"Não julgueis, para que não sejais julgados." Mat. 7:1.
O esforço de obter a salvação pelas próprias obras leva inevitavelmente os homens a amontoar exigências como uma barreira contra o pecado. Pois, vendo que falham no observar a lei, imaginam regras e regulamentos eles próprios, para se obrigarem a obedecer. Tudo isto desvia a mente, de Deus para si mesmos. Seu amor extingue-se-lhes no coração, e com ele perece o amor para com seus semelhantes. Um sistema de invenção humana, com suas múltiplas exigências, induz seus adeptos a julgar a todos quantos faltem à prescrita norma humana. A atmosfera de crítica egoísta e estreita, sufoca as nobres e generosas emoções, fazendo com que os homens se tornem egocêntricos juízes e mesquinhos espias.
Desta classe eram os fariseus. Saíam dos seus cultos religiosos, não humilhados com o senso da própria fraqueza, não agradecidos pelos grandes privilégios a eles concedidos por Deus. Saíam cheios de orgulho espiritual, e seu tema era: "Eu mesmo, meus sentimentos, meus conhecimentos, meus caminhos." Suas próprias realizações tornavam-se a norma pela qual julgavam os outros. Revestindo-se das vestes da própria dignidade, arrogavam-se a cadeira de juízes para criticar e condenar.
O povo partilhava, em grande parte, do mesmo espírito, penetrando nos domínios da consciência, e julgando-se uns aos
outros em assuntos que diziam respeito à alma e Deus. Foi com referência a esse espírito e prática, que Jesus disse: "Não julgueis, para que não sejais julgados." Mat. 7:1. Isto é, não vos ponhais como norma. Não façais de vossas opiniões, vossos pontos de vista quanto ao dever, vossas interpretações da Escritura, um critério para outros, condenando-os em vosso coração se não atingem vosso ideal. Não critiqueis a outros, conjeturando os seus motivos, e formando juízos. "Nada julgueis antes de tempo, até que o Senhor venha, o qual também trará à luz as coisas ocultas das trevas e manifestará os desígnios dos corações." I Cor. 4:5. Não nos é possível ler o coração. Faltosos nós mesmos, não nos achamos capacitados para assentar-nos como juízes dos outros. Os homens finitos não podem julgar se não pelas aparências. Unicamente Àquele que conhece as ocultas fontes da ação, e que trata terna e compassivamente, pertence decidir o caso de cada alma.
"És inescusável quando julgas, ó homem, quem quer que sejas, porque te condenas a ti mesmo naquilo em que julgas a outro; pois tu, que julgas, fazes o mesmo." Rom. 2:1. Portanto aqueles que condenam ou criticam a outros, proclamam-se eles próprios culpados; pois fazem a mesma coisa. Ao condenarem outros, estão sentenciando-se a si mesmos; e Deus declara justa esta sentença. Ele aceita o veredicto deles próprios contra si.
Pés desajeitados, calcando a lama,
Esmagam flores, impiedosamente;
Com mãos cruéis trespassamos
O coração sensível de um amigo.
"Por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão?" Mat. 7:3.
Nem mesmo a sentença "Tu, que julgas, fazes o mesmo" (Rom. 2:1), alcança a magnitude do pecado daquele que presume criticar e condenar a seu irmão. Jesus disse: "Por que reparas tu no argueiro que está no olho de teu irmão e não vês a trave que está no teu olho?" Mat. 7:3.
Suas palavras se aplicam à pessoa que é pronta em discernir um defeito nos outros. Quando pensa que descobriu uma imperfeição no caráter ou na vida, é extremamente zelosa em buscar apontá-la; mas Jesus declara que o próprio traço de caráter desenvolvido pelo fazer esta obra anticristã é, em comparação com a falta criticada, como uma trave em comparação com um argueiro. É a própria falta do espírito de paciência e amor que o leva a fazer um mundo de um simples átomo. Aqueles que nunca experimentaram a contrição de uma completa entrega a Cristo, não manifestam em sua vida a suavizadora influência do amor do Salvador. Representam mal o brando, cortês espírito do evangelho, e ferem almas preciosas, por quem Cristo morreu. Segundo a figura empregada por nosso Salvador, aquele que condescende com o espírito de censura é culpado de um pecado maior do que aquele a quem acusa; pois não somente comete o mesmo pecado, como acrescenta ao mesmo presunção e espírito de crítica.
Cristo é a única verdadeira norma de caráter, e aquele que se põe como padrão para os outros, está-se colocando no lugar de Cristo. E visto haver o Pai dado "ao Filho todo o juízo" (João 5:22), quem quer que presuma julgar os motivos dos
outros está outra vez usurpando a prerrogativa do Filho de Deus. Esses supostos juízes e críticos estão-se colocando do lado do Anticristo, "o qual se opõe e se levanta contra tudo o que se chama Deus ou se adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus". II Tess. 2:4.
O pecado que conduz aos mais infelizes resultados, é o espírito frio, crítico, irreconciliável que caracteriza o farisaísmo. Quando a experiência religiosa é destituída de amor, aí não Se encontra Jesus; aí não está a luz de Sua presença. Nenhuma atarefada atividade ou zelo sem Cristo pode suprir a falta. Haverá talvez uma admirável percepção para descobrir os defeitos dos outros mas a todos quantos condescendem com esse espírito, Jesus diz: "Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e, então, cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão." Mat. 7:5. Aquele que é culpado de erro, é o primeiro a suspeitar do erro. Condenando o outro, está ele procurando ocultar ou desculpar o mal do próprio coração. Foi por meio do pecado que os homens adquiriram o conhecimento do mal; tão depressa havia o primeiro par pecado, começaram a se acusar um ao outro e é isto que a natureza humana inevitavelmente fará, quando não se ache controlada pela graça de Cristo.
