Enquanto Lutero abria ao povo da Alemanha a Bíblia, que até então estivera fechada, Tyndale era impelido pelo Espírito de Deus a fazer o mesmo pela Inglaterra. A Bíblia de Wycliffe fora traduzida do texto latino, que continha muitos erros. Nunca havia sido impressa, e tão elevado era o custo dos exemplares manuscritos, que, a não ser homens abastados ou nobres, poucos poderiam adquiri-los; demais, sendo estritamente proscrita pela igreja, tivera divulgação relativamente acanhada. Em 1516, um ano antes do aparecimento das teses de Lutero, Erasmo publicara sua versão grega e latina do Novo Testamento. Agora, pela primeira vez, a Palavra de Deus era impressa na língua original. Nesta obra muitos erros das versões anteriores foram corrigidos, dando-se mais clareza ao sentido. Levou muitos dentre as classes cultas a melhor conhecimento da verdade, e deu novo impulso à obra da Reforma. Mas o povo comum ainda estava, em grande parte, privado da Palavra de Deus. Tyndale deveria completar a obra de Wycliffe, dando a Bíblia a seus compatriotas.
Como estudante diligente e ardoroso investigador da verdade, recebeu o evangelho do Testamento grego de Erasmo. Destemidamente pregou suas convicções, insistindo em que toda a doutrina fosse provada pelas Escrituras. À pretensão romanista de que a igreja dera a Bíblia, e de que somente ela a poderia explicar, respondeu Tyndale: "Sabeis quem ensinou as águias a encontrar a presa? Pois bem, esse mesmo Deus
ensina Seus filhos famintos a encontrar o Pai em Sua Palavra. Longe de nos haverdes dado as Escrituras, sois vós que a tendes escondido de nós; sois vós que queimais os que as ensinam e, se pudésseis, queimaríeis as Escrituras mesmas." - D"Aubigné.
A pregação de Tyndale despertou grande interesse; muitos aceitaram a verdade. Mas os padres estavam alerta, e mal ele deixara o campo, esforçaram-se por destruir-lhe a obra por meio de ameaças e difamações. Muitas vezes eram bem-sucedidos nisso. "Que se deve fazer?" exclamava ele. "Enquanto semeio num lugar, o inimigo devasta o campo que acabo de deixar. Não posso estar em toda parte. Oh! se os cristãos possuíssem as Escrituras Sagradas em sua própria língua, poderiam por si mesmos resistir a esses sofismas. Sem a Bíblia é impossível firmar o leigo na verdade." - D"Aubigné.
Novo propósito toma então posse de seu espírito. "Era na língua de Israel", disse ele, "que se cantavam os salmos no templo de Jeová; e não falará o evangelho a língua da Inglaterra entre nós? ... Deve a igreja ter menos luz ao meio-dia do que à aurora? Os cristãos devem ler o Novo Testamento em sua língua materna." Os doutores e ensinadores da igreja discordavam entre si. Apenas pela Bíblia poderiam os homens chegar à verdade. "Um adota este doutor, outro aquele. ... Ora, cada um destes autores contradiz o outro. Como, pois, podemos nós distinguir quem fala certo de quem fala errado? ... Como? ... Em verdade pela Palavra de Deus." - D"Aubigné.
Não muito tempo depois, ilustrado doutor católico, empenhado em controvérsia com ele, exclamou: "Seríamos melhores estando sem as leis de Deus, do que sem as do papa." Tyndale replicou: "Desafio o papa e todas as suas leis; e, se Deus poupar minha vida, dentro em pouco farei com que um rapaz que conduz o arado saiba mais das Escrituras do que vós." - Anais da Bíblia Inglesa, de Anderson.
O propósito que começara a acalentar, de dar ao povo as Escrituras do Novo Testamento em sua própria língua, agora
se confirmava, e imediatamente se aplicou à obra. Expulso de sua casa pela perseguição, foi a Londres, e ali prosseguiu por algum tempo em seus labores, sem ser incomodado. Mas de novo a violência dos romanistas o obrigou a fugir. Toda a Inglaterra parecia cerrar-se para ele, e resolveu procurar abrigo na Alemanha. Ali começou a imprimir o Novo Testamento em inglês. Duas vezes foi o trabalho interrompido; mas, quando se lhe proibia imprimir numa cidade, ia para outra. Finalmente tomou o caminho de Worms, onde, poucos anos antes, Lutero havia defendido o evangelho perante a Dieta. Naquela antiga cidade havia muitos amigos da Reforma, e ali Tyndale prosseguiu em sua obra, sem mais estorvos. Três mil exemplares do Novo Testamento foram logo concluídos, e seguiu-se outra edição no mesmo ano.
Com grande ardor e perseverança, continuou seus labores. Apesar de terem as autoridades inglesas guardado seus portos com a mais estrita vigilância, a Palavra de Deus foi de várias maneiras secretamente levada para Londres, e ali circulou por todo o país. Os romanistas tentaram suprimir a verdade, mas em vão. O bispo de Durham, de uma vez comprou de um vendedor de livros, amigo de Tyndale, todo o seu estoque de Bíblias, com o intuito de destruí-las, supondo assim embaraçar grandemente a obra. Mas, ao contrário, com o dinheiro assim fornecido foi comprado material para uma nova e melhor edição, que, a não ser desta maneira, não poderia haver sido publicada. Quando mais tarde Tyndale foi preso, foi-lhe oferecida a liberdade sob condição de revelar os nomes dos que o haviam auxiliado a fazer as despesas para imprimir suas Bíblias. Respondeu que o bispo de Durham fizera mais do que qualquer outra pessoa, pois, pagando elevado preço pelos livros deixados em seu poder, habilitara-o a prosseguir com bom ânimo.
