache inteiramente cerrado ao Espírito de Deus, corresponderão à bondade; conquanto devolvam ódio por ódio, darão também amor por amor. É, porém, unicamente o Espírito de Deus que dá amor em troca de ódio. Ser bondoso para o ingrato e o mau, fazer o bem sem esperar retribuição, é a insígnia da realeza celeste, o sinal certo pelo qual os filhos do Altíssimo revelam sua elevada condição.
"Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai, que está nos Céus." Mat. 5:48.
A palavra "pois" implica em uma conclusão, uma dedução do que foi dito antes. Jesus estivera descrevendo a Seus ouvintes a infalível misericórdia e amor de Deus, e manda-lhes portanto que sejam perfeitos. Pois que vosso Pai celeste "é benigno até para com os ingratos e maus" (Luc. 6:35), pois que Se abaixou para vos erguer, portanto, disse Jesus, podeis tornar-vos semelhantes a Ele no caráter, e apresentar-vos irrepreensíveis diante dos homens e dos anjos.
As condições da vida eterna, sob a graça, são exatamente as mesmas que eram no Éden - perfeita justiça, harmonia com Deus, conformidade perfeita com os princípios de Sua lei. A norma de caráter apresentada no Antigo Testamento é a mesma apresentada no Novo. Esta norma não é de molde a não podermos atingi-la. Em toda ordem ou mandamento dado por Deus, há uma promessa, a mais positiva, a fundamentá-la. Deus tomou as providências para que nos possamos tornar semelhantes a Ele, e cumpri-las-á para todos quantos não interpuserem uma vontade perversa, frustrando assim a Sua graça.
Com amor indizível nos tem Deus amado, e nosso amor se desperta para com Ele ao compreendermos algo da extensão e largura e profundidade e altura desse amor que sobrepuja todo entendimento. Pela revelação da atrativa beleza de Cristo, pelo conhecimento de Seu amor a nós expresso enquanto éramos ainda pecadores, o coração obstinado abranda-se e é
subjugado, e o pecador transforma-se e torna-se um filho do Céu. Deus não emprega medidas compulsórias; o amor é o meio que Ele usa para expelir o pecado do coração. Por meio dele, muda o orgulho em humildade, a inimizade e incredulidade em amor e fé.
Os judeus haviam estado labutando penosamente a fim de atingir a perfeição mediante seus próprios esforços, e tinham fracassado. Cristo já lhes dissera que sua justiça jamais poderia entrar no reino do Céu. Agora Ele lhes indica o caráter da justiça que devem possuir todos quantos entram no Céu. Em todo o Sermão do Monte, descreve os frutos desse reino, e agora, em uma sentença, aponta-lhe a origem e a natureza: Sede perfeitos, como Deus é perfeito. A lei não passa de uma imagem do caráter de Deus. Contemplai em vosso Pai celestial uma manifestação perfeita dos princípios que são o fundamento de Seu governo.
Deus é amor. Quais raios de luz vindos do Sol, o amor e a luz e a alegria procedem dEle para todas as Suas criaturas. Dar é Sua natureza. Sua vida mesma é o fluir de um desinteressado amor.
"Sua glória é dos filhos a felicidade,
Sua alegria está nessa Paternidade."
Ele nos diz que sejamos perfeitos como Ele o é - da mesma maneira. Cumpre-nos ser centros de luz e bênção para o nosso pequeno círculo, da mesma maneira que Ele o é para o Universo. Nada temos de nós mesmos, mas a luz de Seu amor resplandece sobre nós, e devemos refletir-lhe a glória. "Bons na bondade que Ele nos empresta", podemos ser perfeitos em nossa esfera, da mesma maneira que Deus é perfeito na Sua.
Jesus disse: "Sede... perfeitos, como é perfeito vosso Pai." Mat. 5:48.
Se sois filhos de Deus, sois participantes de Sua natureza, e não podeis deixar de ser semelhantes a Ele. Todo filho vive pela vida de seu pai. Se sois filhos de Deus - gerados por Seu Espírito - viveis pela vida de Deus. Em Cristo habita "corporalmente toda a plenitude da divindade" (Col. 2:9); e a vida de Cristo se manifesta "em nossa carne mortal". II Cor. 4:11. Essa vida em vós produzirá o mesmo caráter e manifestará as mesmas obras que nele produziu. Assim estareis em harmonia com todo preceito de Sua lei; pois "a lei do Senhor é perfeita e refrigera a alma". Sal. 19:7. Mediante o amor, "a justiça da lei" será cumprida em nós, "que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito". Rom. 8:4.