Quando os homens condescendem com esse espírito acusador, não se satisfazem com apontar o que julgam um defeito em seu irmão. Se falham os meios brandos para levá-lo a fazer o que julgam que deve ser feito, recorrem à força. Até onde estiver ao seu alcance, obrigarão os homens a satisfazer suas idéias do que é direito. Foi isso que os judeus fizeram nos dias
de Cristo, e é o que a igreja tem feito desde então, uma vez que haja perdido a graça de Cristo. Achando-se destituída do poder do amor, tem buscado o braço forte do Estado para tornar obrigatórios os seus dogmas e executar-lhe os decretos. Nisto reside o segredo de todas as leis religiosas já decretadas, e o segredo de toda perseguição, desde os dias de Abel até aos nossos dias.
Cristo não tange, mas atrai os homens a Si. Não compele, senão que constrange por amor. Quando a igreja começa a buscar o apoio do poder secular, é evidente achar-se ela destituída do poder de Cristo - o constrangimento do divino amor.
A dificuldade, porém, jaz com os membros da igreja, individualmente, e é aí que se deve operar a cura. Jesus manda que o acusador tire primeiro a trave de seu olho, renuncie a seu espírito de crítica, confesse e abandone o próprio pecado, antes de procurar corrigir a outros. Porque "não há boa árvore que dê mau fruto, nem má árvore que dê bom fruto". Luc. 6:43. Esse espírito de acusação com que condescendeis é um fruto mau, e mostra que é má a árvore. Inútil vos é edificar-vos sobre a justiça própria. O que necessitais é mudança de coração. Precisais dessa experiência antes de vos achardes habilitados a corrigir os outros pois "do que há em abundância no coração, disso fala a boca". Mat. 12:34.
Ao sobrevir uma crise na vida de qualquer alma, e tentardes dar conselho ou advertência, vossas palavras só exercerão, no bom sentido, o peso e a influência que vos houverem
adquirido vosso exemplo e espírito. Precisais ser bons para que possais fazer o bem. Não vos será possível influenciar os outros a se transformarem enquanto vosso coração não se houver tornado humilde, refinado e brando por meio da graça de Cristo. Quando esta mudança se houver operado em vós, ser-vos-á tão natural viver para beneficiar a outros, como o é para a roseira dar suas perfumosas flores, ou a videira produzir purpurinos cachos.
Se Cristo está em vós, a "esperança da glória" (Col. 1:27), não estareis dispostos a observar os outros, a expor-lhes os erros. Em lugar de procurar acusar e condenar, tereis como objetivo ajudar, beneficiar, salvar. Ao lidar com os que se encontram em erro, atendereis à recomendação: Olha "por ti mesmo, para que não sejas também tentado". Gál. 6:1. Procurareis lembrar as muitas vezes que tendes errado, e quão difícil vos foi achar o caminho certo uma vez que dele vos havíeis apartado. Não impelireis vosso irmão para mais densas trevas mas, coração cheio de piedade, falar-lhe-eis do perigo em que está.
Aquele que olha muitas vezes para a cruz do Calvário, lembrando-se de que seus pecados para ali levaram o Salvador, nunca buscará calcular a extensão de sua culpa em comparação com a de outros. Não se considerará como juiz para acusar a outros. Não haverá espírito de crítica ou exaltação do próprio eu por parte daqueles que andam à sombra da cruz do Calvário.
Enquanto não vos sentirdes dispostos a sacrificar o amor próprio e mesmo dar a própria vida para salvar um irmão em erro, não tirastes a trave do próprio olho de maneira a estar preparados para ajudar a um irmão. Quando assim fizerdes, podeis aproximar-vos dele, e tocar-lhe o coração. Pessoa
alguma já foi conquistada de um caminho errado por meio de censura e acusações; mas muitos têm sido afastados de Cristo, e levados a cerrar o coração contra a convicção da culpa. Um espírito brando, uma suave e cativante atitude, pode salvar o errado, e cobrir uma multidão de pecados. A revelação de Cristo em vosso caráter terá um poder transformador sobre todos com quem entrardes em contato. Seja Cristo diariamente manifestado em vós e Ele revelará por vosso intermédio a energia criadora de Sua palavra - uma delicada, persuasiva e todavia poderosa influência para regenerar outras almas segundo a beleza do Senhor nosso Deus.
"Não deis aos cães as coisas santas." Mat. 7:6.
Jesus Se refere aqui a uma classe que não experimenta desejo de escapar à servidão do pecado. Pela condescendência com o que é corrupto e vil, sua natureza tornou-se tão degradada, que se apegam ao mal, e dele não se separam. Os servos de Cristo não se devem deixar entravar por aqueles que só fariam do evangelho um objeto de contenção e ridículo.
O Salvador, porém, jamais passou por alto uma alma disposta a receber as preciosas verdades do Céu, por mais abismada que esteja essa alma no pecado. Para publicanos e meretrizes, foram Suas palavras o início de uma vida nova. Maria Madalena, de quem Ele expulsou sete demônios, foi a última a deixar o sepulcro do Salvador, e a primeira a ser por Ele saudada na manhã da ressurreição. Foi Saulo de Tarso, um dos
mais decididos inimigos do evangelho, que se tornou Paulo, o consagrado ministro de Cristo. Sob uma aparência de ódio e desprezo, mesmo sob o crime e a degradação, pode-se achar oculta uma alma que a graça de Cristo haja de redimir, para brilhar como uma jóia na coroa do Redentor.
"Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á." Mat. 7:7.
A fim de não deixar margem alguma à incredulidade, à má compreensão ou a uma errônea interpretação de Suas palavras, o Senhor repete a promessa três vezes dada. Ele almeja que aqueles que buscam a Deus creiam nAquele que é capaz de fazer todas as coisas. Acrescenta, portanto: "Porque aquele que pede recebe; e o que busca encontra; e, ao que bate, se abre." Mat. 7:8.
O Senhor não especifica nenhuma condição a não ser que tenhais fome de Sua misericórdia, desejo de conselhos Seus, e aneleis o Seu nome. "Pedi." Mat. 7:7. O pedir manifesta o reconhecimento que tendes de vossa necessidade; e, se pedis com fé, recebereis. O Senhor empenhou Sua palavra, e esta não pode falhar. Se a Ele vos chegais com sincera contrição, não tendes que pensar ser presunção de vossa parte o pedir aquilo que o Senhor prometeu. Quando pedis as bênçãos de que necessitais a fim de aperfeiçoar um caráter segundo a imagem de Cristo, o Senhor vos garante que pedis em harmonia com uma promessa que se cumprirá. O fato de vos reconhecerdes pecador, é base suficiente para implorardes Sua compaixão e misericórdia.