Tyndale foi traído e entregue aos inimigos, permanecendo por muitos meses na prisão. Finalmente deu testemunho da fé, morrendo mártir; mas as armas que preparara habilitaram outros soldados a batalhar por todos os séculos, mesmo até aos nossos dias.
Latimer sustentava do púlpito que a Bíblia deveria ser lida na língua do povo. O Autor da Escritura Sagrada, disse ele, "é o próprio Deus"; e esta Escritura participa do poder e da eternidade de seu Autor. "Não há rei, imperador, magistrado, ou governador ... que não tenha o dever de obedecer a ... Sua santa Palavra." "Não tomemos quaisquer atalhos, mas dirija-nos a Palavra de Deus: não andemos segundo nossos antepassados nem busquemos saber o que fizeram, mas sim o que deveriam ter feito." - Primeiro Sermão Pregado Perante o Rei Eduardo VI, Latimer.
Barnes e Frith, fiéis amigos de Tyndale, levantaram-se em defesa da verdade. Seguiram-se os Ridleys e Cranmer. Estes dirigentes da Reforma inglesa eram homens de saber, e quase todos tinham sido muito estimados pelo zelo e piedade na comunhão romana. Sua oposição ao papado resultou de seu conhecimento dos erros da "Santa Sé". Familiarizados com os mistérios de Babilônia, maior poder imprimiram a seus testemunhos contra ela.
"Farei agora uma estranha pergunta", disse Latimer. "Quem é o mais diligente bispo em toda a Inglaterra? ... Vejo-vos a ouvir e escutar que eu o nomeie. ... Eu vo-lo direi: é o diabo. ... Ele nunca abandona sua diocese; ... procurai-o quando quiserdes, sempre está em casa; ... está sempre junto a seu arado. ... Nunca o achareis ocioso, garanto-vos. ... Onde reside o diabo, ... fora com os livros, e venham as velas; fora com as Bíblias e venham os rosários; fora com a luz do evangelho, e venha a luz das velas, sim, ao meio-dia; ... abaixo a cruz de Cristo, viva o purgatório limpa-bolsas; ... fora com o vestir os nus, os pobres e os inválidos, e viva o cobrir de imagens e festivos ornamentos, o pau e a pedra; venham as tradições dos homens e suas leis, abaixo com as tradições de Deus e Sua santíssima Palavra. ... Quem dera fossem nossos prelados tão diligentes em semear a boa doutrina, como Satanás o é em semear o joio ou cizânia!" - Sermão do Arado, Latimer.
O grande princípio mantido por aqueles reformadores - princípio que fora sustentado pelos valdenses, por Wycliffe, João Huss, Lutero, Zwínglio e pelos que a eles se uniram - foi a autoridade infalível das Escrituras Sagradas como regra de fé e prática. Negavam o direito dos papas, concílios, padres e reis, de dirigirem a consciência em matéria de religião. A Bíblia era a sua autoridade, e por seus ensinos provavam todas as doutrinas e reivindicações. A fé em Deus e em Sua Palavra sustentava aqueles homens santos, ao renderem eles a vida no instrumento de tortura. "Consola-te", exclamou Latimer a seu companheiro de martírio, quando as chamas estavam a ponto de fazer silenciar-lhes a voz; "acenderemos neste dia na Inglaterra uma luz que, pela graça de Deus, espero jamais se apagará". - Obras de Hugo Latimer.
Na Escócia, a semente da verdade, espalhada por Columba e seus cooperadores, nunca foi totalmente destruída. Durante séculos, depois de as igrejas da Inglaterra se submeterem a Roma, as da Escócia mantiveram sua liberdade. No século XII, entretanto, o papado se estabeleceu ali, e em nenhum país exerceu mais absoluto domínio. Em parte alguma eram mais profundas as trevas. Todavia, ali chegaram raios de luz a penetrarem as trevas, apresentando a promessa do dia vindouro. Os lolardos, vindos da Inglaterra com a Bíblia e ensinos de Wycliffe, muito fizeram para preservar o conhecimento do evangelho, e cada século teve suas testemunhas e mártires.
Com a inauguração da grande Reforma, vieram os escritos de Lutero, e então o Novo Testamento inglês de Tyndale. Sem serem notados pela hierarquia, esses mensageiros atravessaram silenciosamente as montanhas e vales, reacendendo o facho da verdade quase a extinguir-se na Escócia, e desfazendo a obra que Roma fizera durante quatro séculos de opressão.
Deu então o sangue dos mártires novo ímpeto ao movimento. Os chefes romanistas, apercebendo-se subitamente do perigo que ameaçava a sua causa, levaram à fogueira alguns dos mais nobres e honrados filhos da Escócia. Não fizeram senão erigir um púlpito, do qual as palavras daquelas
testemunhas moribundas foram ouvidas por todo o país, fazendo a alma do povo vibrar no propósito firme de se libertar das algemas de Roma.
