História da Redenção

CAPÍTULO 41

Nas Regiões Distantes

HR - Pag. 301  

Os apóstolos e discípulos que deixaram Jerusalém durante a feroz perseguição que ali grassou depois do martírio de Estêvão, pregavam a Cristo nas cidades ao redor, restringindo seus trabalhos aos hebreus e judeus gregos. "A mão do Senhor era com eles; e grande número creu e se converteu ao Senhor." Atos 11:21.

Quando os crentes em Jerusalém ouviram as boas novas se rejubilaram, e Barnabé, "homem de bem, e cheio do Espírito Santo e de fé" (Atos 11:24), foi enviado a Antioquia, a metrópole da Síria, para ajudar a igreja local. Trabalhou com grande sucesso. Como o trabalho estivesse crescendo, solicitou e obteve o auxílio de Paulo, e os dois discípulos trabalharam juntos na cidade por um ano, ensinando o povo e aumentando em número a igreja de Cristo.

Antioquia tinha grande população, tanto de judeus como de gentios, e era grande refúgio para os amantes do sossego e recreação, por causa de sua localização saudável, das belezas que a circundavam, da riqueza, da cultura e refinamento ali existentes. Seu extenso comércio fez dela um lugar de grande importância, onde pessoas de todas as nacionalidades eram encontradas. Era, portanto, uma cidade de luxo e vício. A retribuição de Deus finalmente veio sobre Antioquia, por causa da maldade de seus habitantes.


HR - Pag. 302  

Foi em Antioquia que os discípulos foram pela primeira vez chamados cristãos. Este nome foi-lhes dado porque Cristo era o principal tema de sua pregação, conversação e ensino. Continuamente estavam eles repetindo os incidentes ocorridos durante os dias de Seu ministério terrestre, quando Seus discípulos foram abençoados com Sua presença pessoal. Demoravam-se incansavelmente sobre Seus ensinos e milagres de cura, expulsão de demônios e ressurreição de mortos. Com lábios trêmulos e olhos rasos de lágrimas falavam de Sua agonia no jardim, Sua traição, julgamento e execução, a paciência e humildade com que havia suportado a afronta e a tortura impostas por Seus inimigos e a divina piedade com que tinha orado por Seus algozes. Sua ressurreição e ascensão, e Sua obra no Céu como Mediador do homem caído eram tópicos sobre os quais se regozijavam em demorar-se. Os pagãos bem podiam chamá-los cristãos, uma vez que pregavam a Cristo e dirigiam suas orações a Deus por intermédio dEle.

Na populosa cidade de Antioquia, Paulo encontrou um excelente campo de trabalho, onde sua grande cultura, sabedoria e zelo, combinados, exerceram uma poderosa influência sobre os habitantes e freqüentadores daquela cidade de cultura.

Enquanto isso, o trabalho dos apóstolos estava centralizado em Jerusalém, onde judeus de todas as línguas e nacionalidades vinham para adorar no templo durante as festas. Nessas ocasiões, os apóstolos pregavam a Cristo com ousada coragem, mesmo sabendo que em assim fazendo, sua vida estava em constante perigo. Eram feitos muitos conversos à fé, e estes, ao regressarem a seus lares nas diferentes partes do mundo, espalhavam as sementes da verdade através de todas as nações e entre todas as classes sociais.

Pedro, Tiago e João confiavam que Deus os havia escolhido


HR - Pag. 303  

para pregarem a Cristo entre os de sua própria nação. Todavia, Paulo recebera sua comissão de Deus, enquanto adorava no templo, e seu amplo campo missionário tinha sido apresentado diante dele com notável precisão. A fim de prepará-lo para seu extenso e importante trabalho, Deus o tomou em íntima associação consigo e descerrou diante de sua arrebatada visão um vislumbre da beleza e glórias celestiais.

A Ordenação de Paulo e Barnabé

Deus Se comunicava com os devotos profetas e mestres da igreja de Antioquia. "E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-me a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado." Atos 13:2. Esses apóstolos foram solenemente dedicados a Deus com jejum e oração e imposição das mãos, e então foram enviados para seu campo de trabalho entre os gentios.

Tanto Paulo como Barnabé tinham sido laboriosos ministros de Cristo, e Deus recompensara abundantemente seus esforços, mas nenhum deles havia sido formalmente ordenado para o ministério evangélico pela oração e pela imposição das mãos. Agora, eles estavam autorizados pela igreja não somente a pregar a verdade, mas também a batizar e organizar novas igrejas, sendo investidos de plena autoridade eclesiástica. Esta foi uma época importante para a igreja. Embora o muro de separação entre judeus e gentios tivesse sido quebrado pela morte de Cristo, levando aos gentios os privilégios totais do evangelho, o véu ainda não havia sido tirado dos olhos de muitos crentes judeus, e eles não podiam discernir claramente o fim daquilo que fora abolido pelo Filho de Deus. O trabalho agora devia prosseguir vigorosamente entre os gentios,


HR - Pag. 304  

e disso devia resultar o fortalecimento da igreja mediante uma farta colheita de almas.