A condição sob que vos deveis apresentar a Deus, não é que haveis de ser santos, mas que desejais que Ele vos limpe de todo pecado, e vos purifique de toda iniqüidade. O argumento que podemos alegar agora e sempre é nossa grande necessidade, nossa condição de completa impotência, o que O torna, a Ele e a Seu poder redentor, uma necessidade.
"Buscai." Mat. 7:7. Não desejeis somente Suas bênçãos, mas a Ele próprio. "Une-te, pois, a Ele, e tem paz." Jó 22:21. Buscai, e encontrareis. Deus vos está buscando, e o próprio desejo que experimentais de a Ele vos achegar, não é senão a atração de Seu Espírito. Cedei a essa atração. Cristo está pleiteando a causa do tentado, do errante, dos destituídos de fé. Está buscando erguê-los ao nível de companheiros Seus. "Se O buscares, será achado de ti." I Crôn. 28:9.
"Batei." Mat. 7:7. Vamos ter com Deus por um convite especial, e Ele nos espera para dar-nos as boas-vindas a Sua câmara de audiência. Os primeiros discípulos que seguiram a Jesus não ficaram satisfeitos com uma conversa rápida com Ele pelo caminho; disseram: "Rabi, ... onde moras? ... Foram, e viram onde morava, e ficaram com Ele aquele dia." João 1:38 e 39. Assim podemos ser admitidos na maior intimidade e comunhão com Deus. "Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará." Sal. 91:1. Batam, aqueles que desejam as bênçãos de Deus, e esperem à porta da misericórdia com firme certeza, dizendo: Pois Tu, ó Senhor, disseste: "Aquele que pede recebe; e o que busca encontra; e, ao que bate, se abre." Mat. 7:8.
Jesus olhava aos que se achavam reunidos a ouvir-Lhe as palavras, desejando ansiosamente que a grande multidão
apreciasse a misericórdia e a amorável bondade de Deus. Para ilustrar a necessidade deles, e a divina boa vontade de dar, apresenta-lhes o quadro de uma criança com fome, pedindo pão a seus pais terrestres. "E qual dentre vós é o homem", disse, "que, pedindo-lhe pão o seu filho, lhe dará uma pedra?" Mat. 7:9. Apela para a terna e natural afeição de um pai para seu filho, e depois diz: "Se, vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos Céus, dará bens aos que Lhe pedirem?" Mat. 7:11. Homem algum que tenha um coração de pai, se desviaria de seu filho com fome, a pedir pão. Poderiam eles imaginá-lo capaz de gracejar com a criança ou de martirizá-la despertando-lhe a esperança, só para depois a decepcionar? Prometeria ele dar-lhe bom e nutritivo alimento, para depois dar-lhe uma pedra? E desonraria alguém a Deus imaginando que Ele não atendesse aos apelos de Seus filhos?
Se vós, pois, sendo humanos e maus, "sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que Lho pedirem?" Luc. 11:13. O Espírito Santo, Seu próprio representante, é o maior de todos os dons. Todas as "boas coisas" (Mat. 7:11) se acham compreendidas nesse dom. O próprio Criador não nos pode dar coisa alguma maior, coisa alguma melhor. Quando rogamos ao Senhor que tenha piedade de nós em nossa aflição, e nos guie por Seu Santo Espírito, Ele nunca rejeitará nossa oração. É possível que mesmo um pai terrestre desatenda a seu filho com fome, mas Deus jamais desprezará o grito do necessitado e ansioso coração. Com que maravilhosa ternura descreveu Ele o Seu amor!
Para os que, nos dias escuros, julgam que Deus os esqueceu, eis a mensagem do coração do Pai: "Sião diz: Já me desamparou o Senhor; o Senhor Se esqueceu de mim. Pode uma mulher esquecer-se tanto de seu filho que cria, que se não compadeça dele, do filho do seu ventre? Mas, ainda que esta se esquecesse, Eu, todavia, Me não esquecerei de ti. Eis que, na palma das Minhas mãos, te tenho gravado." Isa. 49:14-16.
Toda promessa na Palavra de Deus nos fornece assunto de oração, apresentando a empenhada palavra de Jeová como nossa garantia. Seja qual for a bênção espiritual de que necessitemos, cabe-nos o privilégio de reclamá-la por meio de Jesus. Podemos dizer ao Senhor, com a singeleza de uma criança, justamente o que necessitamos. Podemos declarar-Lhe nossos negócios temporais, pedindo-Lhe pão e roupa da mesma maneira que o pão da vida e o vestido da justiça de Cristo. Vosso Pai celeste sabe que tendes necessidade de todas estas coisas, e sois convidados a pedir-Lhas. É mediante o nome de Jesus que se recebe todo favor. Deus honrará esse nome, e suprirá vossas necessidades dos tesouros de Sua liberalidade.
Não esqueçais, porém, que, ao vos chegardes a Deus como vosso Pai, reconheceis vossa relação de filho. Não somente confiais em Sua bondade, mas em tudo vos submeteis ao Seu querer, sabendo que Seu amor é imutável. Entregai-vos para fazer-Lhe o serviço. Foi àqueles a quem Jesus mandou que buscassem primeiro o reino de Deus e Sua justiça, que Ele deu a promessa: "Pedi e recebereis." João 16:24.
Os dons dAquele que tem todo poder no Céu e na Terra, estão reservados para os filhos de Deus. Dons tão preciosos que
nos advêm por intermédio do precioso sacrifício do sangue do Redentor; dons que satisfarão os mais profundos anseios do coração; dons tão perduráveis como a eternidade, serão recebidos e desfrutados por todos os que se aproximarem de Deus como criancinhas. Tomai as promessas de Deus como vos pertencendo, alegai-as diante dEle como Suas próprias palavras, e recebereis a plenitude da alegria.
"Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós." Mat. 7:12.
A seguir a certeza do amor de Deus para conosco, Jesus recomenda amar-nos uns aos outros, em um vasto princípio que abrange todas as relações dos homens entre si.
Os judeus se interessavam no que deviam receber; a preocupação que os fazia ansiosos era garantir-se aquilo a que se julgavam com direito quanto ao poder, ao respeito e ao serviço. Cristo ensina, porém, que nossa ansiedade não devia ser: Quanto devemos receber? mas: Quanto podemos dar? A norma de nossa obrigação para com os outros é-nos apresentada naquilo que nós mesmos consideramos como sua obrigação para conosco.
Em vossa associação com outros, colocai-vos em seu lugar. Penetrai-lhes nos sentimentos, nas dificuldades, nas decepções, nas alegrias e tristezas. Identificai-vos com eles, e depois, fazei-lhes como, se fossem trocados os lugares, desejaríeis que eles procedessem para convosco. Essa é a verdadeira regra da honestidade. É outra expressão da lei:
"Amarás o teu próximo como a ti mesmo." Mat. 22:39. E isso constitui a substância dos ensinos dos profetas. É um princípio do Céu, e desenvolver-se-á em todos quantos se acharem habilitados a participar de sua santa convivência.
A regra áurea é o princípio da verdadeira cortesia, e sua mais genuína ilustração se manifesta na vida e no caráter de Jesus. Oh! que suave e bela influência partia da vida diária de nosso Salvador! Que doçura exalava só de Sua presença! O mesmo espírito se revelará em Seus filhos. Aqueles em quem Cristo habita, serão circundados duma atmosfera divina. Suas brancas vestes de pureza exalarão o perfume do jardim do Senhor. Seus rostos refletirão a luz do Seu, iluminando o trilho para pés fatigados e prontos a tropeçar.
Homem algum que tenha o verdadeiro ideal quanto a um caráter perfeito, deixará de manifestar o espírito de compreensão e ternura de Cristo. A influência da graça há de abrandar o coração, refinar e purificar os sentimentos, dando uma delicadeza e um senso de correção de origem celeste.
Mas há ainda uma significação mais profunda na regra áurea. Todo aquele que foi feito mordomo da multiforme graça de Deus, é chamado a comunicá-la a almas que jazem na ignorância e nas trevas, da mesma maneira que, estivesse ele no lugar dessas almas, desejaria que elas lha comunicassem. Disse o apóstolo Paulo: "Eu sou devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes." Rom. 1:14. Por tudo quanto tendes aprendido acerca do amor de Deus, por tudo quanto tendes recebido dos ricos dons de Sua graça acima da mais entenebrecida e degradada alma da Terra, sois devedores para com essa alma no sentido de lhe comunicar esses dons.
Da mesma maneira quanto aos dons e bênçãos desta vida: tudo quanto possuís acima de vossos semelhantes, coloca-vos, na mesma proporção, em débito para com os menos favorecidos. Possuamos nós fortuna, ou mesmo os confortos da vida, achamo-nos na mais solene obrigação de cuidar dos sofredores enfermos, das viúvas e dos órfãos, exatamente como desejaríamos que eles cuidassem de nós, caso se invertessem as condições.
A regra áurea, implicitamente, ensina a mesma verdade apresentada noutra parte do Sermão da Montanha que "com a mesma medida com que medirdes também vos medirão de novo". Luc. 6:38. Aquilo que fazemos aos outros, seja bem ou seja mal, terá, certamente, sua reação sobre nós, quer em bênção quer em maldição. Tudo quanto dermos, havemos de tornar a receber. As bênçãos terrestres que comunicamos a outros podem ser, e são-no com freqüência, retribuídas em bondade. O que damos, é-nos muitas vezes recompensado, em tempos de necessidade, quadruplicado, na moeda do reino. Além disto, porém, todas as dádivas são retribuídas, mesmo aqui, em uma mais plena absorção de Seu amor, o que é o resumo de toda glória celeste e seu tesouro. E o mal comunicado volve também. Todo aquele que se tem sentido na liberdade de condenar ou levar outros ao desânimo, será, em sua própria vida, levado a passar pela experiência por que fez outros passarem; sentirá aquilo que eles sofreram devido à sua falta de compassiva compreensão e ternura.
É o amor de Deus para conosco que assim decretou. Ele nos quer levar a aborrecer nossa dureza de coração, e abrir o mesmo para que Jesus aí venha a habitar. E assim, do mal se produz um bem, e o que parecia maldição, torna-se bênção.
A norma da regra áurea é a verdadeira norma do
cristianismo; tudo que a deixa de cumprir, é um engano. Uma religião que induz os homens a estimarem em pouco os seres humanos, avaliados por Cristo em tão alto valor que por eles Se deu; uma religião que nos leve a negligenciar as necessidades humanas, seus sofrimentos ou direitos, é religião falsa. Menosprezando os direitos do pobre, do sofredor e do pecador, estamo-nos demonstrando traidores a Cristo. É porque os homens usam o nome de Cristo ao passo que Lhe negam o caráter na vida que vivem, que o cristianismo tem no mundo tão pouco poder. O nome do Senhor é blasfemado por causa dessas coisas.
Nos dias em que a glória do Cristo ressurgido resplandecia sobre ela, foi dito da igreja apostólica que ninguém dizia "que coisa alguma do que possuía era sua própria". Atos 4:32. "Não havia, pois, entre eles necessitado algum." Atos 4:34. "E os apóstolos davam, com grande poder, testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça." Atos 4:33. "E, perseverando unânimes todos os dias no templo e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e caindo na graça de todo o povo. E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar." Atos 2:46 e 47.
Rebuscai o céu e a Terra, e não existe aí, revelada, uma verdade mais poderosa do que aquela que se manifesta em obras de misericórdia aos que necessitam de nossa simpatia e auxílio. Esta é a verdade tal como se encontra em Jesus. Quando os que professam o nome de Cristo praticarem os princípios da regra áurea, o evangelho será apoiado pelo mesmo poder que o acompanhava na era apostólica.