Hamilton e Wishart, príncipes no caráter bem como de nascimento, com grande número de discípulos mais humildes, renderam a vida na fogueira. Mas de junto da pira ardente de Wishart veio alguém a quem as chamas não reduziriam ao silêncio, alguém que, abaixo de Deus, vibraria o golpe de morte ao domínio papal, na Escócia.
João Knox desviara-se das tradições e misticismos da igreja, para alimentar-se das verdades da Palavra de Deus; e os ensinos de Wishart haviam confirmado sua resolução de abandonar a comunhão de Roma e ligar-se aos reformadores perseguidos.
Havendo seus companheiros insistido com ele para assumir o cargo de pregador, trêmulo, recuou dessa responsabilidade, e somente depois de dias de reclusão e doloroso conflito consigo mesmo, foi que consentiu. Mas, uma vez aceito por ele o cargo, foi avante com inflexível decisão e denodada coragem, enquanto lhe durou a vida. Este fiel e verdadeiro reformador não temia a face do homem. Os fogos do martírio, luzindo em redor dele, apenas serviam para despertar seu zelo a maior intensidade. Com o machado do carrasco pendendo ameaçadoramente sobre a cabeça, manteve-se em seu terreno, desfechando vigorosos golpes à direita e à esquerda, para demolir a idolatria.
Quando posto face a face com a rainha da Escócia, em cuja presença o zelo de muitos dirigentes do protestantismo se havia abatido, João Knox deu testemunho inquebrantável da verdade. Não seria ganho por meio de carinhos; não se subjugaria diante de ameaças. A rainha acusou-o de heresia. Ele havia ensinado o povo a receber uma religião proibida pelo Estado, declarou ela, e transgredira assim o mandamento de Deus, que ordena aos súditos obedecer a seus príncipes. Knox respondeu firmemente:
"Como a religião verdadeira não deriva dos príncipes mundanos a força original nem a autoridade, mas sim do eterno Deus, unicamente, não são assim os súditos obrigados a moldar
sua religião segundo o sabor dos príncipes. Pois muitas vezes acontece que os príncipes são os mais ignorantes de todos no tocante à verdadeira religião de Deus. ... Se toda a semente de Abraão houvesse sido da religião de Faraó, de quem foram súditos durante muito tempo, pergunto-vos, senhora, que religião teria havido no mundo? Ou se todos os homens nos dias dos apóstolos houvessem sido da religião dos imperadores romanos, que religião teria havido sobre a face da Terra? ... E assim, senhora, podeis compreender que os súditos não são obrigados a ter a religião de seus príncipes, conquanto se lhes recomende prestar-lhes obediência."
Disse Maria: "Interpretais as Escrituras de uma maneira, e eles [os ensinadores católicos, romanos] interpretam-nas de outra; a quem deverei crer, e quem será juiz?"
"Crereis em Deus, que claramente fala em Sua Palavra", respondeu o reformador; "e além do que a Palavra vos ensina não crereis nem a um nem a outro. A Palavra de Deus é clara por si mesma; e se aparecer qualquer obscuridade em um lugar, o Espírito Santo, que nunca é contrário a Si mesmo, em outros lugares explica a obscuridade de maneira mais clara, de modo que não poderá ficar dúvida a não ser para os que obstinadamente se conservem na ignorância." - Obras de João Knox, de Laing.
Essas foram as verdades que o destemido reformador, com perigo de vida, disse aos ouvidos da realeza. Com a mesma denodada coragem, manteve seu propósito, orando e ferindo as batalhas do Senhor; até que a Escócia ficou livre do papado.
Na Inglaterra, o estabelecimento do protestantismo como religião nacional diminuiu a perseguição mas não a deteve completamente. Enquanto muitas das doutrinas de Roma foram renunciadas, conservavam-se não poucas de suas formas. Foi rejeitada a supremacia do papa, mas em seu lugar o monarca foi entronizado como cabeça da igreja. No culto da igreja ainda havia largo desvio da pureza e simplicidade do evangelho. O grande princípio da liberdade religiosa não fora por enquanto compreendido. Ainda que só raramente os
governadores protestantes recorressem às horríveis crueldades que Roma empregava contra a heresia, o direito de cada homem adorar a Deus segundo os ditames de sua própria consciência não era ainda reconhecido. Exigia-se de todos aceitar as doutrinas e observar as formas de culto prescritas pela igreja estabelecida. Os dissidentes foram perseguidos, em maior ou menor grau, durante centenas de anos.
No século XVII, milhares de pastores foram destituídos de seus cargos. Foi proibido ao povo, sob pena de pesadas multas, prisão e banimento, assistir a qualquer reunião religiosa exceto às que eram sancionadas pela igreja. As almas fiéis que não podiam abster-se de se reunir para adorar a Deus, eram obrigadas a reunir-se nas ruas escuras, em sombrias águas-furtadas e, em certas estações, nos bosques à meia-noite. Na profundidade agasalhadora da floresta - templo construído pelo próprio Deus - aqueles dispersos e perseguidos filhos do Senhor se congregavam para derramar a alma em oração e louvor. Mas, a despeito de toda precaução, muitos sofreram pela fé. As cadeias estavam repletas. As famílias eram divididas. Muitos eram banidos para países estrangeiros. Contudo, Deus estava com Seu povo, e a perseguição não conseguia fazer silenciar-lhes o testemunho. Muitos foram impelidos para a América do Norte, através do Oceano, e ali lançaram os fundamentos da liberdade civil e religiosa, que tem sido o baluarte e glória desse país.