Os apóstolos, neste seu trabalho especial, estariam expostos a suspeitas, preconceitos e ciúmes. Como conseqüência natural de sua saída do exclusivismo judaico, suas doutrinas e idéias estariam sujeitas à acusação de heresia, e suas credenciais de ministros do evangelho seriam postas em dúvida por muitos judeus zelosos e crentes. Deus previu as dificuldades que Seus servos deviam enfrentar e, em Sua sábia providência, fez com que fossem investidos com a inquestionável autoridade da estabelecida igreja de Deus, para que sua obra estivesse acima de acusação.

Em época posterior, o rito da ordenação mediante a imposição das mãos sofreu muito abuso; ligava-se a esse ato uma insustentável importância, como se sobreviesse de vez um poder aos que recebiam essa ordenação, poder que os habilitasse imediatamente para toda e qualquer obra ministerial, em virtude da imposição das mãos. Temos, na história desses dois apóstolos, unicamente um singelo relatório da imposição das mãos e da sua influência sobre o seu trabalho. Tanto Paulo como Barnabé já haviam recebido sua comissão do próprio Deus, e a cerimônia da imposição das mãos não ajuntou à mesma nenhuma graça ou virtual qualificação. Por ela, era simplesmente colocado o selo da igreja sobre a obra de Deus - uma forma reconhecida de designação para um cargo específico.

Primeira Reunião da Associação Geral

Certos judeus, provenientes da Judéia, suscitaram uma consternação geral entre os crentes gentílicos, levantando a questão da circuncisão. Com grande certeza, afirmavam que ninguém poderia ser salvo sem ser


HR - Pag. 305  

circuncidado e observar toda a lei cerimonial.

Essa era uma questão importante, que afetou grandemente a igreja. Paulo e Barnabé enfrentaram-na com prontidão, e se opuseram à introdução do assunto aos gentios. Nisto receberam oposição dos crentes judeus de Antioquia, que favoreciam a posição dos que vieram da Judéia. O assunto resultou em muita discussão e falta de harmonia na igreja, até que finalmente a igreja de Antioquia, temendo que a continuada discussão criasse uma divisão entre eles, decidiu enviar Paulo e Barnabé, juntamente com alguns homens de responsabilidade de Antioquia, a fim de exporem, em Jerusalém, a questão perante os apóstolos e anciãos. Ali deviam eles encontrar-se com delegados de diversas igrejas e com os que haviam ido a Jerusalém para assistir às próximas festas anuais. Enquanto isso, toda a discussão devia cessar até que fosse pronunciada a decisão final, pelos homens responsáveis da igreja. Essa decisão devia ser então universalmente aceita pelas várias igrejas através do país.

Chegando a Jerusalém, os delegados de Antioquia relataram diante da assembléia das igrejas o sucesso alcançado pelo seu ministério entre os gentios, e a confusão que havia resultado do fato de certos fariseus convertidos declararem que os conversos gentílicos deviam ser circuncidados e guardar a lei de Moisés para serem salvos.

Os judeus se haviam sempre orgulhado de seu cerimonial de instituição divina, e concluíam que, uma vez que Deus havia claramente esboçado a forma hebréia de adoração, era impossível que Ele jamais autorizasse uma mudança em quaisquer de suas especificações. Decidiram que o cristianismo devia associar-se com as leis e cerimônias judaicas. Tinham dificuldade para discernir o fim das coisas abolidas pela morte de


HR - Pag. 306  

Cristo, e em perceber que todas as ofertas sacrificais não tinham senão prefigurado a morte do Filho de Deus, em que o tipo encontrou o antítipo, tornando sem valor as divinamente designadas cerimônias e sacrifícios da religião judaica.

Paulo havia-se orgulhado de seu farisaísmo estrito, mas, depois que Cristo a ele Se revelou na estrada de Damasco, a missão do Salvador e seu próprio trabalho na conversão dos gentios ficaram claros em sua mente, e ele compreendeu com clareza a diferença entre uma fé viva e um formalismo morto. Paulo ainda alegava ser um filho de Abraão e guardava os Dez Mandamentos na letra e no espírito tão fielmente como tinha feito antes de sua conversão ao cristianismo. Entretanto, sabia que as cerimônias típicas logo deviam cessar completamente, já que aquilo que tinham representado estava no passado, e que a luz do evangelho espargia sua glória sobre a religião judaica, conferindo um novo significado a seus antigos rituais.