"Estreita é a porta, e apertado, o caminho que leva à vida." Mat. 7:14.
Nos dias de Cristo, o povo da Palestina vivia em cidades muradas, situadas, na maioria dos casos, sobre colinas e montes. As portas, que se cerravam ao pôr-do-sol, eram alcançadas por meio de caminhos íngremes e pedregosos, e o caminhante que se dirigia para casa ao fim do dia, tinha muitas vezes de o percorrer em ansiosa pressa, galgando a penosa subida, a fim de chegar à porta antes do cair da noite. O retardatário ficava de fora.
O estreito e ascendente caminho que conduzira ao lar e ao descanso forneceu a Jesus uma impressiva imagem do caminho cristão. A vereda que vos tenho proposto, disse Ele, é estreita; a porta é de difícil entrada, pois a regra áurea exclui todo orgulho e interesse egoísta. Há, na verdade, uma estrada mais larga; mas seu fim é a destruição. Se quereis galgar o trilho da vida espiritual, deveis ascender continuamente; pois sua direção é para cima. Precisais marchar com os poucos; a multidão preferirá o caminho descendente.
Na estrada que conduz à morte pode caminhar a raça inteira, com todo o seu mundanismo, todo o seu egoísmo, orgulho, desonestidade e aviltamento moral. Há espaço para as opiniões e doutrinas de todo homem, margem para seguir suas inclinações, para fazer seja o que for que lhe ditar o amor-próprio. A fim de andar pela estrada que leva à destruição, não é necessário procurar o caminho, pois larga é a porta, e espaçoso o caminho, e os pés se volvem naturalmente para a estrada que termina na morte.
O caminho para a vida, porém, é apertado, e estreita é a
porta. Se vos apegais a qualquer pecado que vos rodeia, achareis o caminho demasiado estreito para poderdes entrar. Vossos próprios caminhos, vossa própria vontade, vossos maus hábitos e práticas, devem ser abandonados, se quiserdes prosseguir no caminho do Senhor. Aquele que quer servir a Cristo não pode acompanhar as opiniões do mundo ou satisfazer-lhe as normas. A vereda do Céu é demasiado estreita para as riquezas e as posições nela desfilarem, demasiado estreita para a ostentação de egocêntricas ambições, íngreme e acidentada demais para ser escalada pelos amantes da comodidade. Labuta, paciência, sacrifício, dificuldade, pobreza, a contradição dos pecadores contra Si, eis a porção de Cristo, e o mesmo deve ser nosso quinhão se queremos entrar um dia no paraíso de Deus.
Todavia, não concluais que a vereda ascendente seja a penosa e a que vai em declive seja a cômoda. Por toda a estrada que conduz à morte há dores e penalidades, há aflições e desapontamentos, há advertências a não prosseguir avante. O amor de Deus tornou penoso os descuidosos e os obstinados se destruírem a si mesmos. Verdade é que a estrada de Satanás é arranjada de molde a parecer atraente, mas é tudo uma ilusão; há no caminho do mal cruéis remorsos e corrosivos cuidados. Podemos julgar aprazível seguir o orgulho e a ambição mundana; o fim disso, porém, é aflição e dor. Os planos egoístas talvez apresentem lisonjeiras perspectivas e acenem com a esperança de alegria; mas verificaremos que nossa felicidade é envenenada, e nossa vida amargurada pelas esperanças que se concentram no próprio eu. Na estrada descendente, talvez a entrada esteja adornada com flores, mas encontram-se espinhos no percurso. A luz da esperança que irradia à sua entrada, extingue-se nas trevas do desespero; e a alma que segue por esse caminho baixa às sombras de uma noite sem fim.
"O caminho dos prevaricadores é áspero" (Prov. 13:15), mas os da sabedoria "são caminhos de delícias, e todas as suas veredas, paz." Prov. 3:17. Todo ato de obediência a Cristo, todo ato de abnegação por amor dEle, toda prova devidamente suportada, toda vitória ganha sobre a tentação, é um passo dado na marcha para a glória da vitória final. Se tomamos a Cristo como nosso guia, Ele nos conduzirá a salvo. O maior dos pecadores não precisa errar seu caminho. Nenhum trêmulo pesquisador precisa deixar de andar na pura e santa luz. Embora seja o caminho tão estreito, tão santo que nele não se tolera pecado algum, foi todavia garantido acesso a todos, e nenhuma duvidosa e tremente alma necessita dizer: "Deus não cuida de mim."
A estrada pode ser áspera, e a subida escarpada; pode haver precipícios à direita e à esquerda; talvez tenhamos de suportar fadiga em nossa jornada; quando cansados, quando ansiando repouso, poderemos ter de labutar ainda; talvez tenhamos de combater quando já desfalecidos; quando desanimados, precisamos ter ainda esperança; mas, com Cristo como nosso guia, não deixaremos de alcançar o desejado porto afinal. O próprio Cristo trilhou o rude caminho antes de nós, e suavizou-o para os nossos pés.
E por todo o íngreme trilho que ascende em direção à vida eterna, encontram-se nascentes de alegria para refrigerar o cansado. Os que andam pelo caminho da sabedoria são, mesmo quando atribulados, eminentemente jubilosos; pois Aquele a quem sua alma ama caminha, invisível, ao seu lado. A cada passo ascendente, percebem, mais distintamente, o contato de Sua mão; a cada passo mais raios de glória vindos do Invisível lhes incidem na estrada; e seus hinos de louvor, alcançando sempre mais elevada nota, elevam-se para unir-se aos cânticos dos anjos perante o trono.
"A vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito." Prov. 4:18.
"Porfiai por entrar pela porta estreita." Luc. 13:24.