Novamente, como nos dias apostólicos, a perseguição redundou em favor do evangelho. Em nauseabundo calabouço, repleto de devassos e traidores, João Bunyan respirava a própria atmosfera do Céu; e ali escreveu a maravilhosa alegoria da viagem do peregrino, da terra da destruição para a cidade celestial. Por mais de dois séculos aquela voz da cadeia de Bedford tem falado com poder penetrante ao coração dos homens. O Peregrino e Graça Abundante ao Principal dos Pecadores, escritos por Bunyan, têm guiado muitos à senda da vida.
Baxter, Flavel, Alleine e outros homens de talento, cultura e profunda experiência cristã, ergueram-se em valorosa defesa
da fé que uma vez foi entregue aos santos. A obra realizada por esses homens, proscritos e renegados pelos governantes deste mundo, jamais poderá perecer. A Fonte da Vida e o Método da Graça, de Flavel, têm ensinado milhares a confiar a Cristo a guarda de sua alma. O Pastor Reformado, de Baxter, demonstrou-se uma bênção a muitos que desejam uma revivificação da obra de Deus, e O Eterno Repouso dos Santos efetuou seu trabalho levando almas ao "repouso que resta ainda para o povo de Deus".
Um século mais tarde, em tempo de grandes trevas espirituais, Whitefield e os Wesley apareceram como portadores da luz de Deus. Sob o domínio da igreja estabelecida, o povo da Inglaterra havia caído em tal declínio religioso que dificilmente se poderia diferençar do paganismo. A religião natural era o estudo favorito do clero e incluía a maior parte de sua teologia. As classes mais elevadas zombavam da piedade, e orgulhavam-se de estar acima do que chamavam fanatismo da mesma. As classes inferiores eram crassamente ignorantes e entregues ao vício, enquanto a igreja não mais tinha coragem nem fé para apoiar a causa esmorecida da verdade.
A grande doutrina da justificação pela fé, tão claramente ensinada por Lutero, fora quase de todo perdida de vista; e o princípio romanista de confiar nas boas obras para a salvação, tomara-lhe o lugar. Whitefield e os Wesley, que eram membros da igreja estabelecida, buscavam sinceramente o favor de Deus, e isto, haviam sido ensinados, deveria conseguir-se mediante vida virtuosa e pela observância das ordenanças da religião.
Quando Carlos Wesley caiu doente certa vez, e previu a aproximação da morte, foi interrogado sobre aquilo em que depositava a esperança de vida eterna. Sua resposta foi: "Tenho empregado meus melhores esforços para servir a Deus." Como o amigo que fizera a pergunta parecesse não ficar completamente satisfeito com a resposta, pensou Wesley: "Pois quê? Não são meus esforços razão suficiente para a esperança? Despojar-me-ia ele de meus esforços? Nada mais tenho em que confiar." - Vida de Carlos Wesley, de João Whitehead,
102. Tais eram as densas trevas que haviam baixado sobre a igreja, ocultando a obra de expiação, despojando a Cristo de Sua glória, e desviando a mente dos homens de sua única esperança de salvação - o sangue do Redentor crucificado.
Wesley e seus companheiros chegaram a ver que a verdadeira religião se localiza no coração, e que a lei de Deus se estende tanto aos pensamentos como às palavras e ações. Convictos da necessidade de pureza de coração, bem como da correção da conduta exterior, buscaram com zelo levar uma nova vida. Com oração e diligentes esforços, aplicavam-se a subjugar os males do coração natural. Viviam vida de renúncia, caridade e humilhação, observando com grande rigor e exatidão todas as medidas que julgavam lhes pudessem ser de auxílio para obter o que mais desejavam - a santidade que conseguia o favor de Deus. Mas não alcançaram o objetivo que procuravam. Nulos foram seus esforços para se libertar da condenação do pecado, ou para lhe quebrar o poder. Essa foi a mesma luta que Lutero experimentara em sua cela em Erfurt. A mesma questão lhe torturara a alma - "Como se justificaria o homem para com Deus?" Jó 9:2.
Os fogos da verdade divina, quase extintos sobre os altares do protestantismo, deveriam reacender-se do antigo facho legado através dos séculos pelos cristãos boêmios. Depois da Reforma, o protestantismo na Boêmia fora calcado a pés pelas hordas de Roma. Todos os que se recusavam a renunciar à verdade foram obrigados a fugir. Alguns destes, encontrando refúgio na Saxônia, ali mantiveram a antiga fé. Foi dos descendentes desses cristãos que a luz chegara a Wesley e a seus companheiros.
João e Carlos Wesley, depois de serem ordenados para o ministério, foram enviados em missão à América do Norte. A bordo do navio havia um grupo de morávios. Violentas tempestades acossaram-nos na travessia, e João Wesley, posto face a face com a morte, sentiu que não tinha a certeza de paz com Deus. Os alemães, ao contrário, manifestavam uma calma e confiança que lhe eram estranhas.