Evidência da Experiência de Cornélio

A questão então trazida à consideração do concílio parecia apresentar dificuldades insuperáveis, observada sob qualquer luz. Mas o Espírito Santo já havia, em realidade, solucionado esta questão, de cuja decisão parecia depender a prosperidade, senão a existência mesmo da igreja cristã. Graça, sabedoria e santo juízo foram dados aos apóstolos para decidirem o controvertido problema.

Pedro arrazoou que o Espírito Santo havia decidido o assunto em discussão, ao descer com igual poder sobre os gentios incircuncisos e sobre os circuncisos judeus. Rememorou sua visão, na qual Deus lhe apresentara um lençol cheio de toda a espécie de quadrúpedes,


HR - Pag. 307  

e lhe ordenara matar e comer; tendo recusado, com a afirmação de que jamais comera coisa comum ou imunda, disse Deus: "Não chames tu comum ao que Deus purificou." Atos 11:9.

Disse Pedro: "E Deus, que conhece os corações lhes deu testemunho, dando-lhes o Espírito Santo, assim como também a nós; e não fez diferença alguma entre eles e nós, purificando os seus corações pela fé. Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais nem nós podemos suportar?" Atos 15:8-10.

Esse jugo não era a lei dos Dez Mandamentos, como afirmam alguns que se opõem aos reclamos da lei; mas Pedro referia-se à lei das cerimônias, tornada nula e vã pela crucifixão de Jesus. Essa fala de Pedro levou a assembléia ao ponto de poderem ouvir com paciência a Paulo e a Barnabé, que relataram sua experiência na obra entre os gentios.

A Decisão

Tiago também apresentou seu testemunho com decisão - que Deus decidira outorgar aos gentios os mesmos privilégios dos judeus. Ao Espírito Santo pareceu bem não impor aos gentios conversos a lei cerimonial, e os apóstolos e anciãos, depois de cuidadoso estudo do assunto, viram-no na mesma luz, e seu parecer foi como o parecer do Espírito de Deus. Tiago presidiu o concílio e sua decisão final foi: "Pelo que julgo que não se deve perturbar aqueles, dentre os gentios, que se convertem a Deus." Atos 15:19.

Sua sentença foi que a lei cerimonial, e especialmente a ordenança da circuncisão, não deveriam ser impostas aos gentios, ou a eles sequer recomendadas.


HR - Pag. 308  

Tiago procurou imprimir na mente de seus irmãos o fato de que, em se tornando da idolatria para Deus, os gentios tinham feito grande mudança em sua fé, e que se deveria usar muita cautela para não perturbá-los com assuntos embaraçantes e duvidosos de somenos importância, para que não desanimassem em seguir a Cristo.

Os gentios, porém, não deviam seguir uma conduta que materialmente conflitasse com as opiniões de seus irmãos judeus, ou que criasse em sua mente preconceito contra eles. Os apóstolos e anciãos, portanto, concordaram em instruir por carta aos gentios a se absterem de carnes sacrificadas aos ídolos, da prostituição, do que é sufocado e do sangue. Deviam guardar os mandamentos e santificar a vida. Foi-lhes afirmado que os que declaravam ser a circuncisão obrigatória não estavam autorizados a fazê-lo pelos apóstolos.

Paulo e Barnabé eram-lhes recomendados como pessoas que haviam arriscado a vida pelo Senhor. Judas e Silas foram enviados com estes apóstolos para declararem aos gentios de viva voz a decisão do concílio. Os quatro servos de Deus foram enviados a Antioquia com a epístola e a mensagem, e isso pôs fim a toda controvérsia; porque era voz da mais alta autoridade sobre a Terra.

O concílio que decidiu este caso era composto dos fundadores das igrejas cristãs judaicas e gentias. Estavam presentes anciãos de Jerusalém e delegados de Antioquia, e as igrejas mais influentes estavam representadas. O concílio não reclamou a infalibilidade de suas deliberações, mas conduziu-se de acordo com os ditames de iluminado juízo e com a dignidade de uma igreja estabelecida pela vontade divina. Viram que o próprio Deus tinha decidido a questão favorecendo os gentios com


HR - Pag. 309  

o Espírito Santo, e era-lhes deixado seguir a guia do Espírito.

Não foram convocados todos os cristãos para votarem sobre a questão. Os apóstolos e anciãos - homens de influência e bom senso - redigiram e expediram o decreto, que foi logo aceito pelas igrejas cristãs. Nem todos, entretanto, ficaram contentes com a decisão; havia uma facção de falsos irmãos que tomaram a decisão de se empenhar em uma obra de sua própria responsabilidade. Puseram-se a murmurar e criticar, propondo novos planos e procurando deitar abaixo a obra dos homens experientes a quem Deus havia mandado ensinar a doutrina de Cristo. Desde o início teve a igreja tais obstáculos a enfrentar, e há de tê-los até a consumação do tempo.

<< Capítulo Anterior Próximo Capítulo >>