O atrasado caminhante, apressando-se para chegar à porta da cidade ao pôr-do-sol, não se podia desviar por qualquer atração no caminho. Todo o seu pensamento se concentrava no único desígnio - entrar pela porta. A mesma intensidade de propósito, disse Jesus, exige-se na vida cristã. Tenho desvendado perante vós a glória do caráter, que é a verdadeira glória do Meu reino. Ela não vos oferece nenhuma perspectiva de domínio terrestre; é, todavia, merecedora de vosso supremo desejo e esforço. Não vos chamo a combater pela supremacia do grande império do mundo, mas não deveis concluir daí que não haja batalha a ser travada, nem vitória a ganhar. Peço-vos que vos esforceis, que vos angustieis por entrar em Meu reino espiritual.
A vida cristã é uma batalha e uma marcha. Mas a vitória a ser ganha não é obtida por força humana. O campo de luta é o domínio do coração. A batalha que temos a ferir - a maior de quantas já foram travadas pelo homem - é a entrega do próprio eu à vontade de Deus, a sujeição do coração à soberania do amor. A velha natureza, nascida do sangue e da vontade da carne, não pode herdar o reino de Deus. As tendências hereditárias, os hábitos antigos, devem ser renunciados.
Aquele que determina entrar no reino espiritual, verificará
que todas as forças e paixões de uma natureza não regenerada, fortalecidas pelos poderes das trevas, acham-se arregimentadas contra ele. O egoísmo e o orgulho tomarão posição contra tudo que os aponte como pecado. Não podemos, de nós mesmos, vencer os maus desejos e hábitos que lutam pela predominância. Não nos é possível dominar o poderoso inimigo que nos mantém em escravidão. Unicamente Deus nos pode dar a vitória. Ele deseja que tenhamos o domínio de nós mesmos, de nossa vontade e de nossos caminhos. Ele não pode, todavia, operar em nós contra o nosso consentimento e cooperação. O Espírito divino opera mediante as faculdades e poderes conferidos ao homem. Nossas energias são requeridas para cooperar com Deus.
A vitória não é ganha sem muita e fervorosa oração, sem a humilhação do próprio eu a cada passo. Nossa vontade não deve ser forçada a cooperar com os agentes celestes, mas voluntariamente sujeitada. Se fosse possível forçar sobre vós, com centuplicada intensidade, a influência do Espírito de Deus, isto não vos tornaria um cristão, um súdito apto para o Céu. A fortaleza de Satanás não seria abatida. A vontade deve ser colocada ao lado da vontade de Deus. Não sois capazes, por vós mesmos, de sujeitar vossos desígnios, desejos e inclinações à vontade de Deus; mas se permitires, Deus efetuará a obra por vós, destruindo até "os conselhos e toda altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo o entendimento à obediência de Cristo". II Cor. 10:5. Haveis de então operar "vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que
opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a Sua boa vontade". Filip. 2:12 e 13.
Muitos que ainda recuam em face das condições indispensáveis a que as venham a possuir são atraídos pela beleza de Cristo e a glória do Céu. Há no caminho largo muitos que não se acham plenamente satisfeitos com a estrada que vão palmilhando. Anseiam romper com a escravidão do pecado, e em sua própria força, põem-se em guarda contra seus maus hábitos. Olham para o caminho apertado e a porta estreita; mas o prazer egoísta, o amor do mundo, o orgulho, as ambições profanas, colocam uma barreira entre eles e o Salvador. Renunciar a sua própria vontade, suas escolhas, seus empreendimentos, exige um sacrifício diante do qual hesitam, vacilam e tornam atrás. Muitos "procurarão entrar e não poderão". Luc. 13:24. Desejam o bem, fazem algum esforço para obtê-lo; não o escolhem, porém; não têm um determinado propósito de o alcançar seja qual for o custo.
Nossa única esperança, se queremos vencer, é unir nossa vontade à vontade de Deus, e operar em cooperação com Ele hora a hora, dia a dia. Não nos é possível reter o eu, e não obstante entrar no reino de Deus. Se havemos de atingir um dia a santidade, será mediante a renúncia do próprio eu e a recepção da mente de Cristo. O orgulho e a suficiência própria devem ser crucificados. Estamos nós dispostos a pagar o preço que nos é exigido? Estamos dispostos a pôr nossa vontade em perfeita conformidade com a vontade de Deus? Até que estejamos prontos a fazê-lo, não pode a transformadora graça de Deus manifestar-se em nós.
A luta que nos cumpre travar, é o "bom combate da fé". (II Tim. 4:7.)
"Também trabalho", disse o apóstolo Paulo, "combatendo segundo a Sua eficácia, que opera em mim poderosamente." Col. 1:29.
Na grande crise de sua vida, Jacó retirou-se para orar. Estava cheio de um dominante propósito - buscar a transformação de caráter. Mas, enquanto pleiteava com Deus, um inimigo, segundo supunha, colocou-lhe a mão em cima, e durante a noite toda ele lutou em defesa da própria vida. O propósito de sua alma, no entanto, não se alterou mesmo pelo perigo da vida. Quase esgotadas suas forças, o Anjo manifestou Seu divino poder e, a um toque Seu, Jacó reconheceu com quem estava lutando. Ferido e impotente, caiu ao peito do Salvador, rogando uma bênção. Não se desviaria nem deixaria de interceder, e Cristo assegurou a petição desta impotente e arrependida alma, segundo a Sua promessa: "Que se apodere da Minha força e faça paz comigo; sim, que faça paz comigo." Isa. 27:5. Jacó insistiu com um espírito determinado: "Não Te deixarei ir, se me não abençoares." Gên. 32:26. Esse espírito de persistência foi inspirado por Aquele que lutou com o patriarca. Foi Ele que lhe deu a vitória, e mudou-lhe o nome de Jacó, para Israel, dizendo: "Como príncipe, lutaste com Deus e com os homens e prevaleceste." Gên. 32:28. Aquilo pelo que Jacó, em vão, lutara em sua própria força, foi ganho pela entrega de si mesmo e uma firme fé. "Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé." I João 5:4.
"Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas." Mat. 7:15.
Ensinadores da mentira surgirão a fim de desviar-vos do caminho apertado e da porta estreita. Acautelai-vos com eles; conquanto ocultos em peles de ovelhas, são interiormente lobos devoradores. Jesus dá uma prova pela qual os falsos mestres se podem distinguir dos verdadeiros. "Por seus frutos os conhecereis", diz Ele. "Porventura, colhem-se uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos?" Mat. 7:16.