"Muito tempo antes", disse ele, "já eu havia observado a grande rigidez de sua conduta. De sua humildade haviam dado prova contínua, efetuando para os outros passageiros as ocupações servis que nenhum dos ingleses desempenharia; isto, sem desejarem nem receberem paga, dizendo que era bom para o seu coração orgulhoso, e que seu amante Salvador por eles fizera mais. E dia a dia manifestavam uma mansidão que nenhuma ofensa poderia abalar. Se eram empurrados, batidos ou derrubados, erguiam-se de novo e iam-se; mas nenhuma queixa lhes escapava dos lábios. Houve então uma oportunidade para provar se eram movidos pelo espírito de temor, ou de orgulho, ira e vingança. Em meio do salmo com que iniciaram seu culto, o mar enfureceu-se, reduzindo a pedaços a vela principal, cobrindo o navio e derramando-se pelos conveses como se o grande abismo já nos houvesse tragado. Terrível alarido surgiu entre os ingleses. Os alemães calmamente continuaram a cantar. Perguntei a um deles, depois: "Não ficastes com medo?" Ele respondeu: "Graças a Deus, não!" Perguntei: "Mas não ficaram com medo vossas mulheres e crianças?" Respondeu brandamente: "Não, nossas mulheres e crianças não têm medo de morrer."" - Vida de João Wesley, de Whitehead, 10.
Ao chegar a Savannah, Wesley demorou-se por um pouco de tempo com os morávios, ficando profundamente impressionado com a sua conduta cristã. Descrevendo um de seus cultos religiosos, que oferecia grande contraste com o culto formalista da igreja da Inglaterra, disse: "A grande simplicidade, assim como a solenidade que em tudo se notava, quase me fizeram esquecer os dezessete séculos decorridos, e imaginar-me eu numa daquelas assembléias onde não havia formas nem pompas, mas onde Paulo, o fabricante de tendas, ou Pedro, o pescador, presidiam, e contudo havia demonstração do Espírito e poder." - Ibidem, págs. 11 e 12.
Ao voltar para a Inglaterra, Wesley, sob a instrução de um pregador morávio, chegou a um entendimento mais claro da fé bíblica. Ficou convencido de que deveria renunciar a toda
confiança em suas próprias obras para a salvação, e que lhe cumpria confiar inteiramente no "Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo". Em uma reunião da Sociedade Morávia de Londres, foi lida uma declaração de Lutero, descrevendo a mudança que o Espírito de Deus opera no coração do crente. Ao ouvi-la, acendeu-se a fé na alma de Wesley. "Senti o coração aquecido de maneira estranha", disse ele. "Senti que confiava em Cristo, Cristo somente, para a salvação; e foi-me concedida certeza de que Ele tirara meus pecados, sim, os meus, e me salvara da lei do pecado e da morte." - Vida de João Wesley, de Whitehead, 52.
Durante longos e sombrios anos de esforços exaustivos, anos de rigorosa renúncia, acusações e humilhações, Wesley havia-se conservado firme em seu único propósito de procurar a Deus. Encontrou-O, por fim; e achou que a graça que labutara por alcançar pelas orações e jejuns, obras de caridade e abnegação, era um dom, "sem dinheiro, e sem preço".
Uma vez estabelecido na fé cristã, ardia-lhe a alma do desejo de espalhar por toda parte o conhecimento do glorioso evangelho da livre graça de Deus. "Considero o mundo todo minha paróquia", disse ele; "em qualquer parte em que me encontre julgo próprio, justo e de meu dever indeclinável, declarar a todos os que desejam ouvir, as alegres novas da salvação." - Vida de João Wesley, de Whitehead, 74.
Continuou em sua vida austera e abnegada, agora não como base, mas como resultado da fé; não como raiz, mas como fruto da santidade. A graça de Deus em Cristo é o fundamento da esperança do cristão e essa graça se manifestará em obediência. A vida de Wesley foi dedicada à pregação das grandes verdades que recebera - justificação pela fé no sangue expiatório de Cristo e no poder renovador do Espírito Santo a operar no coração, produzindo frutos em uma vida de conformidade com o exemplo de Cristo.
Whitefield e os Wesley foram preparados para a sua obra mediante longas e decididas convicções pessoais quanto à sua própria condição perdida; e, para que pudessem habilitar-se a
suportar agruras, como bons soldados de Cristo, estiveram sujeitos às severas provas do escárnio, zombaria e perseguição, tanto na Universidade como quando estavam a entrar para o ministério. Eles e alguns outros que com eles simpatizavam, eram desdenhosamente chamados metodistas por seus descrentes colegas de estudos - nome atualmente considerado honroso por uma das maiores denominações da Inglaterra e da América do Norte.
Como membros da Igreja Anglicana, apegavam-se fortemente às formas de culto da referida igreja; o Senhor, porém, lhes apresentara em Sua Palavra uma norma mais elevada. O Espírito Santo compelia-os a pregar a Cristo, e a Ele crucificado. O poder do Altíssimo acompanhava-lhes os labores. Milhares se convenciam e verdadeiramente se convertiam. Era necessário que essas ovelhas fossem protegidas dos lobos devoradores. Wesley não tinha intenção de formar uma nova denominação, mas organizou os conversos no que se chamou a União Metodista.
Misteriosa e probante foi a oposição que esses pregadores encontraram da parte da igreja estabelecida; Deus, contudo, em Sua sabedoria, dispusera os acontecimentos de modo a fazer com que a Reforma se iniciasse dentro da própria igreja. Se ela tivesse vindo inteiramente de fora, não teria penetrado no lugar em que era tão necessária. Mas como os pregadores do reavivamento eram membros da igreja, e trabalhavam dentro do grêmio da igreja quando quer que encontravam oportunidade, a verdade teve entrada onde as portas teriam de outra maneira permanecido fechadas. Alguns do clero despertaram de sua sonolência moral, e tornaram-se zelosos pregadores em suas próprias paróquias. Igrejas que se haviam petrificado pelo formalismo, acordaram para a vida.
No tempo de Wesley, como em todos os tempos da história da igreja, homens de diferentes dons efetuaram a obra que lhes estava designada. Não se harmonizavam em todos os pontos de doutrina, mas todos eram movidos pelo Espírito de Deus, e uniam-se no objetivo que os absorvia, de conquistar almas para Cristo. As divergências entre Whitefield e os Wesley ameaçaram certa vez estabelecer separação; mas, como tivessem na
escola de Cristo aprendido a humildade, reconciliaram-nos o perdão e a caridade mútua. Não tinham tempo para discutir, enquanto o erro e a iniqüidade abundavam por toda parte, e os pecadores sucumbiam na ruína.
Os servos de Deus palmilhavam caminho escabroso. Homens de influência e saber empregaram sua capacidade contra eles. Depois de algum tempo muitos dentre o clero manifestaram decidida hostilidade, e as portas da igreja fecharam-se contra a fé pura e contra os que a proclamavam. O procedimento do clero, denunciando-os do púlpito, suscitou os elementos das trevas, ignorância e iniqüidade. Reiteradas vezes João Wesley escapou da morte por um milagre da misericórdia de Deus. Quando a fúria da populaça foi excitada contra ele, e parecia não haver meio de escape, um anjo em forma humana vinha a seu lado, a plebe recuava, e o servo de Cristo saía em segurança do lugar de perigo.
De seu livramento da populaça enraivecida em uma dessas ocasiões, disse Wesley: "Muitos se esforçaram por atirar-me ao chão, enquanto por um caminho escorregadio descíamos uma colina para ir à cidade, imaginando que se eu caísse ao chão, dificilmente me levantaria outra vez. Mas não tropecei absolutamente, nem sequer sofri a mínima escorregadela, até que fiquei inteiramente fora de seu alcance. ... Posto que muitos se esforçassem por lançar mão de meu colarinho e vestes, para arrojar-me por terra, não puderam de maneira nenhuma firmar-se: apenas um segurou firme na aba de meu colete, que logo lhe ficou na mão; a outra aba, em cujo bolso havia uma nota de banco, foi rasgada apenas pela metade. ... Um homem robusto, precisamente por trás, vibrou contra mim várias vezes grossa vara de carvalho, com a qual, caso me houvesse uma única vez batido na parte posterior da cabeça, ter-se-ia livrado de mais incômodos. Mas todas as vezes as pancadas se desviavam para o lado, não sei como; pois não podia mover-me nem para a direita nem para a esquerda. ... Outro veio correndo através da multidão, e levantando o braço para bater-me, subitamente o deixou cair, e apenas me tocou de leve a cabeça, dizendo: "Que cabelo macio ele tem!" ...
Os primeiros homens a mudarem de atitude, foram os heróis populares, os líderes da plebe em todas as ocasiões, havendo um deles sido pugilista de circo.
"Por meio de quão suaves degraus nos prepara Deus para a Sua vontade! Há dois anos, um pedaço de tijolo roçou por meus ombros. Faz um ano que uma pedra me feriu entre os olhos. No mês passado recebi uma pancada, e nesta noite duas, uma antes que chegássemos à cidade, e outra depois que saímos; mas ambas não foram nada: pois conquanto um dos homens me batesse no peito com toda a força, e outro na boca com força tal que o sangue jorrou imediatamente, não senti de qualquer das pancadas dor maior do que se me houvessem tocado com uma palha." - Obras de Wesley.
Os metodistas daqueles primitivos dias - tanto o povo como os pregadores - suportavam ridículo e perseguição, não só dos membros da igreja mas também dos declaradamente irreligiosos que se inflamavam pelas falsas informações daqueles. Eram citados perante os tribunais de justiça - tribunais que o eram apenas de nome, pois a justiça era rara nas cortes daquele tempo. Freqüentemente sofriam violência por parte dos perseguidores. Multidões de populares iam de casa em casa destruindo móveis e bens, saqueando o que quer que desejassem, e brutalmente desacatando homens, mulheres e crianças. Nalguns casos eram afixados avisos públicos convocando os que desejavam ajudar a quebrar as janelas e saquear as casas metodistas, a se reunirem em um dado tempo e lugar. Estas flagrantes violações, tanto da lei humana como da divina, eram deixadas impunes. Promovia-se perseguição sistemática contra um povo cuja única falta era a de procurar desviar os pés dos pecadores, do caminho da destruição para a senda da santidade.