Não nos é recomendado que os provemos por seus belos discursos e exaltadas profissões de fé. Devem ser julgados pela Palavra de Deus. À "Lei, e ao Testemunho: se eles não falarem segundo esta Palavra, é porque não têm iluminação". Isa. 8:20, Trad. Trinitariana. "Filho meu, se deixas de ouvir a instrução, desviar-te-ás das palavras do conhecimento." Prov. 19:27. Que mensagem trazem esses mestres? Acaso ela vos induz a reverenciar e temer a Deus? A manifestar vosso amor para com Ele mediante a lealdade a Seus mandamentos? Se os homens não sentem o peso da lei moral; se menosprezam os preceitos de Deus; se transgridem um dos mais pequenos de Seus mandamentos, e assim ensinam aos homens, não serão de nenhum valor aos olhos do Céu. Podemos saber que suas pretensões não têm fundamento. Estão fazendo justamente a obra que se originou com o príncipe das trevas, o inimigo de Deus.
Nem todos quantos professam Seu nome e Lhe usam a insígnia são de Cristo. Muitos que ensinaram em Meu nome, disse Jesus, serão afinal achados em falta. "Muitos Me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em Teu nome? E, em Teu nome, não expulsamos demônios? E, em Teu nome, não fizemos muitas maravilhas? E, então, lhes direi
abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de Mim, vós que praticais a iniqüidade." Mat. 7:22 e 23.
Pessoas há que acreditam estar direito, quando estão erradas. Ao passo que pretendem ter a Cristo por Seu Senhor, e professam fazer grandes obras em Seu nome, são obreiras da iniqüidade. "Lisonjeiam com a sua boca, mas o seu coração segue a sua avareza." Ezeq. 33:31. A Palavra de Deus é para eles "como uma canção de amores, canção de quem tem voz suave e que bem tange; porque ouvem as Tuas palavras, mas não as põem por obra". Ezeq. 33:32.
Uma mera profissão de discipulado, não tem nenhum valor. A fé em Cristo que salva a alma, não é o que muitos a representam ser. "Crede, crede", dizem eles, "e não necessitais guardar a lei." Mas uma crença que não leva à obediência, é presunção. Diz o apóstolo João: "Aquele que diz: Eu conheço-O e não guarda os Seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade." I João 2:4. Que ninguém nutra a idéia de que providências especiais ou manifestações miraculosas devam ser a prova da genuinidade de sua obra ou das idéias que advogam. Quando as pessoas falam levianamente da Palavra de Deus, e colocam suas impressões, sentimentos e exercícios religiosos acima da norma divina, podemos saber que elas não têm luz.
A obediência é a prova do discipulado. É a observância dos mandamentos que prova a sinceridade de nossas profissões de amor. Quando a doutrina que aceitamos mata no coração o pecado, purifica a alma da contaminação, dá frutos para a santidade, podemos saber que é a verdade de Deus. Quando se manifestam na vida a beneficência, a bondade, a brandura de
coração, o espírito compassivo; quando a alegria de fazer o bem nos enche o coração; quando exaltamos a Cristo e não ao próprio eu, podemos saber que nossa fé é da devida espécie. "E nisto sabemos que O conhecemos: se guardarmos os Seus mandamentos." I João 2:3.
"E não caiu, porque estava edificada sobre a rocha." Mat. 7:25.
O povo ficara profundamente comovido com as palavras de Jesus. A divina beleza dos princípios da verdade os atraiu; e as solenes advertências de Cristo haviam-lhes soado como a voz de Deus que esquadrinha o coração. Suas palavras golpearam na própria raiz suas anteriores idéias e opiniões; obedecer-Lhe aos ensinos, exigiria uma mudança de todos os seus hábitos de pensar e agir. Pô-los-ia em choque com seus mestres religiosos, pois envolveria o desmoronamento de toda a estrutura que, por gerações, os rabis tinham estado a construir. Daí, se bem que o coração do povo correspondesse a Suas palavras, poucos estavam dispostos a aceitá-las como a norma de sua vida.
Jesus concluiu Seus ensinos no monte com uma ilustração que apresentava com frisante nitidez a importância de pôr em prática as palavras que Ele havia proferido. Entre as multidões que se comprimiam em redor do Salvador, muitos havia que tinham passado a vida nos arredores do mar da Galiléia. Ali, sentados na encosta do monte, a ouvir as palavras de Cristo, tinham diante de si vales e barrancos através dos quais fluíam as torrentes das montanhas em direção do mar. No verão, essas
águas quase desapareciam, deixando apenas um seco e poeirento canal. Quando, porém, as tempestades do inverno rebentam sobre os montes, os rios, tornam-se impetuosas, devastadoras torrentes, inundando por vezes os vales, e carregando tudo em sua irresistível enchente. Freqüentemente, então, as choupanas erguidas pelos camponeses na planície coberta de relva e que, aparentemente, se achavam fora do alcance do perigo, eram arrebatadas. No alto da montanha, no entanto, achavam-se casas edificadas sobre a rocha. Em algumas partes do país havia moradas construídas inteiramente de rocha, e muitas delas tinham suportado as tempestades de um milênio. Essas casas haviam sido erguidas à custa de fadiga e árduo labor. Não eram de fácil acesso, e o local em que estavam não era convidativo como o do verdejante vale. Estavam, porém, fundadas sobre a rocha; em vão sobre elas batiam as enchentes e as tempestades.
Semelhante aos edificadores dessas casas nas rochas, disse Jesus, é aquele que receber as palavras que vos tenho falado, tornando-as o fundamento de seu caráter, de sua vida. Séculos atrás, escrevera o profeta Isaías: "A palavra de nosso Deus subsiste eternamente" (Isa. 40:8); e Pedro, muito depois de haver sido feito o Sermão da Montanha, citando essas palavras de Isaías, acrescentou: "Esta é a palavra que entre vós foi evangelizada." I Ped. 1:25. A Palavra de Deus é a única coisa estável que nosso mundo conhece. É o firme fundamento. "O céu e a Terra passarão", disse Jesus, "mas as Minhas palavras não hão de passar." Mat. 24:35.