Disse João Wesley, referindo-se às acusações feitas contra ele e seus companheiros: "Alguns alegam que as doutrinas destes homens são falsas, errôneas e fanáticas; que são novas e delas não se ouviu senão ultimamente; que são quaquerismo, fanatismo e romanismo. Toda essa alegação já foi desfeita pela base, tendo sido amplamente demonstrado que todos os pontos
dessa doutrina são a clara doutrina das Escrituras, interpretada por nossa própria igreja. Portanto, não pode ser nem falsa nem errônea, uma vez que sejam verdadeiras as Escrituras." "Outros alegam: "Sua doutrina é muito estrita; elas tornam o caminho do Céu muito estreito." E esta é na verdade a objeção original (visto que foi quase a única durante algum tempo), e está secretamente contida em outras mil, que aparecem sob várias formas. Mas tornam eles o caminho do Céu de alguma maneira mais apertado do que nosso Senhor e Seus apóstolos o fizeram? É a sua doutrina mais estrita do que a da Bíblia? Considerai tão-somente alguns textos claros: "Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento!" "De toda a palavra ociosa que os homens disserem hão de dar conta no dia do juízo." "Quer comais, quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus."
"Se sua doutrina é mais estrita do que isto, são merecedores da censura; mas sabeis em vossa consciência que não o é. E quem poderá ser um til menos estrito, sem corromper a Palavra de Deus? Poderá qualquer despenseiro dos mistérios de Deus ser contado como fiel, se muda qualquer parte de tão sagrado depósito? Não, não pode diminuir coisa alguma, nada pode abrandar; é constrangido a declarar a todos os homens: "Não posso rebaixar as Escrituras ao vosso gosto. Deveis elevar-vos até elas, ou perecer para sempre." Este é o fundamento verdadeiro do outro clamor popular relativo à "falta de caridade desses homens". Sem caridade, são eles? Em que sentido? Não alimentam o faminto, nem vestem o nu? "Não, não é esse o caso: não estão em falta nisto. Mas são tão sem caridade no julgar! Acham que ninguém mais pode salvar-se além dos que seguem o caminho deles."" - Obras de Wesley.
O declínio espiritual ocorrido na Inglaterra precisamente antes do tempo de Wesley, foi em grande parte o resultado do ensino antinômico. Muitos afirmavam que Cristo abolira a lei moral, e que, portanto, os cristãos não estão na obrigação de a observar; que o crente está livre da "servidão das boas obras". Outros,
admitindo embora a perpetuidade da lei, declaravam não ser ela necessária aos ministros a fim de exortarem o povo à obediência de seus preceitos, desde que aqueles a quem Deus elegera para a salvação "seriam, pelo impulso irresistível da graça divina, levados à prática da piedade e virtude", ao passo que os que estavam destinados à condenação eterna "não tinham força para obedecer à lei divina".
Outros, sustentando também que "os eleitos não podem cair da graça, nem privar-se do favor divino", chegavam à conclusão ainda mais horrível de que "as ações ímpias que cometem não são realmente pecaminosas, nem devem considerar-se como violação da lei divina por parte deles, e que em conseqüência não têm motivo quer para confessar os pecados, quer para com os mesmos romper pelo arrependimento". - Enciclopédia de McClintok e Strong, artigo "Antinomias". Declaravam, portanto, que mesmo um dos mais vis pecados, "universalmente considerado como enorme violação da lei divina, não é pecado à vista de Deus", cometido por um dos eleitos, "porque é um dos característicos essenciais e distintivos dos eleitos o não poderem fazer coisa alguma que seja desagradável a Deus ou proibida pela lei".
Estas monstruosas doutrinas são essencialmente as mesmas que o ensino posterior dos educadores e teólogos populares, de que não há lei divina imutável como norma do que é reto, mas que o padrão da moralidade é indicado pela própria sociedade, e tem estado constantemente sujeito a mudança. Todas estas idéias são inspiradas pelo mesmo espírito superior, sim, por aquele que mesmo entre os habitantes celestiais, sem pecado, iniciou sua obra de procurar derruir as justas restrições da lei de Deus.
A doutrina dos decretos divinos, que inalteravelmente fixam o caráter dos homens, havia conduzido muitos à rejeição virtual da lei de Deus. Wesley perseverantemente se opôs aos erros dos ensinadores antinomistas, demonstrando que esta doutrina que levava ao antinomismo é contrária às Escrituras. "A graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos
os homens." "Isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade. Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem, o qual Se deu a Si mesmo em preço de redenção por todos." Tito 2:11; I Tim. 2:3-6. O Espírito de Deus é concedido livremente, para habilitar todos os homens a apoderar-se dos meios de salvação. Assim Cristo, "a verdadeira Luz", "ilumina a todo o homem que vem ao mundo". João 1:9. Os homens não conseguem a salvação, pela recusa voluntária da luz da vida.
Em resposta à alegação de que pela morte de Cristo foram abolidos os preceitos do decálogo, juntamente com a lei cerimonial, disse Wesley: "A lei moral, contida nos Dez Mandamentos e encarecida pelos profetas, Cristo não a anulou. Não era desígnio de Sua vinda revogar qualquer parte da mesma. Ela é uma lei que jamais poderá ser destruída, que "permanece firme como a fiel testemunha no Céu". ... Existiu desde o princípio do mundo, sendo "escrita não em tábuas de pedra mas no coração de todos os filhos dos homens, quando saíram das mãos do Criador. E conquanto as letras que uma vez foram escritas pelo dedo de Deus ora estejam em grande parte apagadas pelo pecado, não podem elas contudo ser totalmente obliteradas, enquanto tivermos qualquer consciência do bem e do mal. Todos os requisitos desta lei devem continuar vigorando para toda a humanidade, e em todos os tempos, não dependendo isto do tempo ou do lugar, nem de qualquer outra circunstância sujeita a mudança, mas da natureza de Deus e da natureza do homem, e da imutável relação existente entre um e outro.
""Não vim para destruir, mas cumprir." ... Inquestionavelmente, o que Ele quer dizer neste passo, em conformidade com tudo que precede e segue, é: Vim para estabelecê-la em sua plenitude, a despeito de todas as interpretações dos homens; vim para colocar em uma perspectiva ampla e clara o que quer que nela fosse obscuro; vim para declarar a significação verdadeira e completa de cada parte da lei; para mostrar o comprimento e largura, a extensão total, de cada mandamento nela contido, e a
altura e profundidade, a inconcebível pureza e espiritualidade dela, em todas as suas partes." - Obras de Wesley.
Wesley advogou a harmonia perfeita da lei e do evangelho. "Há, portanto, a mais íntima ligação que se pode conceber, entre a lei e o evangelho. Por um lado a lei continuamente nos abre o caminho para o evangelho, e no-lo aponta; por outro, o evangelho nos conduz ao cumprimento mais exato da lei. A lei, por exemplo, exige de nós amar a Deus e ao próximo, sermos mansos, humildes e santos. Sentimos não ser capazes destas coisas; sim, "isto para o homem é impossível"; mas vemos uma promessa de que Deus nos concederá esse amor, e nos fará humildes, mansos e santos; lançamos mão deste evangelho, destas alegres novas; é-nos feito segundo a nossa fé; e "a justiça da lei se cumpre em nós", pela fé em Cristo Jesus. ...
"Entre os mais acérrimos inimigos do evangelho de Cristo", disse Wesley, "estão os que aberta e explicitamente "julgam a lei", "falam mal da lei"; ensinam os homens a destruir (anular, afrouxar, desfazer a obrigação de observância), não apenas um dos menores ou dos maiores mandamentos, mas todos eles, de uma vez. ... A mais surpreendente de todas as circunstâncias que acompanham este grande engano, é que os que a ele se entregam crêem que realmente honram a Cristo subvertendo Sua lei, e que estão a engrandecer-Lhe o caráter quando se encontram a destruir Sua doutrina! Sim, honram-nO, exatamente como fez Judas, quando disse: "Eu Te saúdo, Mestre, e O beijou." E Ele pode de maneira igualmente justa dizer a cada um deles: "Trais o Filho do homem com um beijo?" Não é outra coisa senão traí-Lo com um beijo, falar de Seu sangue e arrancar-Lhe a coroa, considerando levianamente qualquer parte de Sua lei, sob o pretexto de fazer avançar Seu evangelho. Nem em verdade poderá escapar desta acusação alguém que pregue a fé de qualquer maneira que, direta ou indiretamente, tenda a pôr de parte qualquer ponto de obediência; que pregue a Cristo de modo a, de qualquer forma, anular ou enfraquecer o menor dos mandamentos de Deus." - Obras de Wesley.
Aos que insistiam em que "a pregação do evangelho responde a todos os fins da lei", Wesley replicava: "Isto negamos expressamente. Não corresponde ao primeiro objetivo da própria lei, a saber: convencer os homens do pecado, despertar aos que ainda dormem às bordas do inferno." O apóstolo Paulo declara que "pela lei vem o conhecimento do pecado"; "e antes que o homem esteja convicto do pecado, não sentirá verdadeiramente a necessidade do sangue expiatório de Cristo. ... "Não necessitam de médico os que estão sãos", como nosso Senhor mesmo observa, "mas, sim, os que estão enfermos". É absurdo, portanto, oferecer médico aos que estão sãos, ou que ao menos se imaginam assim. Deveis primeiramente convencê-los de que estão doentes; de outra maneira não vos agradecerão o trabalho. É igualmente absurdo oferecer Cristo àqueles cujo coração está são, não tendo ainda sido quebrantado." - Obras de Wesley.
Assim, enquanto pregava o evangelho da graça de Deus, Wesley, a exemplo de seu Mestre, procurava engrandecer a lei e torná-la gloriosa. Fielmente cumpriu a obra que Deus lhe confiara, e gloriosos foram os resultados que lhe foi permitido contemplar. No final de sua longa vida de mais de oitenta anos - havendo sido mais de meio século empregado no ministério itinerante - seus adeptos declarados eram em número de mais de meio milhão de almas. Mas a multidão que mediante seus labores foi erguida da ruína e degradação do pecado, para vida mais elevada e pura, e o número dos que pelo seu ensino alcançaram experiência mais profunda e mais rica, nunca se conhecerão antes que a família toda dos resgatados seja reunida no reino de Deus. A vida de Wesley apresenta a todo cristão uma lição de inapreciável valor. Oxalá a fé e a humildade, o incansável zelo, o espírito abnegado e a devoção deste servo de Cristo se reflitam nas igrejas de hoje!.