Os grandes princípios da lei, da própria natureza de Deus, acham-se contidos nas palavras de Cristo no monte. Quem quer que edifique sobre eles, está edificando sobre Cristo, a
Rocha dos séculos. Ao receber a Palavra, recebemos a Cristo. E só os que assim recebem Suas palavras estão construindo sobre Ele. "Ninguém pode pôr outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo." I Cor. 3:11. "Debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos." Atos 4:12. Cristo, a Palavra, a revelação de Deus - a manifestação de Seu caráter, Sua lei, Seu amor, Sua vida - é o único fundamento sobre que podemos edificar um caráter que subsista.
Edificamos sobre Cristo mediante o obedecer a Sua Palavra. Não é o que meramente se compraz na justiça, o que é justo, mas aquele que pratica a justiça. A santidade não é enlevo; é o resultado de entregar tudo a Deus; é fazer a vontade de nosso Pai celeste. Quando os filhos de Israel se achavam acampados nas fronteiras da Terra Prometida, não lhes era necessário apenas ter conhecimento de Canaã ou cantar os hinos de Canaã. Isto só por si não os levaria à posse das vinhas e olivais da boa terra. Só a poderiam tornar verdadeiramente sua pela ocupação, mediante o cumprimento das condições, o exercício de uma viva fé em Deus, o apoderarem-se de Suas promessas, enquanto Lhe obedeciam às instruções.
A religião consiste em praticar as palavras de Cristo; não praticá-las para granjear o favor de Deus, mas porque sem nenhum merecimento de nossa parte, recebemos o dom de Seu amor. Cristo faz depender a salvação do homem, não meramente da profissão, mas da fé que se manifesta em obras de justiça. Agir, não simplesmente dizer, eis o que se espera dos seguidores de Cristo. É por meio da ação que se edifica o caráter. "Todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus." Rom. 8:14.
Não aqueles cujo coração é tocado pelo Espírito, não aqueles que de quando em quando se submetem ao Seu poder, mas os que são guiados pelo Espírito, são os filhos de Deus.
Acaso desejais ser seguidor de Cristo, todavia não sabeis como começar? Estais em trevas, e não sabeis como encontrar a luz? Segui a luz que tendes. Assentai em vosso coração obedecer ao que conheceis da Palavra de Deus. Seu poder, Sua própria vida, residem em Sua Palavra. À medida que recebeis a Palavra com fé, ela vos comunica poder para obedecer. Ao passo que dais atenção à luz que tendes, maior luz vos advirá. Estais edificando sobre a Palavra de Deus, e vosso caráter será formado à semelhança do caráter de Cristo.
Cristo, o fundamento, é uma pedra viva; Sua vida se comunica a todos quantos se acham edificados nEle. "Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual." I Ped. 2:5. "No qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor." Efés. 2:21. As pedras se tornam uma com o fundamento; pois uma mesma vida se acha em todas. Esse edifício, tempestade alguma pode abater, pois
O que de Deus a vida compartilha,
Com Ele para sempre existirá.
Mas todo edifício, construído sobre outro fundamento que não seja a Palavra de Deus, ruirá. Aquele que, como os judeus do tempo de Cristo, edifica sobre a base de idéias e opiniões humanas, de formas e cerimônias inventadas pelos homens, ou sobre quaisquer obras que possa fazer independentemente da graça de Cristo, está erigindo sua estrutura de caráter sobre a movediça areia. As terríveis tempestades da tentação hão de
varrer o arenoso fundamento, deixando em ruínas sua casa, na praia do tempo.
"Portanto, assim diz o Senhor Jeová: ... Regrarei o juízo pela linha e a justiça, pelo prumo, e a saraiva varrerá o refúgio da mentira, e as águas cobrirão o esconderijo." Isa. 28:16 e 17.
Hoje, porém, a misericórdia pleiteia com o pecador. "Vivo Eu, diz o Senhor Jeová, que não tenho prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se converta do seu caminho e viva; convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por que razão morrereis?" Ezeq. 33:11. A voz que hoje fala ao impenitente é a voz dAquele que, em angústia de coração, exclamou ao contemplar a cidade amada: "Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis Eu ajuntar os teus filhos, como a galinha os seus pintos debaixo das asas, e não quiseste? Eis que a vossa casa se vos deixará deserta." Luc. 13:34 e 35. Em Jerusalém contemplou Jesus um símbolo do mundo que Lhe rejeitara e desprezara a graça. Ó coração obstinado, Ele chorava por ti! Mesmo quando as lágrimas de Jesus eram vertidas sobre o monte, Jerusalém ainda se poderia haver arrependido, escapando à sua condenação. Por um pouco ainda esperava o Dom do Céu por sua aceitação. Assim, ó coração, Cristo ainda te fala em acentos de amor: "Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a Minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e com ele cearei, e ele, comigo." Apoc. 3:20. "Eis aqui agora o tempo aceitável, eis aqui agora o dia da salvação." II Cor. 6:2.
Vós que apoiais vossa esperança no próprio eu, estais edificando na areia. Não é, porém, demasiado tarde para escapar da iminente ruína. Antes que irrompa a tempestade, fugi para o firme fundamento. "Assim diz o Senhor Jeová: Eis que Eu assentei em Sião uma pedra, uma pedra já provada, pedra preciosa de esquina, está bem firme e fundada; aquele que crer não se apresse." Isa. 28:16. "Olhai para Mim e sereis salvos, vós, todos os termos da Terra; porque Eu sou Deus, e não há outro." Isa. 45:22. "Não temas, porque Eu sou contigo; não te assombres, porque Eu sou o teu Deus; Eu te esforço, e te ajudo, e te sustento com a destra da Minha justiça." Isa. 41:10. "Não sereis envergonhados, nem confundidos em todas as eternidades." Isa. 45:17.